BACHELARD: PASSAGEM DOS COGITOS - 2
NEUZA MACHADO
O que seria então esta filosofia do repouso? Como compreendê-la sem macular o sentido correto que o filósofo quis transmitir?
Buscando nas idéias de Bachelard o apoio necessário para elucidar a questão do tempo nas narrativas roseanas, desde Sagarana à última fase, constato as dificuldades do percurso. Por intermédio da ótica bachelardiana, investi-me em uma dimensão suprafísica, insolitíssima, procurando uma brecha que pudesse provar-me a possibilidade de esvaziamento do tempo pleno, histórico, linear, vivido em excesso, em benefício de um tempo descontínuo, fervilhante de lacunas, ao longo da obra roseana. Bachelard impôs-me tal incursão (caminhada tensa em um plano de pensamentos transmutativos), já que o meu intuito era verdadeiramente entender suas cogitações filosóficas. Comecei a pensar nesse repouso, num primeiro momento, como algo que indicasse fixidez, imobilidade, ausência de movimento, impulsionada pelo próprio Bachelard, que o apresenta como esvaziamento do tempo, como algo suspenso entre o antes e o depois.
Em uma segunda análise, a idéia de fixidez não era de todo incorreta, mas não se ajustava ao conceito tradicional que se faz do verbo repousar, que denota descanso total. O esvaziamento da duração, ou seja, o repouso, como o quer Bachelard, seria assim uma imobilidade, mas uma imobilidade fervilhante; não ofereceria descanso, ao contrário, ofereceria momentos de tensão interna, repletos de pensamentos questionadores. Assim, os momentos suspensos entre o antes e o depois estariam fora do tempo vital e dentro do tempo do pensamento. O repouso, visto por este ângulo, não seria o ato de descansar (adormecer a mente); seria, isto sim, a imobilidade que antecede a futura ação do pensamento.
MACHADO, Neuza. Do Pensamento Contínuo à Transcendência Formal. Rio de Janeiro: NMachado / ISBN: 85-904306-1-8
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