9.2 - OS DIVERSOS GRAUS DA IMAGINAÇÃO NA OBRA ROSEANA
NEUZA MACHADO
“Como encontrar uma medida comum dessa solicitação a viver e a falar? Isso só pode ocorrer multiplicando-se as experiências de figuras literárias, de imagens móveis, restituindo, conforme o conselho de Nietzsche, a todas as coisas o seu movimento próprio, classificando e comparando os diversos movimentos de imagens, contando todas as riquezas dos tropos que se induzem ao redor de um vocábulo. A propósito de qualquer imagem que nos impressiona, devemos indagar-nos: qual o arroubo linguístico que essa imagem libera em nós? Como a separamos do fundo por demais estável das recordações familiares?” (Bachelard).
As palavras plurissignificativas possibilitam a descoberta desse fenômeno de excitabilidade linguística, determinam a aceleração e o retardamento das imagens voláteis. A imaginação se engrandece e ao mesmo tempo seduz, e é uma sedução diferente da sedução registrada pela perspectiva anulada, perspectiva esta desinteressada dos valores oníricos. A imaginação, assim, prefere a sedução do que se imagina, não se prendendo à sedução do que se vê. A imaginação procura o caminho curvo, ou labiríntico, da perspectiva de intensidade substancial infinita, procura a ausência, consciente de que a essência da verdade encontra-se no âmbito do não-dito.
E eis Riobaldo afirmando, em Grande Sertão: Veredas:
“Eu atravesso as coisas — e no meio da travessia não vejo! — só estava era entretido na idéia dos lugares de saída e de chegada. Assaz o senhor sabe: a gente quer passar um rio a nado, e passa; mas vai dar na outra banda é num ponto mais embaixo, bem diverso do em que primeiro se pensou” (Grande Sertão: Veredas).
A imaginação dinâmica do Criador sertanejo do século XX impulsiona as reflexões do personagem Riobaldo. O personagem não vê as coisas, quem as vê é o plenipotenciário do ato de narrar ficcionalmente, agora conhecedor de uma outra realidade. O criador denuncia a imaginação evasiva do personagem (= ausência / sem lei), tão diferente da imaginação dinâmica, porque sente que são poucos os que se conscientizam e vivenciam todas as imagens da travessia. A travessia das coisas até a sublimação discursiva e, posteriormente, a conscientização de uma sublimação dialética, é um desafio que os assinalados têm de enfrentar. O Artista do sertão, em Grande Sertão: Veredas, conduz seu personagem por entre os vários estágios de sua imaginação singular. Na verdade, atravessa realmente o sertão do passado. Sob a luz da etimologia, põe-se de través, obliquamente, no intuito de alcançar a margem do imaginário-em-aberto.
Assim, seu personagem atravessa as coisas e não as vê, porque não conhece os rumos da viagem. O personagem moderno do século XX jamais saberá os rumos de seu destino, mesmo quando é ele que comanda o relato, já velho e sem perspectivas de vida ativa. A perspectiva sintagmática em Grande Sertão: Veredas é um grande engano. Não há total linearidade ao longo da narrativa, não há um final glorioso para o herói (personagem), na velhice um simples barranqueiro do rio São Francisco. O aparente aspecto linear não bastaria para preencher as quinhentas e sessenta e três páginas da narrativa; as longas reflexões do personagem, ao contrário, denunciam os íntimos e importantes Vazios do Artista.
MACHADO, Neuza. Do Pensamento Contínuo à Transcendência Formal. Rio de Janeiro: NMachado / ISBN: 85-904306-1-8
As palavras plurissignificativas possibilitam a descoberta desse fenômeno de excitabilidade linguística, determinam a aceleração e o retardamento das imagens voláteis. A imaginação se engrandece e ao mesmo tempo seduz, e é uma sedução diferente da sedução registrada pela perspectiva anulada, perspectiva esta desinteressada dos valores oníricos. A imaginação, assim, prefere a sedução do que se imagina, não se prendendo à sedução do que se vê. A imaginação procura o caminho curvo, ou labiríntico, da perspectiva de intensidade substancial infinita, procura a ausência, consciente de que a essência da verdade encontra-se no âmbito do não-dito.
E eis Riobaldo afirmando, em Grande Sertão: Veredas:
“Eu atravesso as coisas — e no meio da travessia não vejo! — só estava era entretido na idéia dos lugares de saída e de chegada. Assaz o senhor sabe: a gente quer passar um rio a nado, e passa; mas vai dar na outra banda é num ponto mais embaixo, bem diverso do em que primeiro se pensou” (Grande Sertão: Veredas).
A imaginação dinâmica do Criador sertanejo do século XX impulsiona as reflexões do personagem Riobaldo. O personagem não vê as coisas, quem as vê é o plenipotenciário do ato de narrar ficcionalmente, agora conhecedor de uma outra realidade. O criador denuncia a imaginação evasiva do personagem (= ausência / sem lei), tão diferente da imaginação dinâmica, porque sente que são poucos os que se conscientizam e vivenciam todas as imagens da travessia. A travessia das coisas até a sublimação discursiva e, posteriormente, a conscientização de uma sublimação dialética, é um desafio que os assinalados têm de enfrentar. O Artista do sertão, em Grande Sertão: Veredas, conduz seu personagem por entre os vários estágios de sua imaginação singular. Na verdade, atravessa realmente o sertão do passado. Sob a luz da etimologia, põe-se de través, obliquamente, no intuito de alcançar a margem do imaginário-em-aberto.
Assim, seu personagem atravessa as coisas e não as vê, porque não conhece os rumos da viagem. O personagem moderno do século XX jamais saberá os rumos de seu destino, mesmo quando é ele que comanda o relato, já velho e sem perspectivas de vida ativa. A perspectiva sintagmática em Grande Sertão: Veredas é um grande engano. Não há total linearidade ao longo da narrativa, não há um final glorioso para o herói (personagem), na velhice um simples barranqueiro do rio São Francisco. O aparente aspecto linear não bastaria para preencher as quinhentas e sessenta e três páginas da narrativa; as longas reflexões do personagem, ao contrário, denunciam os íntimos e importantes Vazios do Artista.
MACHADO, Neuza. Do Pensamento Contínuo à Transcendência Formal. Rio de Janeiro: NMachado / ISBN: 85-904306-1-8
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