10.6 - A TEMÁTICA DA ÁGUA
NEUZA MACHADO
Reiniciando seu processo de apreensão do literário, depois de sua experiência com o fogo primitivo acasalado à terra, em A Hora e Vez de Augusto Matraga, e o fogo purificador iluminando o cenário do Sertão, em Grande Sertão: Veredas, seu primeiro pensamento é novamente para a água acasalada à terra; como fora no início (em Sagarana) a terra unida à água, sendo que a terra se masculinizando mais, exteriormente, dominando as narrativas, graças à autoridade de seus coronéis.
“Para esse cunho dualista da mistura dos elementos pela imaginação material existe uma razão decisiva: é que tal mistura constitui sempre um casamento. Com efeito, desde que duas substâncias elementares se unem, desde que se fundem uma na outra, elas se sexualizam. Na ordem da imaginação, ser contrárias para duas substâncias é ser de sexos opostos. Se a mistura se operar entre duas matérias de tendência feminina, como a água e a terra, pois bem! — uma delas se masculiniza ligeiramente para dominar sua parceira. Só sob essa condição a combinação é sólida e duradoura, só sob essa condição a combinação imaginária é uma imagem real. No reino da imaginação material, toda união é casamento e não há casamento a três” (Saintine, in: Bachelard).
No casamento da narrativa, a terra (representada na figura da Mãe) domina a água (elemento natural do Pai); mas a água, segundo Bachelard, "desune e une" e, até mesmo, "tempera os outros elementos”. O temperamento fraco do Pai (feminino?) necessita de uma nova remodelagem que o masculinize e o faça grande aos olhos do Filho, daquele determinado Filho abençoado com um gesto indeciso antes da partida. Nessa nova remodelagem, nessa nova forma masculinizada, ele, com o auxílio ativado da própria água, amolecerá as substâncias duras da terra-Mãe. A Mãe perde com a partida do Pai para o interior revitalizante da água. Ela vai para longe também, deixando o Filho a sofrer sozinho os desajustes dos similares.
E já que a imaginação para Bachelard é a faculdade de deformar imagens, nada melhor do que o elemento água, ativado pela imaginação criadora, para deformar o sistema narrativo. Ao lado das imagens estáveis da terra (as imagens do cotidiano do Filho, da infância à velhice) registra-se a insolidez do cotidiano do Pai, produzida pela imaginação criadora (altamente deformante) de quem narra. E quem narra realmente? O Filho-Narrador, personagem por direito de criação, ou o Artista Ficcional Moderno, filho do Sertão?
MACHADO, Neuza. Do Pensamento Contínuo à Transcendência Formal. Rio de Janeiro: NMachado / ISBN: 85-904306-1-8
NEUZA MACHADO
Reiniciando seu processo de apreensão do literário, depois de sua experiência com o fogo primitivo acasalado à terra, em A Hora e Vez de Augusto Matraga, e o fogo purificador iluminando o cenário do Sertão, em Grande Sertão: Veredas, seu primeiro pensamento é novamente para a água acasalada à terra; como fora no início (em Sagarana) a terra unida à água, sendo que a terra se masculinizando mais, exteriormente, dominando as narrativas, graças à autoridade de seus coronéis.
“Para esse cunho dualista da mistura dos elementos pela imaginação material existe uma razão decisiva: é que tal mistura constitui sempre um casamento. Com efeito, desde que duas substâncias elementares se unem, desde que se fundem uma na outra, elas se sexualizam. Na ordem da imaginação, ser contrárias para duas substâncias é ser de sexos opostos. Se a mistura se operar entre duas matérias de tendência feminina, como a água e a terra, pois bem! — uma delas se masculiniza ligeiramente para dominar sua parceira. Só sob essa condição a combinação é sólida e duradoura, só sob essa condição a combinação imaginária é uma imagem real. No reino da imaginação material, toda união é casamento e não há casamento a três” (Saintine, in: Bachelard).
No casamento da narrativa, a terra (representada na figura da Mãe) domina a água (elemento natural do Pai); mas a água, segundo Bachelard, "desune e une" e, até mesmo, "tempera os outros elementos”. O temperamento fraco do Pai (feminino?) necessita de uma nova remodelagem que o masculinize e o faça grande aos olhos do Filho, daquele determinado Filho abençoado com um gesto indeciso antes da partida. Nessa nova remodelagem, nessa nova forma masculinizada, ele, com o auxílio ativado da própria água, amolecerá as substâncias duras da terra-Mãe. A Mãe perde com a partida do Pai para o interior revitalizante da água. Ela vai para longe também, deixando o Filho a sofrer sozinho os desajustes dos similares.
E já que a imaginação para Bachelard é a faculdade de deformar imagens, nada melhor do que o elemento água, ativado pela imaginação criadora, para deformar o sistema narrativo. Ao lado das imagens estáveis da terra (as imagens do cotidiano do Filho, da infância à velhice) registra-se a insolidez do cotidiano do Pai, produzida pela imaginação criadora (altamente deformante) de quem narra. E quem narra realmente? O Filho-Narrador, personagem por direito de criação, ou o Artista Ficcional Moderno, filho do Sertão?
MACHADO, Neuza. Do Pensamento Contínuo à Transcendência Formal. Rio de Janeiro: NMachado / ISBN: 85-904306-1-8
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