10.3 - A TEMÁTICA DA ÁGUA
NEUZA MACHADO
Em “A terceira margem do rio” (Primeiras Estórias), de Guimarães Rosa, é lícito observar que a terra só se torna intranquila associada a outras matérias; e a água será sempre um elemento instável, mesmo que aparente às vezes uma certa quietude.
A terra, apesar do apelo da água, é uma matéria indispensável, nessa narrativa roseana. E ela se faz presente, acasalada à água, para dar verossimilhança à estória, "pois é nesta combinação que o duplo devaneio da forma e da matéria sugere os temas mais poderosos da imaginação criadora” (Bachelard). E eis aqui, se se observar com atenção o que diz Bachelard, a intromissão da imaginação que dá vida à causa formal numa narrativa autenticamente criativa. A imaginação criadora duplica os devaneios da forma exterior do sertão e duplica também, intimamente, as matérias que o compõem. A imaginação que dá vida à causa formal, duplicada pela imaginação criadora, seduz o leitor, fazendo-o acreditar no relato do Filho em relação ao viver insólito do Pai. E, no entanto, a causa do coração (causa íntima) é muito mais profunda e verdadeira. O sofrimento e a solidão ultrapassam os fracos limites da imaginação formal, obrigando o leitor a refletir e a reinventar, também ele, a dimensão do irreal.
“A união da água e da terra dá a massa. A massa é um dos esquemas fundamentais do materialismo. E sempre nos pareceu estranho que a filosofia tenha negligenciado o seu estudo. Com efeito, a massa nos parece ser o esquema do materialismo sob formas elementares, já que ela desembaraça a nossa intuição da preocupação com as formas. O problema das formas coloca-se então em segunda instância. A massa proporciona uma experiência inicial da matéria” (Saintine, in: Bachelard).
A união da água e da terra materializa a nova vida do Pai, dentro da canoa, rio acima, rio abaixo, sem aportar em terra firme. O Pai preferiu a matéria água para dar sentido a sua vida, já sem objetivos, pois quem regia de fato, moral e socialmente, era sua esposa. No entanto, não se libertou totalmente, ligado atavicamente ao Filho, preso aos valores da terra.
MACHADO, Neuza. Do Pensamento Contínuo à Transcendência Formal. Rio de Janeiro: NMachado / ISBN: 85-904306-1-8
NEUZA MACHADO
Em “A terceira margem do rio” (Primeiras Estórias), de Guimarães Rosa, é lícito observar que a terra só se torna intranquila associada a outras matérias; e a água será sempre um elemento instável, mesmo que aparente às vezes uma certa quietude.
A terra, apesar do apelo da água, é uma matéria indispensável, nessa narrativa roseana. E ela se faz presente, acasalada à água, para dar verossimilhança à estória, "pois é nesta combinação que o duplo devaneio da forma e da matéria sugere os temas mais poderosos da imaginação criadora” (Bachelard). E eis aqui, se se observar com atenção o que diz Bachelard, a intromissão da imaginação que dá vida à causa formal numa narrativa autenticamente criativa. A imaginação criadora duplica os devaneios da forma exterior do sertão e duplica também, intimamente, as matérias que o compõem. A imaginação que dá vida à causa formal, duplicada pela imaginação criadora, seduz o leitor, fazendo-o acreditar no relato do Filho em relação ao viver insólito do Pai. E, no entanto, a causa do coração (causa íntima) é muito mais profunda e verdadeira. O sofrimento e a solidão ultrapassam os fracos limites da imaginação formal, obrigando o leitor a refletir e a reinventar, também ele, a dimensão do irreal.
“A união da água e da terra dá a massa. A massa é um dos esquemas fundamentais do materialismo. E sempre nos pareceu estranho que a filosofia tenha negligenciado o seu estudo. Com efeito, a massa nos parece ser o esquema do materialismo sob formas elementares, já que ela desembaraça a nossa intuição da preocupação com as formas. O problema das formas coloca-se então em segunda instância. A massa proporciona uma experiência inicial da matéria” (Saintine, in: Bachelard).
A união da água e da terra materializa a nova vida do Pai, dentro da canoa, rio acima, rio abaixo, sem aportar em terra firme. O Pai preferiu a matéria água para dar sentido a sua vida, já sem objetivos, pois quem regia de fato, moral e socialmente, era sua esposa. No entanto, não se libertou totalmente, ligado atavicamente ao Filho, preso aos valores da terra.
MACHADO, Neuza. Do Pensamento Contínuo à Transcendência Formal. Rio de Janeiro: NMachado / ISBN: 85-904306-1-8
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