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quarta-feira, 16 de junho de 2010

10.13 - A TEMÁTICA DA ÁGUA


10.13 - A TEMÁTICA DA ÁGUA

NEUZA MACHADO


Submetido à lei das quatro substâncias básicas (a terra, o ar, a água e o fogo, matérias julgadas, desde a Antiguidade, como "forças da Natureza"), Guimarães Rosa, em vários momentos de sua criação ficcional, e enquanto narrador de origem sertaneja, procura realçar o elemento água. Em suas narrativas, a água sempre aparece amalgamada à terra, formando o que Bachelard chama de casamento dos elementos. No conto "A terceira margem do rio", por exemplo, a água se apresenta soberana, mesmo recebendo uma considerável colaboração do elemento terra, representado na figura da mãe, no espaço de vivência do filho, nas árvores, nas lapinhas de pedra do barranco, na própria canoinha do pai, feita de pau de vinhático.

A água, nesta narrativa aqui evidenciada, não ornamenta simplesmente a paisagem, ao contrário, é a substância primordial da imaginação do escritor, a própria essência de seus pensamentos mais profundos. Os rios do sertão da infância o marcaram para sempre e individualmente. Para o filósofo Gaston Bachelard, a água é uma espécie de destino, um "tipo de destino, (...) um destino essencial que metamorfoseia incessantemente a substância do ser”. O brasileiro do (já passado) século XX, especialmente, acomodou-se ao destino da água que corre, ou seja, a vida como algo passageiro, transitório, sem perspectivas definidas, findando de minuto a minuto, desmoronando constantemente.

“A morte cotidiana não é a morte exuberante do fogo que perfura o céu com suas flechas; a morte cotidiana é a morte da água. A água corre sempre, a água cai sempre, acaba sempre em sua morte horizontal. (...) a morte da água é mais sonhadora que a morte da terra: o sofrimento da água é infinito” (Bachelard).

O Artista se inspira na imagem da água para compor sua narrativa. O Pai assume o destino da água, impondo-se desaparecer aos poucos, remando, findando seus dias de minuto a minuto, "sentado no fundo da canoa, suspendida no liso do rio” (“A terceira margem do rio”, Primeiras Estórias). O Pai prefere a morte horizontal da água, para perpetuar-se no verticalizante infinito da atividade sonhadora do Filho.

O Artista Literário trabalhou profundamente a matéria água. As imagens do rio não são superficiais e fugidias. Há imagens singulares, fornecedoras de uma metapoética da água, um além do real, um "perfume" de irrealidade, que obriga a pensar em um rio diferente, mesmo constatando-se a simplicidade da narrativa.

Os rios da infância permaneceram vivos em suas recordações. Ao longo de sua obra, esses rios renasceram - poeticamente - de suas entranhas, gerados nas longas contemplações do imaginário-em-aberto. Os rios da infância são substanciais, pesados, são mortais, por tais razões, o filho/narrador deseja que no artigo da morte o coloquem numa canoinha de nada. Os rios da infância são mortais, vistos pelo ângulo da filosofia de Bachelard: "Toda água viva é uma água que está a ponto de morrer” (Bachelard); mas, se vistos pelo ângulo da imaginação profunda, produtora de ficção-arte, esses mesmos rios alcançam o plano da eternidade.

MACHADO, Neuza. Do Pensamento Contínuo à Transcendência Formal. Rio de Janeiro: NMachado / ISBN: 85-904306-1-8

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