7.3 - UMA PERSPECTIVA MARAVILHADA
NEUZA MACHADO
Graças a fase embrionária, ou de transição, ou dialética (A Hora e Vez de Augusto Matraga), o escritor se predispõe a criar a sua obra maior: Grande Sertão: Veredas, obra de ficção, repleta de matéria mítica, e muitas vezes classificada erradamente como narrativa épica.
Caminhando com Nhô Augusto pelos caminhos do sertão, em A Hora e Vez de Augusto, espiando o buraco de tatu, escavado no barranco, ele, muito além do narrador, alcançou a possibilidade de remexer a fundo os segredos de sua matéria de análise, graças ao poder da imaginação dilatada.
Depois, não parou mais de sonhar, e, em Grande Sertão: Veredas, páginas e páginas vieram à tona (perspectiva maravilhada), registrando e recriando a grandeza de um mundo até então obscuro e fechado, modelado inicialmente pela técnica da oralidade. Remexendo a poeira desse mundo de formas vagas, intuiu o momento da criação e o abandono da repetição; percebeu que essas formas vagas necessitavam ser significadas.
A criação literária de Grande Sertão: Veredas é o momento do embasamento de suas novas perspectivas ficcionais. Nesta fase, Artista e narrador se unem intimamente, formando o aspecto singular do personagem. Por intermédio desta união, busca a profundidade do interior do sertão, remexe a superfície da terra, retira a ganga do geodo, e esculpe, com esta nova matéria, as várias figuras e formas, que compõem o espaço místico/mítico de suas lembranças, espaço saído dos impulsos estéticos dos sonhos ficcionais mais ousados.
“Lugar sertão se divulga: é onde os pastos carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze léguas, sem topar com casa de morador; e onde criminoso vive seu cristo-jesus, arredado do arrocho de autoridade. (...) Esses gerais são sem tamanho” (Grande Sertão: Veredas)
Eis o momento de penetração na crosta de terra do sertão. Submetido à perspectiva maravilhada, o Artista, remexe a poeira da terra, ultrapassa a crosta e retira do fundo os segredos abrigados sob toneladas de pó.
Os gerais são sem tamanho, e, agora, também, são sem tamanho os sonhos sertanejos do Criador brasileiro. O rio Urucuia passa a adquirir dimensões especiais, e seus reflexos proporcionam imagens grandiosas. A matéria água aqui recebe a gota de tinta, permitindo-lhe uma penetração maior em seus domínios. As paisagens diversas do sertão reproduzem dantescamente uma realidade várias vezes relembrada nos momentos de solidão.
Observadas deste prisma, em Grande Sertão: Veredas convivem as duas perspectivas bachelardianas, aqui retomadas como bases teóricas: a dialética (iniciada com A Hora e Vez de Augusto Matraga) e a maravilhada.
O personagem-narrador Riobaldo, sujeitando-se à vontade da imaginação minuciosa do Artista (perspectiva dialética), insinua-se em toda parte, alcança todos os espaços, conhece todas as veredas do sertão; enrola-se em suas divagações, suspira pensativamente seu passado.
Travestido de Riobaldo, o Artista visita sua infância inesquecível, ancorada no plano das probabilidades infinitas; transita nos recantos desse espaço, ressuscita os jagunços, que povoaram seus sonhos infantis, seus medos e superstições. Valendo-se dessa visita, protege-se das angústias do mundo moderno, realidade palpável e angustiante, repleta de seres ansiosos e doentes.
MACHADO, Neuza. Do Pensamento Contínuo à Transcendência Formal. Rio de Janeiro: NMachado / ISBN: 85-904306-1-8
Caminhando com Nhô Augusto pelos caminhos do sertão, em A Hora e Vez de Augusto, espiando o buraco de tatu, escavado no barranco, ele, muito além do narrador, alcançou a possibilidade de remexer a fundo os segredos de sua matéria de análise, graças ao poder da imaginação dilatada.
Depois, não parou mais de sonhar, e, em Grande Sertão: Veredas, páginas e páginas vieram à tona (perspectiva maravilhada), registrando e recriando a grandeza de um mundo até então obscuro e fechado, modelado inicialmente pela técnica da oralidade. Remexendo a poeira desse mundo de formas vagas, intuiu o momento da criação e o abandono da repetição; percebeu que essas formas vagas necessitavam ser significadas.
A criação literária de Grande Sertão: Veredas é o momento do embasamento de suas novas perspectivas ficcionais. Nesta fase, Artista e narrador se unem intimamente, formando o aspecto singular do personagem. Por intermédio desta união, busca a profundidade do interior do sertão, remexe a superfície da terra, retira a ganga do geodo, e esculpe, com esta nova matéria, as várias figuras e formas, que compõem o espaço místico/mítico de suas lembranças, espaço saído dos impulsos estéticos dos sonhos ficcionais mais ousados.
“Lugar sertão se divulga: é onde os pastos carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze léguas, sem topar com casa de morador; e onde criminoso vive seu cristo-jesus, arredado do arrocho de autoridade. (...) Esses gerais são sem tamanho” (Grande Sertão: Veredas)
Eis o momento de penetração na crosta de terra do sertão. Submetido à perspectiva maravilhada, o Artista, remexe a poeira da terra, ultrapassa a crosta e retira do fundo os segredos abrigados sob toneladas de pó.
Os gerais são sem tamanho, e, agora, também, são sem tamanho os sonhos sertanejos do Criador brasileiro. O rio Urucuia passa a adquirir dimensões especiais, e seus reflexos proporcionam imagens grandiosas. A matéria água aqui recebe a gota de tinta, permitindo-lhe uma penetração maior em seus domínios. As paisagens diversas do sertão reproduzem dantescamente uma realidade várias vezes relembrada nos momentos de solidão.
Observadas deste prisma, em Grande Sertão: Veredas convivem as duas perspectivas bachelardianas, aqui retomadas como bases teóricas: a dialética (iniciada com A Hora e Vez de Augusto Matraga) e a maravilhada.
O personagem-narrador Riobaldo, sujeitando-se à vontade da imaginação minuciosa do Artista (perspectiva dialética), insinua-se em toda parte, alcança todos os espaços, conhece todas as veredas do sertão; enrola-se em suas divagações, suspira pensativamente seu passado.
Travestido de Riobaldo, o Artista visita sua infância inesquecível, ancorada no plano das probabilidades infinitas; transita nos recantos desse espaço, ressuscita os jagunços, que povoaram seus sonhos infantis, seus medos e superstições. Valendo-se dessa visita, protege-se das angústias do mundo moderno, realidade palpável e angustiante, repleta de seres ansiosos e doentes.
MACHADO, Neuza. Do Pensamento Contínuo à Transcendência Formal. Rio de Janeiro: NMachado / ISBN: 85-904306-1-8
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