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sábado, 3 de julho de 2010

13.1 - O ELEMENTO AR: A UM PASSO DO INFINITO


13.1 - O ELEMENTO AR: A UM PASSO DO INFINITO

NEUZA MACHADO


“E as coisas vinham docemente de repente, seguindo harmonia prévia, benfazeja, em movimentos concordantes: as satisfações antes da consciência das necessidades. (...) Seu lugar era o da janelinha, para o móvel do mundo. Entregavam-lhe revistas, de folhear, quantas quisesse, até um mapa, nele mostravam os pontos em que ora e ora se estava, por cima de onde. O Menino deixava-as, fartamente, sobre os joelhos, e espiava: as nuvens de amontoada amabilidade, o azul de só ar, aquela claridade à larga, o chão plano em visão cartográfica, repartido de roças e campos, o verde que se ia a amarelos e vermelhos e a pardo e a verde; e, além, baixa, a montanha” (Guimarães Rosa. “As margens da alegria”, Primeiras Estórias).

O Menino de "As margens da alegria" espiava as nuvens graças ao devaneio ativo do Artista, graças a sua meditação filosófica, depois do repouso fervilhante; graças a sua "vontade de ver, superando a passividade da visão” (Bachelard). Segundo Bachelard, nesse estágio do pensamento, o sonhador é mestre e profeta do minuto, ou seja, apresenta o que se passa sob seus olhos.

As nuvens de amontoada amabilidade revelam seus pensamentos literários, esclarecem que, de ora em diante, o Artista do sertão passará a registrar criativamente seus instantes de pura intuição, seus instantes nas nuvens, sem compromisso com suas fases anteriores.

As imagens de nuvens pertencem aos sonhos infantis, e o Artista se apropria criativamente do devaneio simplificado, à moda infantil. E eis agora o Menino/Artista e sua vontade de ver, de espiar as "nuvens de amontoada amabilidade"; de "fugir para o espaço em branco" da pura intuição; de trasladar-se, literariamente, para "ao não-sabido, ao mais” (Op. cit.).

Em várias narrativas do corpus de Primeiras Estórias, o Artista ficcional abandona as antigas imagens do sertão, para revelar opacamente o mundo da transparência criativa (não confundir com transparência, enquanto reprodução da realidade), da vontade de lucidez, ou seja, procura revelar um mundo pouco observado pela massa não-pensante.

O céu azul de só ar e suas nuvens comandam a sua renovada lucidez, a sua vontade já livre das amarras conceituais. No céu azul e vazio, encontra o sonhador o esquema dos sentimentos azuis, da clareza intuitiva, da felicidade de ver claro em seus sentimentos, atos e pensamentos. O narciso aéreo mira-se no céu azul, imitando os sentimentos da criança, sob as ordens da perspectiva de intensidade substancial infinita, ligada aos devaneios dinâmicos do amanhecer, e, esses devaneios revelam os sonhos do menino sertanejo, aquele que posteriormente, já adulto, conheceu a Cidade.

MACHADO, Neuza. Do Pensamento Contínuo à Transcendência Formal. Rio de Janeiro: NMachado / ISBN: 85-904306-1-8

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