11.2 – ASCENSÃO AO CONCRETO: UMA PERSPECTIVA SUBSTANCIAL INFINITA
NEUZA MACHADO
Sob as ordens da "sinceridade noturna" (atentar para o fato de que os sonhos dinâmicos do amanhecer ainda estão restritos ao espaço dos sonhos cotidianos), com suas "verdades de luz” (Bachelard), aliada à imaginação dinâmica do ar, os acontecimentos comuns de uma manhã qualquer são deformados e recriados oniricamente. Acompanhando a matéria volante, desprendida do próprio Criador de matéria de ficção, o dia normal do lugarejo se valoriza, se ilumina num prodigioso instante, apenas perceptível a um olhar semicerrado, já prestes a acordar. Nesse espaço semi-adormecido impera a autonomia da retina, "na qual uma química minúscula desperta mundos” (Bachelard). São raros instantes de interiorização, nos quais o narrador de sonhos aéreos consegue dar forma ficcional a seus valores de vida.
“Se tivéssemos espaço para isso, após o relaxamento dos olhos descreveríamos o relaxamento das mãos que, também elas, recusam os objetos. E quando nos lembramos de que toda a dinâmica específica do ser humano é digital, será necessário convir que o espaço onírico se solta quando o nó dos dedos se desata” (Bachelard).
O relaxamento dos olhos e o relaxamento das mãos recusam os objetos, recusam o socialmente instituído, recusam os dogmas da claridade do dia, diferente da claridade da luz dos sonhos bem sonhados. A claridade do dia em sua substancialidade impõe distâncias, mascara as verdades do cotidiano. A claridade da luz dos sonhos bem sonhados ilumina e aproxima as verdades assinaladas, porque se encontra agasalhada na essência das emoções verdadeiras.
Sob o impacto da própria concentração, debaixo do comando do instante do processo de criação literária, instante metafísico, produzido pela abertura para a consciência literária, o ímpar Ficcionista, já com os nós dos dedos desatados, recria a algazarra e vozeria do povo, perseguindo aquele "senhor provisoriamente impoluto", porque evidentemente, se há uma perseguição, procuram-se futuras máculas no personagem.
O narrador está liberto das diretivas essenciais do cotidiano e livremente faz seu personagem ascender ao Incrível, ou seja, subir uma palmeira de difícil acesso como se fosse algo natural. Sonhando a subida do personagem até o topo da palmeira, refaz sua escalada de vida, ou ainda, reflete sobre as etapas de sua ascensão aos cogitos superiores da mente. O sujeito perseguido "arriba ao incrível, ascensionalíssimo” (“Darandina”, Primeiras Estórias), uma palmeira real, até o fim, e fino, de seu topo. O sujeito cresce e alcança novos e desconhecidos valores, passa a florescer e frutificar-se, unindo-se indelevelmente à árvore que o acolheu. O sujeito cresce com e por intermédio da árvore, porque assimilou a metafísica da imaginação que deforma e permite a formação de novas imagens.
As imagens primárias passam a ser vistas por/de um outro ângulo, do ângulo de quem, agora, se encontra nas alturas, no "páramo empírio", no topo de uma "infinita palmeira”.
Repensando esta palmeira do conto "Darandina", pode-se dizer que ela sai de múltiplas metáforas abstracionais, e, ao mesmo tempo, se encontra ligada à objetividade da razão, mediante suas raízes fixas na terra. E eis aqui a dualidade da criação roseana, na qual pesam ainda os valores substanciais, valores cerceadores, que obrigam o personagem a descer, entretanto, agora, desnudo, definitivamente outro, totalmente indivíduo.
MACHADO, Neuza. Do Pensamento Contínuo à Transcendência Formal. Rio de Janeiro: NMachado / ISBN: 85-904306-1-8
NEUZA MACHADO
Sob as ordens da "sinceridade noturna" (atentar para o fato de que os sonhos dinâmicos do amanhecer ainda estão restritos ao espaço dos sonhos cotidianos), com suas "verdades de luz” (Bachelard), aliada à imaginação dinâmica do ar, os acontecimentos comuns de uma manhã qualquer são deformados e recriados oniricamente. Acompanhando a matéria volante, desprendida do próprio Criador de matéria de ficção, o dia normal do lugarejo se valoriza, se ilumina num prodigioso instante, apenas perceptível a um olhar semicerrado, já prestes a acordar. Nesse espaço semi-adormecido impera a autonomia da retina, "na qual uma química minúscula desperta mundos” (Bachelard). São raros instantes de interiorização, nos quais o narrador de sonhos aéreos consegue dar forma ficcional a seus valores de vida.
“Se tivéssemos espaço para isso, após o relaxamento dos olhos descreveríamos o relaxamento das mãos que, também elas, recusam os objetos. E quando nos lembramos de que toda a dinâmica específica do ser humano é digital, será necessário convir que o espaço onírico se solta quando o nó dos dedos se desata” (Bachelard).
O relaxamento dos olhos e o relaxamento das mãos recusam os objetos, recusam o socialmente instituído, recusam os dogmas da claridade do dia, diferente da claridade da luz dos sonhos bem sonhados. A claridade do dia em sua substancialidade impõe distâncias, mascara as verdades do cotidiano. A claridade da luz dos sonhos bem sonhados ilumina e aproxima as verdades assinaladas, porque se encontra agasalhada na essência das emoções verdadeiras.
Sob o impacto da própria concentração, debaixo do comando do instante do processo de criação literária, instante metafísico, produzido pela abertura para a consciência literária, o ímpar Ficcionista, já com os nós dos dedos desatados, recria a algazarra e vozeria do povo, perseguindo aquele "senhor provisoriamente impoluto", porque evidentemente, se há uma perseguição, procuram-se futuras máculas no personagem.
O narrador está liberto das diretivas essenciais do cotidiano e livremente faz seu personagem ascender ao Incrível, ou seja, subir uma palmeira de difícil acesso como se fosse algo natural. Sonhando a subida do personagem até o topo da palmeira, refaz sua escalada de vida, ou ainda, reflete sobre as etapas de sua ascensão aos cogitos superiores da mente. O sujeito perseguido "arriba ao incrível, ascensionalíssimo” (“Darandina”, Primeiras Estórias), uma palmeira real, até o fim, e fino, de seu topo. O sujeito cresce e alcança novos e desconhecidos valores, passa a florescer e frutificar-se, unindo-se indelevelmente à árvore que o acolheu. O sujeito cresce com e por intermédio da árvore, porque assimilou a metafísica da imaginação que deforma e permite a formação de novas imagens.
As imagens primárias passam a ser vistas por/de um outro ângulo, do ângulo de quem, agora, se encontra nas alturas, no "páramo empírio", no topo de uma "infinita palmeira”.
Repensando esta palmeira do conto "Darandina", pode-se dizer que ela sai de múltiplas metáforas abstracionais, e, ao mesmo tempo, se encontra ligada à objetividade da razão, mediante suas raízes fixas na terra. E eis aqui a dualidade da criação roseana, na qual pesam ainda os valores substanciais, valores cerceadores, que obrigam o personagem a descer, entretanto, agora, desnudo, definitivamente outro, totalmente indivíduo.
MACHADO, Neuza. Do Pensamento Contínuo à Transcendência Formal. Rio de Janeiro: NMachado / ISBN: 85-904306-1-8
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