A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: UM PASSEIO NO SÍTIO DO MIGUEL
PEREIRA
ANTÔNIO DE
SOUSA COSTA
Passemos novamente às
recordações referentes aos casos relacionados à Fazenda de meu bisavô João
Pereira da Cunha, o sinhô português conhecido pela alcunha de João Barba de
Argolão, na Cachoeira dos Pereiras. Eu ainda recordo de um Sítio, que foi dado
por ele como herança a Miguel Pereira, que não só herdou a terra como também
herdou o sobrenome de João Argolão.
Miguel Pereira era um escravo muito estimado pela
família de João Argolão. Eu não conheci Miguel, pois, quando eu nasci, ele já
era falecido. Mas ainda existiam alguns descendentes de Miguel, que eu recordo
deles, como, por exemplo, a Margarida, mãe de Ozébio e China.
Nessa época do acontecido que vou narrar, Euzébio já
era casado com Redosina, ainda, recém-casados. Havia outros descendentes de
Miguel que, no momento, eu não me recordo dos nomes. Isto se passou na década
de 1910 a 1920.
Na época em que eu conheci esse Sítio, eu era ainda
bem menino (nasci em 18 de fevereiro de 1910), com cinco ou seis anos de idade
mais ou menos. Recordo-me que, um dia, meu irmão Olavo e tio Camilo (os dois
ainda eram solteiros), e mais dois rapazes (que trabalhavam para meu pai),
reuniram-se, os quatro, e disseram: “– Vamos lá no Miguel Pereira”, se bem
que Miguel Pereira já era falecido. O interessante é que o nome do preto Miguel
ficou naquele Sítio, que era conhecido por todos como Sítio do Miguel Pereira.
E quando eles já iam saindo, eu disse pra
meu irmão Olavo: “– Eu também quero ir aonde ocês vai.” E aí, meu irmão Olavo e tio Camilo diziam: “– Menino não
pode ir aonde nóis vai!” Eu comecei a
chorar e dizia: “– Eu também quero ir!” E, nesse momento, minha mãe chegou e
disse: “– Por que ocês não quer levar o menino? Ele também gosta de
passear!” E meu irmão disse: “– Então, vamos!” Eu saí todo contente, mas eles,
não. O meu tio Camilo não gostou nada da minha companhia, e ia sempre dizendo:
“– A comadre Antoninha não devia deixar o menino sair com rapaz, principalmente aonde nóis
vamos!” E começaram a fazer-me recomendação, dizendo: “– O que ocê vê lá, aonde nóis vamos, não vai dizer em casa!” E meu irmão Olavo, também
chateado com minha presença, falava até em me bater, se eu dissesse em casa
alguma coisa. E, assim, nós fomos, até chegar ao Sítio do Miguel Pereira.
A Sede, onde fora a
residência de Miguel Pereira, era uma casa bem grande e que ainda estava em bom
estado de conservação. Havia mais três casas menores, e, em uma delas, morava
Margarida, com a filha China. Em outra casa, moravam Euzébio e Redosina, ainda
no início da vida conjugal. Na Sede, onde fora a residência de Miguel Pereira, ali
morava um grupo de mulheres sem maridos.
Eu, de minha parte, ainda criança, não vi nada
demais sobre o procedimento delas com o tio Camilo, meu irmão Olavo e os outros
dois rapazes; mais, era uma brincadeira de jogar mamucha de laranja uns nos outros. E eu, por ser ainda menino, não
entrava na brincadeira deles. Mas, eu ficava curioso, observando aquela
brincadeira, que eu achava tão engraçada.
Na volta, eles me recomendavam e diziam: “– Ocê não vai contar em casa o que ocê viu. Sim?” Eu não dizia nada, ficava
calado. Mas, sempre pensando sobre aquela brincadeira deles, com aquelas
mulheres desconhecidas que eu vi pela primeira vez.
E lá, em casa, numa certa hora, eu lembrei-me
daquele momento tão importante, que eu vivi naquele dia de Domingo, aquele dia
em que, pela primeira vez, fiz um passeio sem minha mãe e minhas irmãs. E sem
pensar na recomendação que me fizeram, ao voltar daquele passeio, na hora em
que estávamos todos na cozinha conversando, lembrei-me da brincadeira e disse pra tio Camilo e meu irmão Olavo: “– Eu
achei tão engraçado ocês jogando
mamucha naquelas muié e elas jogando
mamucha nocês”. O tio Camilo saiu da
cozinha e foi pra sala. E minha mãe
disse pra meu irmão Olavo: “– Aaah! É
por isso que ocê não queria levar ele
junto com ocês”. E meu irmão descartando que não era nada daquilo que eu
dissera, que era na casa de Ozébio e
de Margarida, e ficou por isso, na hora. Mas, depois que passou aquele momento,
ele me disse: “– Nunca mais eu levo ocê
em lugar nenhum”. E, daquele dia em diante, eles saíam escondidos de mim.
O Sítio, que Miguel Pereira
deixou de herança pra seus
descendentes, tinha não só frutas de várias qualidades, como também lavoura de
café. Esse Sítio, naquela época, ficava entre a estrada de rodagem, pra quem desce do Alto-Carangola para o
Divino de Carangola, como era naquele tempo. O Sítio ficava na região do
Alto-Carangola, fazendo divisa com os dois distritos (Alto-Carangola e Divino
do Carangola). Essa estrada tinha o nome de Estrada
dos Ferreiras, porque passava entre a [dentro da] Fazenda de Antônio Ferreira,
pai de Totony Ferreira. Pai e filho
já são falecidos, mas os filhos e netos de Totony
Ferreira, que são seus herdeiros, ainda moram lá.
A Estrada Rio-Bahia (Estrada
BR-116), construída não faz muitos anos, passa na barra desse Sítio que, hoje
em dia [anos 80], pertence ao meu parente Domício Alves, que o comprou. Domício
comprou não só esse Sítio, como também comprou uma grande quantidade de
alqueires de terra dos herdeiros do Capitão Chico Victor. As terras do Capitão
Chico Victor faziam divisa com o Sítio de Marcolino de Sousa (meu tio), que
também vendeu o seu Sítio pra Domício
Alves. Domício Alves juntou os Sítios, formando uma imensa Fazenda, com pastos
e uma grande criação de gado bovino e vacas leiteiras.
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