A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: CASO VERÍDICO ACONTECIDO NO
ALTO DE CARANGOLA EM UMA SEXTA-FEIRA DA PAIXÃO
ANTÔNIO DE
SOUSA COSTA
Minha mãe Antoninha contava
um caso verídico, acontecido pouco abaixo do Arraial de Alto-Carangola, quase
no final do século XIX. Nessa época, minha mãe tinha quase quinze anos, era
ainda uma mocinha, quando ocorreu a notícia de um homem que tinha virado bicho
no Alto-Carangola. Todos ficaram assombrados com aquela notícia, um homem virar
bicho!?, não era possível nem acreditar em tal notícia. Mas era preciso
verificar se era verdade mesmo. Aí, reuniu-se minha mãe com mais algumas
colegas e foram ver de perto se era verdade que um homem tinha virado bicho.
Minha mãe Antoninha e as colegas foram até ao tal
lugar indicado e constataram a verdade. Elas chegaram e viram dentro de um
quarto um homem cabeludo deitado em uma cama de esteira, no chão. O homem estava
com o corpo coberto de cabelo, com os dedos enrolados, com as unhas grandes e
falava muito. Tinha muita gente que foi fazer visita, e todos de longe. Ninguém
se atrevia a chegar perto do homem.
Mas, naquele momento em que minha mãe ali estava,
chegou um amigo do homem que tinha virado bicho, por nome João Martins, e
perguntou pelo o Egídio, como ele estava passando. De lá do quarto, onde ele
estava deitado, ele ouviu a voz do amigo e deu um grito: “– Chega pra cá, João Martins. Eu preciso falar
com você”. Esse fato, desse homem que virou bicho no Alto-Carangola, era muito
comentado por muitos, pois o lugar ficou assombrado por muitos anos.
Eu conheci a casa do Egídio Fagundes, de chão, pé
direito baixo, de pau-a-pique e de estuque, coberta com telha. A casa ficava em
uma curva da estrada, do lado esquerdo pra
quem sobe, quase chegando em Alto-Carangola, que, ultimamente, passou a
chamar-se Arizona [*Orizânia]. Diziam que, se alguém passasse naquele lugar e
dissesse, “é aqui que o homem virou bicho?”, ele aparecia.
Diziam, os mais antigos do lugar, que ele não
morreu, desapareceu de uma noite para o dia. Ninguém viu a morte de Egídio
Fagundes. Uma história triste e comovente de um moço que não chegou a ficar
velho.
Contava-se que, em uma noite de sexta-feira da
paixão, Egídio Fagundes arriou uma mula para repassá-la, e sua mãe detestou
aquela atitude, querer repassar animal naquele dia, por ser sexta-feira santa.
O moço respondeu que não tinha a ver uma coisa com a outra, e não quis atender
ao pedido da mãe. Enquanto ele foi trocar de roupa, sua mãe soltou a mula e,
quando ele voltou, e viu que a mula estava solta, ficou muito nervoso, e disse pra própria mãe: “– Agora vou te
montar!”, e montou mesmo, na própria mãe, que o havia gerado e criado, até
àquele dia, com todo carinho. Não se sabe se a mãe rogou praga nele, só se sabe
que, daquela hora em diante, ele amuou em cima da cama e não levantou mais,
desaparecendo sem ninguém ver o seu fim.
Quando eu nasci, minha mãe
Antoninha já estava com trinta e dois anos, já tinha passado dezessete anos
depois desse acontecimento. Alguns anos depois, eu já contava vinte e oito
anos, eu e alguns companheiros músicos fomos tocar em uma festa em
Alto-Carangola. A festa terminou às dez horas da noite e nós resolvemos voltar
para casa. Até o momento que saímos da festa, dava pra passar naquele lugar, mas, à meia-noite, quando nos aproximamos
do lugar, quando já estávamos em frente da casa, um dos colegas gritou: “– É
aqui que o homem virou bicho!”, desabalamos numa correria e ninguém queria
ficar para trás.
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