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quarta-feira, 23 de junho de 2010

11.4 – ASCENSÃO AO CONCRETO: UMA PERSPECTIVA SUBSTANCIAL INFINITA

11.4 – ASCENSÃO AO CONCRETO: UMA PERSPECTIVA SUBSTANCIAL INFINITA

NEUZA MACHADO


Por intermédio da perspectiva substancial infinita, o narrador do conto “Darandina” se distancia das imagens visuais formalizadoras, horizontais, orientado pelo devaneio muito particular de seu próprio Criador Ficcional, instalado, por sua vez, no vertical cogito(3) da pura individualidade.

As dinâmicas lembranças da infância nutriram e elevaram ao máximo do crescimento uma palmeira-real, muito comum nos jardins-de-praça das pequenas cidades do interior de Minas. Entretanto, nesta minha apreciação teórico-reflexiva do conto “Darandina” (Guimarães Rosa, Primeiras Estórias), a palmeira simboliza o eixo de sonho dinâmico da imaginação literária submetida ao elemento ar.

“Todo grande sonhador dinamizado recebe o benefício dessa imagem vertical, dessa imagem verticalizante. A árvore ereta é uma força evidente que conduz uma vida terrestre ao céu azul” (Bachelard).

A palmeira do conto representa a ligação entre a realidade vital e a realidade ficcional. O narrador, estimulado pela imaginação dinamizada de seu demiurgo, observa a aventura aérea daquele senhor provisoriamente impoluto, escalando a palmeira lisa como se tivesse asas nos pés. Do alto de seu cogito particular, o Ficcionista recria literariamente um de seus instantes insolitamente dinamizados.

A palmeira-real é a via condutora ─ eletrificada ─ do Artista sertanejo, da terra e água amalgamadas, ao plano do infinito fluídico, plano do (historicamente) solitário indivíduo moderno, que alcançou na maturidade um estilo de vida diferente de seus iniciais primeiros anos de infância (repletos do dinamismo próprio das puras comunidades fechadas).

[Para solucionar futuros prováveis impasses: aqui não me refiro propriamente ao escritor Guimarães Rosa, quando ocupo-me com a palavra “solidão”; reporto-me aos já dignificados estudos de teóricos, sociólogos e filósofos abalizados, tais como Bachelard (“repouso dinamizado”), Alvin Toffler (A Terceira Onda), Erving Goffman (A representação do eu na vida cotidiana), Jean Baudrillard (América) e outros, os quais me fizeram repensar a questão da “individualizada solidão do Homem da Era Moderna”. Amparada por pensadores renomados, já sacralizados intelectualmente, atrevo-me a afirmar que os ficcionistas do século XX (incluindo o escritor Guimarães Rosa) souberam captar esta dita “solidão moderna” em seus escritos ficcionais, em seus “instantes” de repouso criativo. Assim explicado, não será lícito visualizar aqui a idéia de que estou a nomear o escritor em questão, enquanto participante de uma vida social ativa, como uma pessoa solitária].

A palmeira faz reviver suas primeiras alegrias numa cidadezinha do interior, mas é também o símbolo de sua própria escalada aos cogitos superiores. Nessa escalada, a palmeira da infância e juventude cresceu infinitamente, buscou as alturas, enriqueceu um sonho particular (solitário). A palmeira, por sua constituição leve (raízes, tronco em fibras e folhas) é o vegetal que caracteriza o Artista sonhador. As outras árvores mais consistentes estão ligadas ao devaneios do Artista-trabalhador-braçal. O devaneio do homo faber exige uma matéria mais pesada, e é lícito lembrar que os orientais colocam a madeira no âmbito dos elementos fundamentais. Para o Artista, a imagem formal da palmeira não tem muita importância; importa-lhe mais o seu aspecto liso e vertical, produtor de reflexos dinâmicos, proliferantes, saídos de uma (solitária e agitada) imaginação poderosa (o “repouso ativado” de Gaston Bachelard).

A impulsão para o infinito, em especial nesta narrativa, ao contrário do que diz Bachelard, sobre "a árvore aérea”, não é lenta; é ativa e agitada. Em seu ensaio sobre a árvore aérea, o filósofo fala de rígidas árvores européias, e a palmeira-real, apesar de sua solidez e relativa longevidade, ou, talvez por seu despojamento, é uma árvore de aparência flexível.

“(...) pouco a pouco sentiremos em nós mesmos que a árvore, ser estático por excelência, recebe de nossa imaginação uma vida dinâmica maravilhosa. Surda, lenta, invencível impulsão! Conquista de leveza, fabricação de coisas voantes, de folhas aéreas e frementes! Como a imaginação dinâmica adora esse ser sempre ereto, esse ser que não se deita jamais” (Bachelard).

Para o Artista Ficcional brasileiro (até meados do século XX), conhecedor dos produtos naturais da terra e da insolidez de sua realidade política (repito: do século XX), a palmeira foi utilizada como a representação de um modelo de processo de criação em nível nacional. Nesse processo de criação, fundamentalmente, predominaram a terra e a água amalgamadas, já que, no âmbito econômico, o Brasil (repetindo mais uma vez: refiro-me ao Brasil da época de Guimarães Rosa) se sustentava na agro-pecuária, em oposição a uma tendência a um desenvolvimento de tecnologia de ponta, face à necessidade de enfrentar a concorrência com os países do Primeiro Mundo. Nesse desenvolvimento, o escritor brasileiro refletiu em sua obra o seu próprio caminho de ascensão sócio-intelectual, realizado por meio de uma palmeira flexível.

MACHADO, Neuza. Do Pensamento Contínuo à Transcendência Formal. Rio de Janeiro: NMachado / ISBN: 85-904306-1-8

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