A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: A ESCOLA DE DONA GUIOMAR NO
ARRAIAL DO CHORO
ANTÔNIO DE
SOUSA COSTA
Eu conheci o Arraial do
Choro, cujo nome próprio é Santo Antônio do Arrozal, numa época muito
promissora. Tinha uma Escola Pública Estadual, com uma professora de primeira
classe por nome dona Guiomar Rodrigues de Amorim, casada com o senhor Caetano,
que era o escrivão de paz. Ainda me lembro dos nomes dos filhos do casal, que
já frequentavam as aulas. O mais velho dos irmãos, Wilson, depois, Marica, Joca
e Lourdinha. Havia mais dois pequenos, que não frequentavam as aulas.
Dona Guiomar ensinava até o quinto ano. Depois, o
aluno saía preparado para entrar no Ginásio. A casa da Escola era pequena, mal
dava pra uns sessenta a oitenta
alunos. Tinha duas fileiras de bancos. Na frente, os meninos mais atrasados, os
mais adiantados ficavam na retaguarda. Ao lado, um quadro negro. Dona Guiomar
ficava atrás de uma mesinha, sentada, e, em cima da mesinha, uma vara de
marmelo e uma régua de uns trinta centímetros. Ela tanto batia com a vara, como
batia com a régua. Pra ela, não tinha
tamanho de aluno, o aluno podia estar com quinze ou dezesseis anos, se
precisasse apanhar, ela batia, até fazer vergão. Na hora de estudar, era o
maior silêncio, ninguém podia nem cochichar.
Lembro-me do primeiro dia em que eu entrei na
Escola. Ela passou o a b c pra
mim, para eu estudar em silêncio, eu comecei lendo baixo, mas, ela ouviu o meu
cochicho e veio silenciosamente, até onde eu estava sentado, e deu de leve em
minha cabeça com a vara de marmelo, e disse: “– Estuda, mais baixo!”
Além do primeiro dia de aula em que ela me corrigiu,
eu me lembro de um outro dia, em que ela me deu umas varadas. Nesse dia, eu
precisei mesmo de apanhar. Eu já estava bem adiantado, já fazendo conta de
multiplicar, conta passada no quadro negro, bem adiantado mesmo. Não sei bem
porque eu esquentei a cabeça, e não havia jeito de eu terminar a conta. O erro
estava sobre um número, e eu não conseguia resolver a conta. Dona Guiomar
estava me observando, e quis me ajudar, e disse: “– Antônio Costa, você está
tomando muito café. O erro da conta está no número tal”. Ela dizia até o
número, onde estava o erro, e eu, nem assim, entendia onde estava o erro. Aí,
ela já veio com a vara na mão, e deu-me umas varadas, e dizendo: “– Deixa de
tomar muito café, pois nem eu falando qual o número do erro, você não acerta?!”
Eu só tive três anos de Escola Pública. Fiquei só
com o terceiro ano, porque dona Guiomar mudou-se para o Espírito Santo, e nunca
mais tivemos notícia dela. Na véspera da mudança sair do Choro com destino a
Alegre, cidade do Espírito Santo, meu pai levou eu e um meu irmão, chamado
Eurico, que também fora aluno de dona Guiomar, para que nós nos despedíssemos
da professora e de sua família. Ela disse a meu pai: “– Senhor José, dos dois
filhos do senhor, eu levo um sentimento”. E meu pai perguntou: “– Pode me dizer
qual é o sentimento?” E ela respondeu: “– O sentimento que eu levo é de não
deixar o Antônio muito adiantado, o sentimento que eu levo do Eurico, é de não
poder tirar esta buta dele”.
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