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sexta-feira, 16 de julho de 2010

16.1 – SÉCULO XX: NARRATIVAS DE ACONTECIMENTO


16.1 – SÉCULO XX: NARRATIVAS DE ACONTECIMENTO

NEUZA MACHADO


Penso nas Narrativas de Acontecimento do Século XX como produtos do escritor reflexivo inserido, indelevelmente, em uma globalizada realidade caótica. Ou ainda: poderiam ser conceituadas (as narrativas do Século XX) como produtos do sonhador-escritor já prestes a recriar o estado de caos de seu repouso ativado, direcionando verticalmente o seu olhar de criador ímpar para esta realidade fragmentada (de cima para baixo, do cogito(3) para o cogito(1)), e, ao mesmo tempo, movimentando destramente a mão que escreve.

As horas de repouso fervilhante, aparentemente inativas, deveverão ser intuídas e posteriormente registradas, se o Artista assim o quiser. Falei páginas atrás dos tempos superpostos, inclusive destaquei os diversos aspectos do tempo — suas diferentes caracterizações —, ajustando-os à criação literária de Guimarães Rosa. Estudando as questões da duração, pela ótica de Bachelard, avaliei reflexivamente, por exemplo, as inquietações existenciais dos pensadores, inquietações vislumbradas a partir do tempo espiritual (cogito(4)) e profundamente dialetizadas na realidade vital. Inferi também que o pensamento transmutativo revela o espaço amorfo do espírito naquele simples momento esvaziado que liga uma questão a outra questão, um argumento a um outro argumento, uma reflexão a uma outra reflexão, e assim sucessivamente. Entende-se, por meio do raciocínio filosófico bachelardiano, que é o espaço sem limites do espírito que se capta no intervalo de duas ações dialéticas combinadas. Pensando estas questões, redescobre-se as palavras do próprio Guimarães Rosa ao crítico alemão Lorenz (cf. ENTREVISTA), quando se autodenominou um “escritor paradoxal”.

Guimarães Rosa, em suas narrativas finais, procurou ascender até ao plano espiritual e, com esta atitude, atingiu o espaço sensível de suas mais íntimas contradições, descobrindo por fim a sua condição de Ser falível ante a grandeza do Nada. Mesmo assim, predispôs-se a criar um mundo ficcional distante dos valores objetivos da vida. Sua inquietude existencial proporcionou-lhe o vislumbre desse espaço fora dos limites vitais e a criação de pequenas narrativas repletas de contribuições metafísicas.

Se o meu pensamento estiver em conformidade com Bachelard, na lição metafísica de Hegel, será possível perceber que Guimarães Rosa se deu o ser ao se recusar o ser na Literatura e, com isto, obteve a certeza de repouso íntimo restabelecido, já que sua alma o obrigou, na fase final, a recusar os valores objetivos, pelo menos em seus textos ficcionais. Detecto assim um Guimarães Rosa inquieto em sua fase final de criação literária. Por esta razão, observa-se um discurso de difícil compreensão nas narrativas de Primeiras Estórias, Estas Estórias, Tutaméia e, volto a reafirmar, em algumas narrativas de Ave, Palavra. Acentuo que não posso interagir reflexivamente com todas as narrativas de Ave, Palavra pelo mesmo prisma, já que a coletânea é um apanhado de textos sem datas, reunidos depois da morte do escritor.

O que se observa, então, nas citadas obras é o tempo espiritual enrodilhado nele mesmo, é a realidade espiritual do escritor se obrigando a ser visível ante o olhar profano de leitores pouco atentos às questões do espírito. O Artista Guimarães Rosa adquiriu a nítida consciência de suas inquietudes existenciais e espirituais e conseguiu sublimá-las, revelando-as, no espaço ainda aceitável das determinações sociais, sob o patrocínio da Arte.

MACHADO, Neuza. Do Pensamento Contínuo à Transcendência Formal. Rio de Janeiro: NMachado / ISBN: 85-904306-1-8

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