A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: JOÃO MARTINS E A GLORIOSA CAÇADA
ANTÔNIO DE
SOUSA COSTA
Passamos a falar sobre
caçadas de bichos do mato: Juca (José) Martins e seu irmão João Martins saíram
da Fazenda Maranhão, uma propriedade de Juca Martins, e foram os dois até a
Fazenda Cachoeira, propriedade de João Argolão. Não era um passeio de cortesia,
era somente para se divertirem com caçada de bichos do mato.
A Fazenda Maranhão do fazendeiro Juca Martins localizava-se
no Município de Carangola, distante (bem longe!) da Fazenda Cachoeira uns
quarenta e cinco quilômetros mais ou menos. Era uma viagem de quase um dia.
Mas, eles tinham bons animais de sela, e tinham, também, animais de carga. Para
fazerem essa viagem, eles levaram um empregado (para cuidar dos animais) e um
burro de carga carregado com mantimento e caixa de cozinha (que era para fazer comida
em caso de emergência).
Era um costume, do povo daquela época, quando fazia
uma viagem por mais de um dia, levar um ou dois burros de carga, carregados com
mantimento, conforme o número de gente que houvesse na comitiva. Mas, Juca
Martins e seu irmão levaram, também, cachorros-caçadores de anta e de outros
bichos.
Chegaram então à Fazenda Cachoeira, e foram bem
recebidos por João Argolão e sua família. Soltaram os animais e foram até a
barra da cachoeira. Ali, tomaram um banho, trocaram de roupas, e voltaram para
o jantar. Sinhá Antoninha, a esposa de João Argolão, já estava com a janta
preparada. Naquele tempo, não se usava mesa nas Fazendas da Zona da Mata
Mineira. Os fogões eram muito grandes e, assim, sobrava lugar para depositar as
panelas, e cada pessoa se servia a seu gosto, à vontade. A cozinha de Sinhá
Antoninha Mulata, minha bisavó, era muito grande, e, encostados na parede,
havia bancos de madeira, compridos, para as visitas se sentarem. João Argolão
chamou Juca Martins e seu irmão João Martins, também o empregado de Juca
Martins, e mais alguns que estavam na sala, e todos entraram na cozinha de Sá Antoninha. E João Argolão disse: “–
Acá é no fogão mesmo! Cada um vai se servindo à vontade”. E todos se serviram à
vontade, conforme o costume da roça.
Depois, voltaram para a sala e conversaram até tarde
da noite. O assunto dos fazendeiros ali reunidos era só as caçadas de bichos do
mato. E combinaram em ir até a um lugar chamado Bom Jesus da Samambaia para
fazerem uma caçada de anta ou outros bichos. Eles tinham cachorro ensinado para
caçar qualquer qualidade de bichos.
Assim que amanheceu o dia,
tomaram café, fizeram um lanche reforçado, trataram bem dos cachorros, e
seguiram para o lugar chamado Samambaia. Passaram pela Fazenda de Ernesto Gomes
(que era também caçador), reuniram-se com os Martins Vianas (que eram também
caçadores), e formaram um grande grupo de caçadores, e foram até Samambaia.
Naquela época, Samambaia tinha poucos moradores, e quase todos os fazendeiros
de porte, morando longe uns dos outros. O resto todo era mata virgem, com bicho
de toda espécie, e os caçadores podiam caçar à vontade, sem proibição de
ninguém.
Em Samambaia, eles fizeram muitas caçadas durante
dois dias. Eles matavam os bichos, traziam para o acampamento, e, ali, eles
preparavam os bichos; salgavam e punham dentro dos balaios, para trazer pra casa.
Nesse intervalo, além de
acamparem em Samambaia, eles fizeram mais dois outros acampamentos: um em Bom
Jesus da Samambaia (um lugar perto do Arraial da Samambaia), e o outro, em
lugar por nome Lubrina [Neblina], aonde
tinha uma represa de água que era denominada Tanque do Boiadeiro, porque tinha morrido um homem boiadeiro
afogado naquela represa.
Em Bom Jesus da Samambaia,
eles ficaram caçando também dois dias. Mataram muitos bichos, fazendo o mesmo
processo anterior, preparando os bichos, tudo muito bem, salgando e depositando-os
dentro dos balaios.
Dali, da Samambaia, eles foram até a Lubrina e acamparam perto do Tanque do Boiadeiro, e soltaram os
cachorros, e ficaram esperando, perto do acampamento.
E não levou muito tempo, os cachorros jogaram uma
anta dentro da represa. A anta encostou aonde ela pode resguardar as costas, e
passou a enfrentar os cachorros, qualquer um que se aproximasse dela. E os
caçadores não podiam atirar, pois corria o risco de pegar chumbo em algum
cachorro. E, assim, o bicho estava levando vantagem sobre os cachorros. E, em
um tal momento, um dos cachorros, um mais aventureiro, aproximou do bicho, e
agarrou no bicho, e tava naquela
luta, e o cachorro tava levando
desvantagem, pois a anta era muito mais forte que os cachorros, e tem uma
tromba quase igual tromba de elefante, e pegou o cachorro mais aventureiro que
tinha se atracado com ela. E João Martins, irmão de Juca Martins, avançou para
cima da anta, com um facão na mão, e montou em cima da anta, dando com o facão
na cabeça da anta até ela não se mexer mais. E, assim, eles voltaram até a
Fazenda Cachoeira com o burro carregado de carne de bichos do mato. Fizeram uma
grande festa, porque a caçada teve grande êxito.
Esta história foi contada por muitos do lugar,
durante muitos anos, porque um homem arriscando sua própria vida, para salvar
um cachorro de estimação das garras de um bicho feroz, é um acontecimento que
se deve glorificar.
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