GUIMARÃES ROSA: ONTEM ETERNO x MUNDO CAPITALISTA - 7
NEUZA MACHADO
NEUZA MACHADO
Nhô Augusto herdou um pequeno Império e nele reinou durante algum tempo. Enquanto durou sua autoridade, foi a própria representação do poder mítico-social.
O Artista, por intermédio de seu narrador, permite opacamente que se observe a realidade burguesa como invólucro das representações do sertão. A narrativa (A Hora e Vez de Augusto Matraga) procura destacar um espaço puro, mas há nesse espaço personagens degradados: os bate-paus de Nhô Augusto, por exemplo, são formas representativas, simbólicas, do mundo burguês capitalista. Quando o personagem, depois da queda, sem poder, necessita dos serviços de seus antigos homens de confiança, estes se recusam a obedecer-lhe, porque são membros do aparelho ideológico do poder, do qual Nhô Augusto não mais dispõe. O personagem roseano, nesta segunda sequência, submetido à ótica burguesa, já não possuía o reverenciado poder, já não possuía a qualidade de mando.
É lícito observar as representações das normas capitalistas em alguns trechos da narrativa. Por exemplo:
"Fala com Nhô Augusto que sol de cima é dinheiro... P'ra ele pagar o que está nos devendo... E é mandar por portador calado, que nós não podemos escutar prosa de outro, que Seu Major disse que não quer" (A Hora e Vez de Augusto Matraga).
Os bate-paus fazem a degradação do poder, do valor do dinheiro de quem o possui, mas não conseguem corromper o espaço de referência do narrador, porque este é mediador do Artista, brasileiro, indivíduo contraditório, originário de um mundo em que o valor do dinheiro não tem valor, mas que, sobretudo, deseja ressaltar um determinado sertão da infância (seus primeiros anos de vida). Mesmo sem estar comprometido com os valores da modernidade, o Ficcionista sertanejo, nesta narrativa de transição, ainda não alcançou completamente (ficcionalmente) o patamar da consciência pura, plano indiscutivelmente individual. Por isto, os bate-paus fazem a degradação do poder. Por isto, o portador calado significa que quem fala é o poder, pois só o poder tem poder de fala. Segundo Rosa, "o dinheiro não adianta muito no sertão” (ENTREVISTA), mas é o poder no mundo capitalista urbano. E o sertão roseano — ou brasileiro —, marcado por um capitalismo periférico, ainda que possuindo matéria mítica em estado bruto, está inserido, em sentido diacrônico e sincrônico, na sociedade brasileira moderna.
A sociedade brasileira nasceu em princípios da Era Moderna, e mesmo tendo-se desenvolvido em seu território processos antigos de vida comunitária, como a agricultura, as leis financeiras da Europa comandaram as normas econômicas e sociais de seu povo. Assim, entende-se o fato do narrador roseano, nesta narrativa, refletir as contradições do Brasil, do capitalismo brasileiro, periférico, de terceiro mundo; entende-se o porquê do Artista apresentar a sua visão pessoal e social do mundo sertanejo, com tais características comunitárias, e instintivamente deixar-se surpreender também como representante da moderna sociedade capitalista. Por estas razões, ainda ligado à imaginação formal nas primeiras sequências, ou seja, aos aspectos exteriores do sertão, promove a queda do personagem, já idealizando um novo poder para ele, no plano da religiosidade.
MACHADO, Neuza. Do Pensamento Contínuo à Transcendência Formal. Rio de Janeiro: NMachado / ISBN: 85-904306-1-8
O Artista, por intermédio de seu narrador, permite opacamente que se observe a realidade burguesa como invólucro das representações do sertão. A narrativa (A Hora e Vez de Augusto Matraga) procura destacar um espaço puro, mas há nesse espaço personagens degradados: os bate-paus de Nhô Augusto, por exemplo, são formas representativas, simbólicas, do mundo burguês capitalista. Quando o personagem, depois da queda, sem poder, necessita dos serviços de seus antigos homens de confiança, estes se recusam a obedecer-lhe, porque são membros do aparelho ideológico do poder, do qual Nhô Augusto não mais dispõe. O personagem roseano, nesta segunda sequência, submetido à ótica burguesa, já não possuía o reverenciado poder, já não possuía a qualidade de mando.
É lícito observar as representações das normas capitalistas em alguns trechos da narrativa. Por exemplo:
"Fala com Nhô Augusto que sol de cima é dinheiro... P'ra ele pagar o que está nos devendo... E é mandar por portador calado, que nós não podemos escutar prosa de outro, que Seu Major disse que não quer" (A Hora e Vez de Augusto Matraga).
Os bate-paus fazem a degradação do poder, do valor do dinheiro de quem o possui, mas não conseguem corromper o espaço de referência do narrador, porque este é mediador do Artista, brasileiro, indivíduo contraditório, originário de um mundo em que o valor do dinheiro não tem valor, mas que, sobretudo, deseja ressaltar um determinado sertão da infância (seus primeiros anos de vida). Mesmo sem estar comprometido com os valores da modernidade, o Ficcionista sertanejo, nesta narrativa de transição, ainda não alcançou completamente (ficcionalmente) o patamar da consciência pura, plano indiscutivelmente individual. Por isto, os bate-paus fazem a degradação do poder. Por isto, o portador calado significa que quem fala é o poder, pois só o poder tem poder de fala. Segundo Rosa, "o dinheiro não adianta muito no sertão” (ENTREVISTA), mas é o poder no mundo capitalista urbano. E o sertão roseano — ou brasileiro —, marcado por um capitalismo periférico, ainda que possuindo matéria mítica em estado bruto, está inserido, em sentido diacrônico e sincrônico, na sociedade brasileira moderna.
A sociedade brasileira nasceu em princípios da Era Moderna, e mesmo tendo-se desenvolvido em seu território processos antigos de vida comunitária, como a agricultura, as leis financeiras da Europa comandaram as normas econômicas e sociais de seu povo. Assim, entende-se o fato do narrador roseano, nesta narrativa, refletir as contradições do Brasil, do capitalismo brasileiro, periférico, de terceiro mundo; entende-se o porquê do Artista apresentar a sua visão pessoal e social do mundo sertanejo, com tais características comunitárias, e instintivamente deixar-se surpreender também como representante da moderna sociedade capitalista. Por estas razões, ainda ligado à imaginação formal nas primeiras sequências, ou seja, aos aspectos exteriores do sertão, promove a queda do personagem, já idealizando um novo poder para ele, no plano da religiosidade.
MACHADO, Neuza. Do Pensamento Contínuo à Transcendência Formal. Rio de Janeiro: NMachado / ISBN: 85-904306-1-8
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