A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: MEU AVÔ JOSÉ ANTÔNIO DE SOUZA MOREIRA
E O CASO DA VIAGEM A SÃO DOMINGOS DE CARATINGA
ANTÔNIO DE
SOUSA COSTA
Meu avô paterno José Antônio
de Sousa Moreira era um homem temente a Deus. Por qualquer um acidente
acontecido com ele, por mais pequeno que fosse, vovô tinha aquilo como castigo.
Dizia vovô que, em uma certa ocasião, ele foi até
São Domingos de Caratinga, para fazer uma visita à sua irmã Severina e ao seu
cunhado José Doce (doceiro, fazedor
de doces), que já moravam em São Domingos de Caratinga há vários anos. Vovô,
sempre que saía a cavalo, para viagem longa ou perto, não esquecia o seu
embornal de brim, alceado na cabeça do arreio, e com um vidro de meia garrafa,
que era para ter sempre cheio de pinga. Quando esvaziava a garrafa, ele enchia
de novo. Durante a viagem, de vez em quando, ele molhava a garganta com a pinga.
Naquela época, ele enchia a garrafa com duzentos réis.
Antes de sair de casa, meu
avô mandou vovó fazer a matutagem
[matulagem ou matolotagem], para se alimentar durante a viagem, encheu o vidro
de pinga, alceou-o no arreio, montou em seu cavalo, e seguiu até a primeira
estalagem que encontrou, depois de muito cavalgar. Ali, pediu uma pousada, e
pernoitou naquela casa. No outro dia, perguntou quanto era a despesa, pagou, e
seguiu a sua viagem. No primeiro botequim que encontrou, encheu o vidro de
pinga, e continuou o seu caminho. Ao anoitecer, pediu pousada em outra casa. Ao
amanhecer do dia, seguiu até chegar à casa da irmã Severina e Zé Doce, como era chamado.
Em Caratinga, ele permaneceu vários dias, em casa da
irmã Severina e do cunhado Zé Doce. O
dinheiro que levara estava acabando, e ele disse para a irmã e Zé Doce: “– Faz muitos dias que eu estou
fora de casa, amanhã eu vou voltar pra
casa!” Sua irmã Severina fez a matutagem,
para ele comer durante a viagem, e ele colocou a comida na mala de pano, que
ficava dobrada na garupa do arreio. Encheu o vidro de pinga e colocou-o dentro
do embornal, alceou-o na cabeça do arreio, despediu-se da irmã e do cunhado, e
seguiu de volta para casa.
Nas mesmas casas, que tinha pousado na ida, ele
pousou na volta. No último dia da viagem de volta para casa, ele sofreu um
acidente. Dizia vovô que tinha levado dinheiro, não muito, mas dava para fazer
a viagem, de ida e volta, sem muita preocupação. Mas, ele facilitou, e não mediu
os gastos que fizera em Caratinga, durante os dias que ali permaneceu em casa
da irmã Severina e do cunhado Zé Doce.
A pinga acabou, e ele tinha no bolso só duzentos réis, a quantia exata para
encher o vidro de cachaça. Passando perto do botequim, ele apeou do cavalo,
amarrou-o em um topo, que estava fincado no terreiro da venda, e, quando ele
caminhava para chegar até a venda, um homem esticou o chapéu e pediu-lhe uma
esmola. Vovô só olhou de banda e pensou, em seu coração: “– Fia da... (o nome da mãe, que ninguém
gosta de ser chamado!)”. E passou pelo homem, encostou-se no balcão da venda, e
pediu para encher o vidro; puxou do bolso o único dinheiro que tinha, pagou, e
voltou para o seu cavalo. Desatou o cabresto, e quando foi enfiar o vidro no
embornal, em vez de enfiar dentro do embornal, enfiou fora, e o vidro caiu ao
chão, quebrando-se em cacos. E vovô ficou com muita raiva, e pisou num caco do
vidro quebrado, e foi um golpe daqueles na sola do pé, quase deixando ele
aleijado.
Vovô não bebia em ponto de
envergonhar a família, mas, sempre que bebia, ficava fora de seu natural.
Depois do trago de pinga, vovô conversava muito, mas não ofendia a ninguém.
Vovô gostava de perfumes, andava sempre perfumado em dia de Domingo. As minhas
irmãs, já casadas, vinham sempre passear em nossa casa. Nesses dias de visita,
elas entravam no quarto de vovô, só para brincar com ele, e dizia uma para
outra: “– Vovô tá cheiroso!” Ele
sabia que elas estavam mexendo com ele. Até os maridos de minhas irmãs, também,
gostavam de implicar com vovô, para verem a reação dele. Diziam: “– Quem sabe o
vovô ainda quer casá!” Vovô
respondia: “– Eu gosto de ficar cheiroso, mas casá outra veiz não!, uma
só chega!”
O acidente que vovô sofreu em
um dos pés, ele tinha como castigo, porque negou de dar esmola ao homem, que
tinha pedido, logo que apeou do cavalo. O dinheiro dele só dava para encher o
vidro de pinga, mas, como ele não deu a esmola, e nem bebeu a cachaça, achava
que foi um castigo. Ele contava isto até com graça, principalmente quando
estava com umas e outra no coco.
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