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quarta-feira, 26 de maio de 2010

7.5 - UMA PERSPECTIVA MARAVILHADA


7.5 - UMA PERSPECTIVA MARAVILHADA

NEUZA MACHADO


Dialetizando o sertão mineiro e revolvendo a terra mítica — Deus e diabo, masculino e feminino, bem e mal, juventude e velhice... —, o Artista-Ficcionista se extasia com as descobertas de seu personagem, extasia-se também com o repensar de velhas ideologias sertanejas. O amor, em Grande Sertão: Veredas, é maior, é selvagem e triste, porque Diadorim representa o seu anterior modo de se estar no mundo, um já distante formalizado viver eternamente relembrado e amado, morto em seu jazigo do passado, mas vivo nas recordações do amante; por exigências históricas, um amor não vivenciado.

Agora, já é possível compreender a ambiguidade de tal relacionamento: Diadorim é um jagunço, corajoso, imbatível, é Homem; o sertão é másculo. O personagem-narrador não aceita amar a um seu igual. No entanto, o Artista ama o sertão da infância, e o sertão da infância é por força ambíguo, é feminino e masculino, é aconchegante e terno, mas é também violento e guerreiro. E eis aqui a dialética do masculino/feminino: o sertão é Diadorim e Diadorim é o sertão. Sertão criado sob a égide do mito e do místico. Os anjos não têm sexo definido; as duas essências existem e se transmutam.

O Artista conhece os meandros de seu próprio sonho, as veredas do plano mágico e as exigências do mundo moderno. Ele pode amar o sertão; seu personagem Riobaldo Tatarana (seu alter ego) pode amar o guerreiro Diadorim?

O personagem sertanejo (másculo) não pode amar Diadorim, companheiro de lutas épicas, porque a sociedade moderna impõe preceitos de vida. A dialética masculino/feminino se faz presente, ao longo da narrativa, para salvar esse amor, concebido além dos limites da realidade ordinária: o lado feminino do sertão aparece em sua grandeza mítica, transformando o macho em fêmea; transformando Reinaldo/Diadorim em Maria Deodorina da Fé Bettancourt Marins, "— que nasceu para o dever de guerrear e nunca ter medo, e mais para muito amar, sem gozo de amor...” (Grande Sertão: Veredas).

O Artista se contagia com a sua descoberta: seu amor pelo sertão é uma palpitação a dois nas trevas, nas trevas do pensamento mítico e criador. O seu íntimo sertão é masculino e forte, e feminino e frágil, assim como Diadorim e Maria Deodorina, duas pessoas distintas numa só encarnação; a terceira pessoa (essência divina) é o Sertão. O Artista aprofunda-se neste ato de remexer a poeira da terra e penetrá-la, porque cada vez mais busca o seu passado sertanejo: mundo mítico, estranho, verde e andrógino; mundo de Riobaldo Tatarana e Diadorim, o jagunço de olhos verdes (o verde do sertão), estranhos e silenciosos (sertão estranho e silencioso), Diadorim, a dos silêncios.

“Que vontade era de pôr meus dedos, de leve, o leve, nos meigos olhos dele, ocultando, para não ter de tolerar de ver assim o chamado, até que ponto esses olhos, sempre havendo, aquela beleza verde, me adoecido, tão impossível” (Grande Sertão: Veredas).

Eis o chamado do sertão. Não é muito difícil, agora, compreender os estranhamentos de Diadorim, o jagunço de olhos verdes, diferentes e silenciosos. Aquela beleza verde. Para o sertanejo do passado é impossível possuir novamente o sertão, apesar do chamado que vem de distâncias temporais. Para o adulto citadino, nascido nas Gerais, o sertão da infância encontra-se distante no tempo, suspenso no plano vertical infinito, porque houve um momento de rejeição no passado; no momento, restam apenas as lembranças e recordações.

MACHADO, Neuza. Do Pensamento Contínuo à Transcendência Formal. Rio de Janeiro: NMachado / ISBN: 85-904306-1-8

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