13.2 - O ELEMENTO AR: A UM PASSO DO INFINITO
NEUZA MACHADO
A narrativa “As margens da alegia” (e todas as narrativas seguintes de Guimarães Rosa) reflete o poder de transformação do criador-sonhador ficcional sertanejo. Seu sonho aéreo, em sua forma íntima e dinâmica, essencialmente vetorial, deforma as imagens exteriores da realidade telúrica, registrando o seu poder de colorir essa mesma realidade agora com cores imperecíveis. Assim, o chão, repartido de roças e campos, visto do alto, possui todas as cores fortes e permanentes; possui, portanto, o poder de se eternizar no âmbito da ficção. "As cores são ações da luz, ações e esforços. Como compreender essas cores sem participar de seu ato profundo?”, reavalia Bachelard esse questionamento de Schopenhauer. As cores desta fase denunciam que o Artista as visualiza sob a forma de luzes longínquas, acrisoladas em instantes que marcaram o seu passado, mas, também, propulsores de imagens absolutas.
“Com as nuvens a tarefa se torna a um tempo grandiosa e fácil. Nesse amontoado globuloso, tudo rola ao nosso gosto, montanhas deslizam, avalanches desmoronam e depois se acomodam, os monstros inflam e depois se devoram um ao outro, todo o universo se regula segundo a vontade e a imaginação do sonhador” (Bachelard).
O Artista do sertão, nesta fase, é um novo contador de estórias; não mais de estórias experientes, de coronéis, ou estórias-modelo, indutoras de atos heróicos, à moda antiga. Ele agora convida a observar seus esforços de racionalização da essência do não-dito (que plana no cogito(4)); convida a observar sua vontade de deformar (sic) seus fundamentais sonhos antigos.
Nesta narrativa, a primeira de uma série de outras narrativas semelhantes, quem se instala à janelinha do avião, para o móvel do mundo é o Criador ficcional, solidamente instalado no plano do cogito(3) e bem próximo do plano da espiritualidade. É ele quem observa as nuvens, o azul de só ar, os pontos em que ora e ora se estava, a claridade à larga, o chão plano em visão cartográfica, repartido de roças e campos. Em verdade, os movimentos do olhar do Menino-personagem seguem o dinamismo aéreo, íntimo e criador, das emoções mais sinceras do próprio Artista. Sua vontade e imaginação regulam esse novo universo, regulam essa nova e original forma de apreensão literária.
MACHADO, Neuza. Do Pensamento Contínuo à Transcendência Formal. Rio de Janeiro: NMachado / ISBN: 85-904306-1-8
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