A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: A QUINTA-FEIRA DE JUDAS E O ROUBO DO CARRO DE BOIS
ANTÔNIO DE
SOUSA COSTA
Tio Sebastião Pereira era
muito amigo de meu pai Zeca de Sousa. Ele não passava, nem um dia sequer, sem
ir a nossa casa. Ele tinha um sestro.
De quando em quando, ele rusnia,
limpando a garganta. Era sempre assim: quando ele chegava no início do nosso
terreiro, ele já vinha limpando a garganta, até entrar dentro de casa. Meu pai
dava a ele toda atenção. Quando meu pai estava em dificuldade, por qualquer
motivo, podia contar com ele.
Eu me recordo de uma noite de quinta para
sexta-feira, vésperas de sábado de Aleluia, em que o povo gostava de fazer
bagunça, fazendo quinta de Judas, roubando tudo que encontrava, fosse o que
fosse. Tendo meu pai carro de boi, vieram à meia-noite pra roubar o carro de meu pai. Quando os bagunceiros estavam tirando
o carro da coberta, que era uma meia-água nos fundos da casa, eles fizeram
muito barulho. Nos fundos da casa, tinha um quarto, no qual estava o meu irmão
por nome Eurico, que estava dormindo, mas acordou com o barulho que fizeram
para tirar o carro, e meu irmão chamou por meu pai: “– Zeca, estão roubando o
carro!”
Meu pai acordou e passou a mão na arma de fogo e
correu atrás deles. Parecia que o Judas ajudava a eles, pois tinha uma ladeira
bem a pique, que lá em Minas Gerais chama-se morro, pois os arruaceiros subiram correndo, puxando o carro à mão,
mas, meu pai também correu atrás deles, e, quando chegou no alto do morro, meu
pai disparou muitos tiros pra cima
deles, justamente quando eles estavam em frente à casa de tio Bastião Pereira.
Eles, com medo de serem atingidos por chumbo,
deixaram o carro no meio da estrada, e correram, espalhando-se pelo pasto. E
meu pai chegou, sentou no cabeção do carro, e gritou: “– Vocês, podem até me
matar, mas meu carro não vai pra
quinta de Judas não!” E, nesse justo momento, tio Bastião Pereira já estava ao
lado de meu pai, esperando que eles voltassem para levar o carro.
Era bastante gente que estava puxando o carro,
alguns eram até parentes, mas tinham outros, estranhos, de outras terras, e
eram metidos a valentes. Os que eram parentes não disseram nada, pois
reconheceram o erro, mas os que eram estranhos, disseram: “– O carro vai!, de
qualquer maneira”. Meu pai disse: “– Então, pega! Aquele que se aventurar a
pegar no meu carro, eu mando fogo!” E meu tio Bastião Pereira também gritou: “–
Aquele que for valente pega o carro, e vê se sai com ele!”
Mas, eles vendo a coragem de meu pai, e meu pai de costa
quente com tio Bastião, eles
resolveram a deixar de levar o carro. Voltaram com o carro e o puseram no mesmo
lugar que tinham tirado.
O nome completo de tio
Bastião era Sebastião Pereira Sobrinho. Tio Bastião não era homem de brigar por
qualquer coisa, mas não tinha medo. Se
medo fosse fruta, ele não
lambia nem a casca. Ele não
carregava arma de fogo, confiava na força que tinha. Além de ser um homem alto,
era também musculoso. Tio Bastião era chamado por todos que o conheciam de
Bastião Grande. Sempre amigo de todos, mas não carregava desaforo pra casa. Ele não era muito certo com os
compromissos. Às vezes, faltava com alguns de seus compromissos.
Teve uma vez que o Tio Bastião tomou um dinheiro
emprestado, de um homem por nome Virgílio Franquelim, com o trato, quando
vendesse o café, de pagar a conta, mas descuidou-se de pagar. Virgílio era um
homem muito respeitado por sua valentia. Virgílio não procurou ele para receber
a conta, mas ficou esperando ele passar na estrada, que passava perto de sua
casa.
Um certo dia, tio Bastião precisou ir ao Arraial,
para fazer algumas compras, e, quando passava em frente à casa de Virgílio, foi
cercado por ele, e, aí, começou a discussão. Ele dando algumas desculpas, mas,
Virgílio não quis aceitá-las, e disse pra
o tio Bastião: “– Eu vou te dar uma coça de grungunha.
Grungunha era um cipó caboclo, e Virgílio Franquelim já estava acostumado a
bater em homens. Mas, quando o Virgílio levantou a braço, com o cipó na mão,
tio Bastião não arredou sequer um passo, e sempre dizendo: “– Bate!” E Virgílio
não bateu. Virgílio não queria matá-lo, só queria dar-lhe uma coça de cipó, mas
não teve coragem de bater; olhou bem o tamanho de tio Bastião e pensou: “Se
este homem me pegar, ele me amassa todo”, e, assim, resolveu deixar tudo como
estava antes, e tio Bastião Pereira seguiu o seu caminho.
Essa encrenca que houve entre Virgílio Franquelim e
tio Bastião, o próprio Virgílio contava, até com graça, pois Virgílio era amigo
da família. Um dia, Virgílio veio à nossa casa e, conversando com meu pai,
contou este caso a meu pai, até sorrindo. E deixa estar que o Virgílio
Franquelim era um homem muito brabo.
Virgílio era também muito
amigo de um irmão de tio Bastião, por nome Luiz, que era conhecido por Luizinho
Pereira, também meu tio. Virgílio e tio Luizinho se consideravam quase irmãos.
Tio Luizinho era um homem de altura média, não era musculoso como o irmão
Bastião. Por esse motivo, não trabalhava em serviço pesado. Vivia mais era
negociando, comprando e vendendo, barganhando cavalo e outros animais; era o
que gostava de fazer. Em casa ficava, com os filhos, na luta de todo serviço,
mas, tinha também empregados para ajudar na lavoura de café, plantações de
milho, feijão, arroz, mandioca e outras plantas. Mas, no tempo da colheita,
colhia todos os cereais, depois o café e, por último, era fazer farinha de
mandioca.
Tio Luizinho Pereira era muito
amigo de meu pai Zeca de Sousa, pois era casado com uma irmã de meu pai, e era ele
também irmão de minha mãe Antoninha. Sempre que passava perto de nossa casa,
ele chegava. Um dia, ele fez convite a meu pai para uma compra de gados em
sociedade. Meu pai Zeca de Sousa aceitou o convite, e foram os dois para fazer
a compra de gados. Foram até a Fazenda de um parente de meu pai, por nome José
de Souza Moreira. Chegando lá, fizeram o negócio; compraram garrote mestiço e,
também, garrote criollo, e voltaram, tocando os garrotes. Quando chegaram em
nossa casa, tio Luizinho Pereira fez uma proposta a meu pai: “– Compadre Zeca, ocê precisa de bois pra puxar carro, eu quero boi pra
negócio; ocê fica com os garrotes
criollo, eu fico com os garrotes mestiço”. Com essa proposta, tio Luizinho saía
ganhando mais. Por ser cunhado, pelos dois lados da família, e compadre, e
amigo, ficou por isso mesmo, sem volta, sendo uma coisa pela outra.
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