SERTÃO ROSEANO: A PUREZA DAS ANTIGAS COMUNIDADES
NEUZA MACHADO
Os valores do sertão estão enraizados no inconsciente do Artista Ficcional Guimarães Rosa e são evocados por intermédio do devaneio e dos estranhamentos do discurso do narrador, não por meio da descrição minuciosa. O Sertão roseano reflete a pureza das antigas comunidades e é mais verdadeiro do que o verdadeiro Sertão das Gerais. É verdadeiro, porque está preso às recordações. Não há como descrever esse Sertão de acordo com as regras tradicionais da narrativa, e o recurso é se valer de uma descrição que se submeta às variações mentais de quem
narra, à mistura de estilos, à interrogação da própria realidade do texto. Graças ao devaneio poético, há os estranhamentos lingüísticos, o insólito irrompendo do texto.
"E Nhô Augusto pegou a cantar a cantiga, muito velha, do capiau exilado: "Eu quero ver a moreninha tabaroa, arregaçada, enchendo o pote na lagoa..." Cantou, longo tempo. Até que todas as asas saíssem do céu" (Guimarães Rosa)
Asas conotando pássaros. Asas impondo ao leitor a visualização da grandiosidade do espetáculo do bando de maitacas, maracanãs, tuins e outros diversos pássaros voando em direção ao sul, em períodos cíclicos.
Outro estranhamento: depois que os pássaros passam, Nhô Augusto raciocina: Não passam mais... Ô papagaiada vagabunda! Já devem estar longe daqui... Logo a seguir, observa-se a perplexidade do próprio narrador, induzido evidentemente pelo Artista: Longe, onde?, se não há distâncias no mundo ficcional.
Longe, onde? O Sertão não se encontra imobilizado no passado, como algo que já sofreu um processo de transformação e ficou para trás. O Sertão é um lugar em permanente movimentação no íntimo do narrador, porque está vivo. Os pássaros passam em bandos, agitados, barulhentos, presentes, habitantes de uma região insólita, onde o tempo não estacionou, mas também não se delimita em passado, presente e futuro. Não são as experiências do homem que contam nesta evocação, são as experiências da infância (Sertão: casa da infância); são as recordações da infância que mantêm vivo esse espaço de sonhos, onde o tempo permaneceu intocável nos subterrâneos de uma memória privilegiada. Não é o passado como uma soma de acontecimentos diversos, repositório de atitudes éticas e de normas de vida para os pósteros. É o passado comunitário, resgatado como antítese de um presente que se movimenta rapidamente em direção à futura desintegração do mundo moderno.
Quero ir namorar com as pequenas,
com as morenas do Norte de Minas...
"E Nhô Augusto pegou a cantar a cantiga, muito velha, do capiau exilado: "Eu quero ver a moreninha tabaroa, arregaçada, enchendo o pote na lagoa..." Cantou, longo tempo. Até que todas as asas saíssem do céu" (Guimarães Rosa)
Asas conotando pássaros. Asas impondo ao leitor a visualização da grandiosidade do espetáculo do bando de maitacas, maracanãs, tuins e outros diversos pássaros voando em direção ao sul, em períodos cíclicos.
Outro estranhamento: depois que os pássaros passam, Nhô Augusto raciocina: Não passam mais... Ô papagaiada vagabunda! Já devem estar longe daqui... Logo a seguir, observa-se a perplexidade do próprio narrador, induzido evidentemente pelo Artista: Longe, onde?, se não há distâncias no mundo ficcional.
Longe, onde? O Sertão não se encontra imobilizado no passado, como algo que já sofreu um processo de transformação e ficou para trás. O Sertão é um lugar em permanente movimentação no íntimo do narrador, porque está vivo. Os pássaros passam em bandos, agitados, barulhentos, presentes, habitantes de uma região insólita, onde o tempo não estacionou, mas também não se delimita em passado, presente e futuro. Não são as experiências do homem que contam nesta evocação, são as experiências da infância (Sertão: casa da infância); são as recordações da infância que mantêm vivo esse espaço de sonhos, onde o tempo permaneceu intocável nos subterrâneos de uma memória privilegiada. Não é o passado como uma soma de acontecimentos diversos, repositório de atitudes éticas e de normas de vida para os pósteros. É o passado comunitário, resgatado como antítese de um presente que se movimenta rapidamente em direção à futura desintegração do mundo moderno.
Quero ir namorar com as pequenas,
com as morenas do Norte de Minas...
Mas, ali mesmo, no sertão do Norte, Nhô Augusto estava. Longe, onde, então?
Longe, onde? Não há uma ordem pré-estabelecida, não há tempo e espaço detectáveis. A linguagem roseana transgride o curso e equilíbrio da realidade padronizada, obrigando o leitor a aceitar valores temporais embaraçados, superposições espaciais; artifícios imagísticos só percebidos sob a égide de uma leitura direcionada e especulativa. Espaço e tempo diferentes, elementos anticonvencionais de uma estrutura sem medidas, os quais não possuem vínculos com o relógio do tempo vital. Assim, o narrador se surpreende com suas próprias confusões temporais e espaciais. Seu personagem se encontra no Sertão do Norte e, graças à cantiga muito velha do capiau exilado, deseja ir para o Norte, para namorar as morenas do Norte de Minas.
"Pois não aconteceu que, um belo dia, eu simplesmente decidi me tornar escritor. Não veio por si mesmo; cresceu em mim o sentimento, a necessidade de escrever e, tempos depois, convenci-me de que era possuidor de uma receita para fazer verdadeira poesia". (Guimarães Rosa)
Os pássaros voando; os espaços superpostos; o aqui e o acolá do Norte de Minas; a sobrevivência de instantâneos mágicos da infância; a sustentação do devaneio, evocações; o olhar poderoso do Artista de transição para a pós-modernidade (técnica do olhar), expressando uma visão diferenciada do sertão; uma linguagem estranha, propiciando uma ininterrupção temporal e espacial, insolitamente decalcada nos subterrâneos das recordações.
Longe, onde? Não há uma ordem pré-estabelecida, não há tempo e espaço detectáveis. A linguagem roseana transgride o curso e equilíbrio da realidade padronizada, obrigando o leitor a aceitar valores temporais embaraçados, superposições espaciais; artifícios imagísticos só percebidos sob a égide de uma leitura direcionada e especulativa. Espaço e tempo diferentes, elementos anticonvencionais de uma estrutura sem medidas, os quais não possuem vínculos com o relógio do tempo vital. Assim, o narrador se surpreende com suas próprias confusões temporais e espaciais. Seu personagem se encontra no Sertão do Norte e, graças à cantiga muito velha do capiau exilado, deseja ir para o Norte, para namorar as morenas do Norte de Minas.
"Pois não aconteceu que, um belo dia, eu simplesmente decidi me tornar escritor. Não veio por si mesmo; cresceu em mim o sentimento, a necessidade de escrever e, tempos depois, convenci-me de que era possuidor de uma receita para fazer verdadeira poesia". (Guimarães Rosa)
Os pássaros voando; os espaços superpostos; o aqui e o acolá do Norte de Minas; a sobrevivência de instantâneos mágicos da infância; a sustentação do devaneio, evocações; o olhar poderoso do Artista de transição para a pós-modernidade (técnica do olhar), expressando uma visão diferenciada do sertão; uma linguagem estranha, propiciando uma ininterrupção temporal e espacial, insolitamente decalcada nos subterrâneos das recordações.
MACHADO, Neuza. Do Pensamento Contínuo à Transcendência Formal. Rio de Janeiro: NMachado / ISBN: 85-904306-1-8
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