Em A Hora e Vez de Augusto Matraga, o ficcionista sertanejo Guimarães Rosa ao invés de sonhar o sertão da infância sintagmaticamente, devaneou diante das recordações das chamas, que o ensinaram a expandir o seu imaginário-em-aberto. Ao invés de reproduzir o sertão, as experiências comunitárias do sertão, interiorizou-se, para, conscientemente, recuperar sagradas recordações.
“O fogo sugere o desejo de mudança, de forçar o correr do tempo, de chegar imediatamente ao termo da vida, à outra vida” (Bachelard).
O cristianismo fez do fogo o seu símbolo de punição e redenção. Como elemento de punição, acompanha a trajetória de vida do personagem até o momento de sua queda. As candeias iluminam o cenário mítico do início; pelo do fogo, Nhô Augusto foi punido; na hora do sofrimento e prenúncio de morte, a preta coloca um coto de vela benta em suas mãos; durante seu restabelecimento, acende a candeia em honra de Nossa Senhora do Rosário como forma de agradecimento.
O fogo sugere o desejo de mudança do Artista: a derrota de Nhô Augusto, a partir da queimadura com ferro-em-brasa, simboliza o desaparecimento do poderio dos coronéis sertanejos; as etapas de vida do personagem representam as transformações do sertão, as transformações do Artista, do Narrador e do Narrado, o abandono das planas e exteriores grandezas míticas. Nhô Augusto representará sempre, no universo literário de Guimarães Rosa, o desejo humano de elevação espiritual. A frase que estrutura o fio narrativo das sequências posteriores (Vou para o Céu nem que seja a porrete) reafirma a sugestão do fogo de mudar, de forçar o correr do tempo em direção à eternidade. Por estas razões, o devaneio do Artista, diante das recordações do fogo da infância, é realmente dramático no final. Sob o predomínio do fogo, ele amplificou, como ensina Bachelard, o destino de seu personagem, salvando-o de ser uma cópia dos coroneizinhos do sertão mineiro; forçou-o a chegar ao termo da vida (desaparecimento dos coronéis sertanejos), mas permitiu-lhe uma morte gloriosa, semelhante e ao mesmo tempo diferente das narrativas de Personagem, modelo da estética romântica do século XIX.
Amplificando o destino de Nhô Augusto, ligou o pequeno sertão geográfico ao grande Sertão roseano de caráter universal. A lamparina de azeite da preta salvadora alcançou os espaços do Mundo. A destruição do personagem experiente (sua morte) renovou o universo narrativo.
Depois da concentração diante da chama, surge Grande Sertão: Veredas, submetido à perspectiva maravilhada, mas ainda dialética, de um olhar que vê com maior nitidez, pois se encontra iluminado pelo fogo das recordações da infância.
MACHADO, Neuza. Do Pensamento Contínuo à Transcendência Formal. Rio de Janeiro: NMachado / ISBN: 85-904306-1-8
“O fogo sugere o desejo de mudança, de forçar o correr do tempo, de chegar imediatamente ao termo da vida, à outra vida” (Bachelard).
O cristianismo fez do fogo o seu símbolo de punição e redenção. Como elemento de punição, acompanha a trajetória de vida do personagem até o momento de sua queda. As candeias iluminam o cenário mítico do início; pelo do fogo, Nhô Augusto foi punido; na hora do sofrimento e prenúncio de morte, a preta coloca um coto de vela benta em suas mãos; durante seu restabelecimento, acende a candeia em honra de Nossa Senhora do Rosário como forma de agradecimento.
O fogo sugere o desejo de mudança do Artista: a derrota de Nhô Augusto, a partir da queimadura com ferro-em-brasa, simboliza o desaparecimento do poderio dos coronéis sertanejos; as etapas de vida do personagem representam as transformações do sertão, as transformações do Artista, do Narrador e do Narrado, o abandono das planas e exteriores grandezas míticas. Nhô Augusto representará sempre, no universo literário de Guimarães Rosa, o desejo humano de elevação espiritual. A frase que estrutura o fio narrativo das sequências posteriores (Vou para o Céu nem que seja a porrete) reafirma a sugestão do fogo de mudar, de forçar o correr do tempo em direção à eternidade. Por estas razões, o devaneio do Artista, diante das recordações do fogo da infância, é realmente dramático no final. Sob o predomínio do fogo, ele amplificou, como ensina Bachelard, o destino de seu personagem, salvando-o de ser uma cópia dos coroneizinhos do sertão mineiro; forçou-o a chegar ao termo da vida (desaparecimento dos coronéis sertanejos), mas permitiu-lhe uma morte gloriosa, semelhante e ao mesmo tempo diferente das narrativas de Personagem, modelo da estética romântica do século XIX.
Amplificando o destino de Nhô Augusto, ligou o pequeno sertão geográfico ao grande Sertão roseano de caráter universal. A lamparina de azeite da preta salvadora alcançou os espaços do Mundo. A destruição do personagem experiente (sua morte) renovou o universo narrativo.
Depois da concentração diante da chama, surge Grande Sertão: Veredas, submetido à perspectiva maravilhada, mas ainda dialética, de um olhar que vê com maior nitidez, pois se encontra iluminado pelo fogo das recordações da infância.
MACHADO, Neuza. Do Pensamento Contínuo à Transcendência Formal. Rio de Janeiro: NMachado / ISBN: 85-904306-1-8
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