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terça-feira, 13 de abril de 2010

1.2 – GUIMARÃES ROSA: A MANDINGA DO MANGOLÔ


1.2 – GUIMARÃES ROSA: A MANDINGA DO MANGOLÔ

NEUZA MACHADO



A narrativa "São Marcos" ressalta, além da descrição da natureza em seus aspectos míticos (matéria mítica), os cultos secretos oriundos dos escravos africanos e as antiquadas práticas de feitiçaria comuns no sertão. O narrador (citadino) reavalia a distância entre o pensamento do homem culto e o do homem inculto, descobrindo que os medos e superstições são inerentes a qualquer indivíduo, independentes de cor e casta. A mandinga do preto Mangolô é a via de acesso para que o branco letrado possa penetrar temporariamente (no ápice da narrativa) na caverna mágica da criação literária, local de iniciação, pois no Calango Frito, "até os meninos faziam feitiço” (“São Marcos”, Sagarana). Desta forma, apesar dos avisos de Sa Nhá Rita Preta, a cozinheira, o narrador engeriza o Mangolô, pois só por meio da provocação conseguirá romper os limites da realidade e alcançar as imagens intermediárias da gruta (característica de narrativa mítico-substancial), que o levarão ao labirinto, subterrâneo e criativo, de Grande Sertão: Veredas.

“As imagens da gruta pertencem à imaginação do repouso, enquanto as do labirinto pertencem à imaginação do movimento difícil, do movimento angustiante” (Bachelard).

O narrador de "São Marcos" retirou-se para o aconchego da gruta/sertão sob o comando das lembranças e, comodamente instalado nesse espaço, visita os pequenos detalhes que a compõem. Se no início sentiu medo, aos poucos acomodou-se à idéia de novamente conviver com uma realidade conhecida na infância, mas temporalmente perdida no passado e esquecida na maturidade. O retorno ficcional ao sertão, em seu aspecto diegético, é o retorno à gruta, ao útero, ao primitivo, qualquer que seja o termo que simbolize a recuperação de uma vivência primeira. Por isto, as imagens são naturais, verossímeis. O Artista reproduz aquilo que foi visto e sentido inúmeras vezes. Por isto, ele ainda não recria o Sertão, apenas aceita a perfeita criação da natureza. Engerizando o preto Mangolô, ele se obriga a penetrar no cerne da gruta/sertão, uma adesão que o faz sonhar interminavelmente, repousadamente, depois dos primeiros sintomas de medo, obrigatoriamente sintomas iniciais das futuras incursões em cavernas desconhecidas.

MACHADO, Neuza. Do Pensamento Contínuo à Transcendência Formal. Rio de Janeiro: NMachado / ISBN: 85-904306-1-8


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