A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: A REVOLTA DOS TURCOS CONTRA HORÁCIO MUNHECA
ANTÔNIO DE
SOUSA COSTA
No início deste século XX, houve no Distrito de
Divino de Carangola, que hoje em dia é Município, uma revolta de turcos contra
brasileiros divinenses. Eu ainda era bem menino quando se ouviu falar e
comentar sobre essa revolta dos turcos no Divino de Carangola.
Naquela época, existia lá um homem por nome Horácio,
que tinha o apelido de Horácio Munheca, porque tinha uma das mãos cortada por
um acidente de estampido de uma bomba caseira. Esse Horácio Munheca era um dos
homens mais valentes entre aqueles que existiram na Zona da Mata de Minas
Gerais naquela época. Eu não sei o porquê da encrenca dos turcos comerciantes
contra o Horácio Munheca, mas, o dito de todos aqueles que falavam sobre a
revolta era que o Horácio Munheca não pagava o que comprava fiado. E os turcos tinham
Casa de Negócio e vendiam fiado, mas eram exigentes na hora de receber. Os
turcos eram muitos, e todos viviam como em uma irmandade. E tinham alguns que
eram muito valentes e tinham boas armas de fogo.
Horácio Munheca não era só em suas brigas, tinha
também alguns amigos de confiança que o ajudavam, e todos eles homens valentes,
que enfrentavam qualquer parada. Horácio Munheca com a sua turma, todos bem
armados, passeava pelas ruas do Divino provocando os turcos negociantes, que,
como diz a gíria de hoje, já estavam de saco
cheio.
E, um dia, os turcos, aborrecidos com o Horácio, que
não queria pagar as dívidas que tinha com eles, anunciaram que iam vender carne
de brasileiro a duzentos réis o quilo. E, Horácio Munheca também fez o seu
anúncio: “– Eu não vendo carne de turco. Vou dar de graça p’ra quem quiser!” E,
com esta provocação, começou a briga.
Essa revolta dos turcos contra o Horácio Munheca foi
muito comentada por todos que viviam naquela época. Diziam que os turcos
fizeram trincheiras em vários pontos do Comércio para pegar o Horácio e seus
companheiros de brigas. Até dentro da Igreja alguns turcos entrincheiraram-se.
Horácio não sabia que os turcos tinham armado
trincheiras para liquidarem com ele. Horácio saiu da Rua Nova, com os seus
companheiros, e desceu um morro que fica entre a Rua Nova com o Largo da
Matriz, como era chamada, naquela época, a pracinha defronte à Igreja. Hoje em
dia é uma bela Praça, que fica em frente à Igreja do Divino Espírito Santo.
Mas, prosseguindo com a história, quando o Horácio
Munheca chegou no Largo da Matriz, ele e seus companheiros receberam tiros de
todos os lados. Da torre da Igreja, os turcos atiravam contra Horácio e seus
companheiros, que rolavam pelo chão. E, quando levantaram, já de armas na mão,
sempre atirando na direção de onde vinham as balas, Horácio viu um dos turcos
na torre da Igreja, e apontou a sua arma para a torre, e conseguiu balear o
inimigo de uma distância bem longe.
E, aí, os turcos, que estavam dentro da Igreja,
saíram correndo. Outros turcos, que estavam em suas casas, fecharam as casas de
comércio, e saíram todos em mudança para outros lugares, aonde pudessem
esconder-se, para não morrerem, pois o Horácio Munheca queria acabar com todos
que se dissessem turcos.
Com essa revolta, morreu um dos companheiros de
Horácio, e muitos turcos também morreram. Nessa época eu ainda não era nascido,
ou, talvez, recém-nascido. Estou escrevendo essa história conforme ouvia falar.
E Horácio Munheca fez um juramento. Dizia que, enquanto ele fosse vivo, turco
não haveria de morar em Divino do Carangola. Na década de mil novecentos e
vinte, já depois da revolta, eu me recordo bem, não havia turco em Divino. Mas,
eles não foram para muito longe não, ficaram por ali mesmo, perto.
O Horácio Munheca, eu
pessoalmente o conheci já morando no Arraial do Choro, Distrito de
Alto-Carangola. Era negociante. Tinha uma casa de negócio bem perto da Escola
aonde eu estudei até o terceiro ano primário, o único estudo que recebi. E dou
muitas graças a Deus, porque, naquela época, os filhos dos pequenos sitiantes
eram quase todos analfabetos, principalmente, quem morava na roça, como eu.
Escolas públicas existiam somente nos Arraiais. Por isso, havia dificuldade
para os pais da roça, que não podiam pagar pensão para os estudos de seus
filhos.
Mas, prosseguindo com a história
da revolta dos turcos acontecida antes em Divino do Carangola, o fato é que no
Alto-Carangola havia muitos turcos lá, que eu sou testemunha e afirmo, e não
tinha mais briga entre Horácio e os turcos. Podiam não ser amigos, mas, também,
não eram inimigos.
Quanto a Horácio Munheca, dali do Alto-Carangola ele
voltou para o Divino, onde fixou moradia, só não tinha casa de negócio. Eu o
conheci morando perto do Largo da Matriz, em uma rua que margeia o rio Carangola,
para quem desce. Mas, o Horácio Munheca não era homem dedicado a sua família.
Tinha uma esposa digna de honestidade, mas sempre tinha outras mulheres por
fora. O mais importante de tudo isso é que ele sustentava todas, com conforto.
E não desprezava nenhuma delas.
Anos depois, eu conheci o Horácio morando em
Carangola, com uma amiga, numa rua que faz esquina com o Hospital, que não me
lembro o nome da rua. Nesta rua, aonde faz esquina em frente com o Hospital,
ali foi o fim de Horácio Munheca. Ele saiu de casa com destino de ir até à
Praça de Carangola, mas, sem esperar que ali podia ser o seu fim. Quando ele
chegou à esquina da rua, o pistoleiro já o estava esperando atrás do muro da
esquina, e não deu tempo a ele de reação, deu só um tiro, com bala envenenada,
e fugiu, sabendo que só aquela chegava para liquidá-lo.
Horácio Munheca não morreu após o tiro que levou.
Ainda a amiga dele chegou e conversou com ele. E ele disse para a amiga: “–
Este tiro vai me matar, pois a bala é envenenada. Até nisto o Horácio sabia
que, depois de ter sido atingido por uma bala envenenada, não teria como
escapar.
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