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sábado, 13 de março de 2010

GUIMARÃES ROSA: RESGATANDO LEMBRANÇAS - 3


GUIMARÃES ROSA: RESGATANDO LEMBRANÇAS - 3

NEUZA MACHADO



É preciso salientar, desde já, que o Artista passou posteriormente por diversas etapas de vida e de ficção. Houve um momento em que as forças imaginantes que dão vida à causa formal já não lhe bastavam, e ele sentiu o impulso da mão, modelando as imagens surgidas diretamente da matéria. Referindo-se a estas imagens da matéria e ao impulso da mão de quem as intui, num dado momento, Bachelard informa: "Uma alegria dinâmica as maneja, as modela, as torna mais leves” (Bachelard). Penso neste momento dinamizado como o momento da interiorização que propiciará a autêntica criação literária. Ainda, essas imagens da matéria são sonhadas substancialmente, intimamente, ou seja, não são aparentes, possuindo fundo e conteúdo. Já que são sonhadas substancialmente, conseguem afastar as "formas perecíveis, as vãs imagens, o devir das superfícies” (Bachelard), tornando-se verdadeiras e permanentes.

"Sem dúvida, há obras em que as duas formas imaginantes atuam juntas. É mesmo impossível separá-las completamente. O devaneio mais móvel, mais metamorfoseante, mais totalmente entregue às formas, guarda ainda assim um lastro, uma densidade, uma lentidão, uma germinação. Em compensação, toda obra poética que mergulha muito profundamente no germe do ser para encontrar a sólida constância e a bela monotonia da matéria, toda obra poética que adquire suas forças na ação vigilante de uma causa substancial deve, mesmo assim, florescer, adornar-se. Deve acolher, para a primeira sedução do leitor “as exuberâncias da beleza formal” (Bachelard).

A imaginação formal pertence ao discurso formal (aqui, seguindo uma outra nomenclatura oriunda do discurso técnico), mas Bachelard pretende falar da forma, enquanto algo ligado ao mundo dos fenômenos vitais, sejam eles científicos ou literários. É preciso salientar que a literatura também pode ser classificada como pertencente ao mundo dos fenômenos, pois assim como a possibilidade de cura de qualquer doença, por exemplo, está latente na natureza, a espera de um cientista que lhe dê forma e em um tratado sobre o assunto, assim a Literatura-Arte (poesia ou prosa) se encontra a espera de quem lhe dê forma também.

Penso, apoiada exclusivamente na Ciência da Literatura, que o que Bachelard denomina de imaginação formal (o que poderia ser chamado de texto sintagmático), na literatura não necessita da imaginação material; mas a imaginação material (o que se classifica como texto paradigmático) não se realiza sem a colaboração da imaginação formal. A imaginação formal se apóia em um discurso superficial e sedutor e, por isto mesmo, indispensável, mesmo na literatura paradigmática (literatura-arte), para a sedução do leitor.

Sem dúvida, nas fases seguintes da recriação do sertão, Guimarães Rosa deixou que as duas forças atuassem conjuntamente, mas houve um aprimoramento privilegiando a imaginação material, a partir de A Hora e Vez de Augusto Matraga. Este aprimoramento desenvolveu-se submetido à imaginação material dinâmica ou imaginação criadora, valorizando mais os aspectos do sertão ligados a uma atividade material infinita, portanto uma imaginação saída dos devaneios infinitos, possuindo uma riqueza inesgotável.

A primeira fase (as narrativas de Sagarana) foi o momento dos sonhos móveis e metamorfoseantes, submetidos à imaginação formal, enquanto fenômeno ou descoberta do sertão do passado, mas já se observa na narrativa "São Marcos" um princípio de densidade, de germinação, características da imaginação material. A Hora e Vez de Augusto Matraga, última narrativa do corpus de Sagarana, é o ponto alto desse princípio de dinamismo, é o embrião de Grande Sertão: Veredas e das narrativas seguintes. A Hora e Vez de Augusto Matraga sinaliza o momento de transição, em que se observa com nitidez a passagem do discurso memorialista, experiente (discurso ligado à imaginação formal) ao discurso moderno, fenômeno da Era Moderna.

Nas fases seguintes, a partir de Grande Sertão: Veredas, as narrativas passam a apresentar um alto teor poético diluído na forma ficcional, em páginas replenas de essência poética, submissas às forças da ação vigilante da causa substancial (causa material e dinâmica), objetivando revelar os aspectos profundos de um determinado Sertão. Mas as duas forças imaginantes continuaram a atuar, porque, além do predomínio da imaginação material dinâmica, aliada a um inegável perfume poético, o Artista continuou a valer-se dos adornos próprios da linguagem sertaneja, para a sedução do leitor.

MACHADO, Neuza. Do Pensamento Contínuo à Transcendência Formal. Rio de Janeiro: NMachado / ISBN: 85-904306-1-8

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