5.2 - GUIMARÃES ROSA: DEPOIS DA AGITAÇÃO SURGE O CONFLITO
NEUZA MACHADO
Em Grande Sertão: Veredas, o narrador será o personagem central, porque apenas um narrador sertanejo que seja alter ego de um escritor-ficcionista do século XX (ou um Artista já preparado para abandonar as exigências estéticas dos modelos ficcionais experientes relacionados ao todo da Era Moderna) poderá fragmentar-se e se reordenar continuamente, captando as oscilações mentais de quem o intuiu.
“Ai, arre, mas: que esta minha boca não tem ordem nenhuma. Estou contando fora, coisas divagadas.(...) Mas, conforme eu vinha: (...) Bom, ia falando: questão, isso que me sovaca... Ah, formei aquela pergunta para compadre meu Quelemém.
Como vou achar ordem para dizer ao senhor a continuação do martírio, em desde que as barras quebraram no seguinte, na brumalva daquele falecido amanhecer (...) Do sol e tudo, o senhor pode completar, imaginado.
Mas, para que contar ao senhor, no tinte, o mais que se mereceu? Basta o vulto ligeiro de tudo.
Sei que estou contando errado, pelos altos.
Eu estou contando assim, porque é o meu jeito de contar. Guerras e batalhas? Isso é como jogo de baralho, verte, reverte. (...) O que vale, são outras coisas. (...) Contar seguido, alinhavado, só mesmo sendo as coisas de rasa importância” (Grande Sertão: Veredas).
A agitação instaurada em A Hora e Vez de Augusto Matraga se multiplica em Grande Sertão: Veredas. A intimidade do Artista está dinamizada, e esta dinamização se estende ao narrador do século XX (narrador de um momento caótico, em termos mundiais). No agora sertão roseano, tudo é movimento: as lutas, os amores, Deus, o diabo — o diabo na rua, no meio do redemunho.
"Não há, na literatura, um único caos imóvel. Quando muito se encontra, como em Huysmans, um caos imobilizado, um caos petrificado" (Gaston Bachelard).
O sertão roseano procura a ordenação e a pureza dos antigos núcleos, mas o narrador é moderno, e há de refletir forçosamente sua condição de personagem problemático e desestruturado socialmente. O mundo da ficção revela a matéria mítica que o compõe; o discurso revela a face desordenada do Artista moderno. "A agitação é multiplicidade” (Bachelard), a agitação discursiva de Riobaldo também, pois, para ele, contar seguido, alinhavado, só mesmo as coisas de rasa importância.
Em A Hora e Vez de Augusto Matraga, o sertão ainda é minúsculo, assim como a movimentação do povo; e, mesmo, a própria movimentação de Nhô Augusto, buscando sua hora e vez, é a agitação do espaço que ainda não alcançou suficiente largueza. O povo encachaçado de fim de festa (agitado) só vai ser infinitamente valorizado em Grande Sertão: Veredas, quando a movimentação sem sentido (agitação sem sentido) tornar-se uma imagem de atividade constante. Este sertão especial se dilata em quinhentas e sessenta e três páginas, porque os jagunços que o compõem são ágeis e beligerantes, e o revigorado narrador está vivenciando a sua descoberta da dimensão maravilhosa (cogito dois), dimensão do pensamento dialético (argumentador), realçada filosoficamente por Gaston Bachelard.
MACHADO, Neuza. Do Pensamento Contínuo à Transcendência Formal. Rio de Janeiro: NMachado / ISBN: 85-904306-1-8
NEUZA MACHADO
Em Grande Sertão: Veredas, o narrador será o personagem central, porque apenas um narrador sertanejo que seja alter ego de um escritor-ficcionista do século XX (ou um Artista já preparado para abandonar as exigências estéticas dos modelos ficcionais experientes relacionados ao todo da Era Moderna) poderá fragmentar-se e se reordenar continuamente, captando as oscilações mentais de quem o intuiu.
“Ai, arre, mas: que esta minha boca não tem ordem nenhuma. Estou contando fora, coisas divagadas.(...) Mas, conforme eu vinha: (...) Bom, ia falando: questão, isso que me sovaca... Ah, formei aquela pergunta para compadre meu Quelemém.
Como vou achar ordem para dizer ao senhor a continuação do martírio, em desde que as barras quebraram no seguinte, na brumalva daquele falecido amanhecer (...) Do sol e tudo, o senhor pode completar, imaginado.
Mas, para que contar ao senhor, no tinte, o mais que se mereceu? Basta o vulto ligeiro de tudo.
Sei que estou contando errado, pelos altos.
Eu estou contando assim, porque é o meu jeito de contar. Guerras e batalhas? Isso é como jogo de baralho, verte, reverte. (...) O que vale, são outras coisas. (...) Contar seguido, alinhavado, só mesmo sendo as coisas de rasa importância” (Grande Sertão: Veredas).
A agitação instaurada em A Hora e Vez de Augusto Matraga se multiplica em Grande Sertão: Veredas. A intimidade do Artista está dinamizada, e esta dinamização se estende ao narrador do século XX (narrador de um momento caótico, em termos mundiais). No agora sertão roseano, tudo é movimento: as lutas, os amores, Deus, o diabo — o diabo na rua, no meio do redemunho.
"Não há, na literatura, um único caos imóvel. Quando muito se encontra, como em Huysmans, um caos imobilizado, um caos petrificado" (Gaston Bachelard).
O sertão roseano procura a ordenação e a pureza dos antigos núcleos, mas o narrador é moderno, e há de refletir forçosamente sua condição de personagem problemático e desestruturado socialmente. O mundo da ficção revela a matéria mítica que o compõe; o discurso revela a face desordenada do Artista moderno. "A agitação é multiplicidade” (Bachelard), a agitação discursiva de Riobaldo também, pois, para ele, contar seguido, alinhavado, só mesmo as coisas de rasa importância.
Em A Hora e Vez de Augusto Matraga, o sertão ainda é minúsculo, assim como a movimentação do povo; e, mesmo, a própria movimentação de Nhô Augusto, buscando sua hora e vez, é a agitação do espaço que ainda não alcançou suficiente largueza. O povo encachaçado de fim de festa (agitado) só vai ser infinitamente valorizado em Grande Sertão: Veredas, quando a movimentação sem sentido (agitação sem sentido) tornar-se uma imagem de atividade constante. Este sertão especial se dilata em quinhentas e sessenta e três páginas, porque os jagunços que o compõem são ágeis e beligerantes, e o revigorado narrador está vivenciando a sua descoberta da dimensão maravilhosa (cogito dois), dimensão do pensamento dialético (argumentador), realçada filosoficamente por Gaston Bachelard.
MACHADO, Neuza. Do Pensamento Contínuo à Transcendência Formal. Rio de Janeiro: NMachado / ISBN: 85-904306-1-8
Nenhum comentário:
Postar um comentário