A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: MEU IRMÃO ÁLVARO DE SOUZA
ANTÔNIO DE
SOUSA COSTA
Voltamos a falar sobre a
família Souza Costa. De meus irmãos homens, Álvaro foi o mais inteligente e
esforçado pra tudo. Sempre teve
vontade de progredir na vida. Muito enérgico e pontual nos seus negócios, mas,
se emprestava dinheiro ou qualquer outro objeto a alguém, podia ser o próprio
pai, ele não perdoava, cobrava. Ele comprava e vendia coisas pequenas,
barganhava. Isto ele fazia aos domingos e dias santos, porque meu pai era
exigente com os filhos para o trabalho. Em ocasiões de festas nos Arraiais, o
Álvaro estava sempre cavando o dinheiro, não ligava pra mais nada. Ora vendendo doce, ora jogando búzios de caroço de
milho, ou mesmo bancando caipira com um caneco e um dado quadrado, com os
números de um até seis. Isto era em ocasiões de festas ou bailes, que naquela
época havia baile em todos os sábados, ora em uma casa, ora em outra. O Álvaro
já estava rapaz, mas não ligava pra
dança, o caso dele era ganhar dinheiro.
Recordo-me de uma festa de
mês de Maria no Arraial do Choro. Durante os trinta dias de reza, meu irmão Álvaro
aproveitou para vender doces. Teve uma noite que os doces que ele vendia
acabaram mais cedo. O tio Antônio Carabineiro
também estava vendendo doces. Eu não sei o motivo porque o tabuleiro de doces
de Álvaro acabou primeiro. Qual foi a astúcia do Álvaro?
Depois de vender os doces, o Álvaro chegou disfarçado ao tio Antônio, tirou uma olhada nos doces de tio
Antônio, já sabendo que o preço era tostão cada um, arrematou todos, e os
partiu em dois, pois os doces que tio Antônio vendia eram grandes, e eram de
leite, feitos com muito capricho. Álvaro vendeu todos os doces comprados do tio
Antônio, ganhando meio por meio. Chegou em casa muito alegre, porque tinha
ganhado bem.
Na outra noite, o Álvaro não levou doces, confiando
nos doces que tio Antônio levaria para vender. Mas, não sabia que alguém
avisara tio Antônio, que o Álvaro, em cada um, fizera dois. E, tio Antônio
ficou muito enciumado com o que falaram pra
ele. Na tal noite, tio Antônio Carabineiro
levou o tabuleiro cheio com aqueles doces de leite, feitos bem caprichados, e
foi vender no Arraial do Choro, que estava quase em véspera de fim de festa.
Álvaro, com sua astúcia, foi chegando disfarçadamente, e disse ao tio Antônio:
“– Eu pago todos a tostão cada um. Vamos contar os doces.” E tio Antônio
respondeu: “– Hoje ocê não ganha
dinheiro às minhas custas, não senhor! Eu também gosto de vender!” Álvaro
implorou: “– Tio Antônio, o senhor vai vender todos a tostão cada um. Eu pago
todos sem o senhor sacrificar o seu tempo!” Mas tio Antônio continuou sempre
falando não. Álvaro, que não perdia
tempo, bancou o caipira, e passou a gritar, chamando a atenção de todos.
Mesmo o pai sendo enérgico
com o trabalho dos filhos, o Álvaro convenceu nosso pai a deixá-lo negociar com
vendas de secos e molhados. O senhor Luís de Sales, que tinha uma grande casa
de negócios, fazendas de tecidos, e armarinhos, e miudezas de todos os tipos,
no Arraial do Choro, tinha também, e em frente, uma outra casa, de sobrado, que
era de aluguel. Em cima dessa casa, era para famílias, e, em baixo, para
negócios, já com prateleiras e balcão. O Álvaro alugou a loja de Luís de Sales
e começou vendendo cachaça e mais outras miudezas. E o meu irmão Álvaro já
estava indo muito bem no negócio.
Mas, chegou o tempo de servir à Pátria! O jeito foi
fechar a venda e seguir para Juiz de Fora. Álvaro ainda tentou a não ir servir
a Pátria, pois correu uma notícia que, em Carangola, tinha um tenente do
Exército de Juiz de Fora que dispensava aquele que fosse sorteado, a não
servir, por quatrocentos mil réis em dinheiro, o que, naquela época,
representava muito. O Álvaro pagou.
Não foi só o Álvaro que caiu nesse conto-do-vigário, foram muitos
outros. Muitos pagaram para não ir. O tenente voltou com o dinheiro e, no ano
seguinte, veio outro tenente já com ordem de levar todos presos. Eles
reclamaram, que tinham feito pagamento para não servirem, mas o tenente
perguntava pelo recibo, que nenhum deles tinha, pois o tenente, o primeiro, não
dera recibo a nenhum deles. E, assim, o Álvaro e os outros que foram
ludibriados embarcaram presos até Juiz de Fora. E ficaram debaixo de ordem por
três meses, sem poder sair do Regimento.
Naquela época, o salário dos soldados era de vinte e
um mil réis por mês. O soldado tinha mesmo que comer no Regimento, porque o
dinheiro que recebia mal dava para o cafezinho e o cigarro, mais nada. Álvaro
tocava violão e cantava. Logo, na primeira oportunidade que teve, o Álvaro
comprou um violão, e divertia os recrutados todas as noites com seu violão.
Um certo dia, o Comandante do Regimento reuniu
todos, em ordem, e disse: “– Nós vamos fazer uma excursão de três dias nas
matas. Aqueles que tiverem instrumento de música, poderão levar seus
instrumentos, para se divertirem nas horas de folga. Naquela época, as marchas
militares eram feitas a pé, e as caixas de cozinha e mantimentos eram
carregadas nos burros de cargas. Com a ordem dada pelo Comandante, de quem
tivesse instrumento de música levar, o Álvaro levou seu violão. E todos
caminharam a pé. De vez em quando, eles descansavam, mas, caminharam até a
noite.
À noite, eles armaram suas barracas e, com o cansaço
da viagem, adormeceram. E só acordaram no outro dia. Fizeram exercício no mato,
voltaram para o acampamento, e almoçaram. Depois que descansaram, todos os que
levaram instrumento de música, tocaram e cantaram, naquela noite de solidão, no
meio do mato.
E o Álvaro se lembrou de um lundum que ele cantava bem desenvolvido, acompanhado no violão por
ele próprio. E, em certa distância, estava a barraca de um dos comandantes, e o
comandante, lá da barraca, apreciando ele tocar e cantar, e o Comandante o chamou:
“– Vem aqui, este do violão, o que está cantando!” O meu irmão Álvaro ficou um
pouco ressabiado com aquele chamado,
mas compareceu, e disse: “– Pronto Comandante!”, com a posição de sentido. O
Comandante disse: “– Não quero continência, quero que cante o que estava
cantando!” E Álvaro ficou entusiasmado, e tocou e cantou o lundum até o fim. O Comandante mandou ele repetir, ele cumpriu as
ordens, e, com esta música, o Álvaro conseguiu uma amizade com aquele
Comandante, o qual fez um convite a Álvaro, para ir tocar em sua casa no
aniversário de um de seus filhos. E o Álvaro foi, e tocou e cantou o lundum que emocionou o Comandante,
quando esse estava em instrução de guerra no meio do mato. Depois desse dia,
sempre que houvesse festas em sua casa, o Comandante chamava Álvaro, para ir
tocar.
Aqui transcrevo o lundum que o Álvaro cantava:
LUNDUM DO CASÓRIO
Meus senhores, eu vou contá, como foi meu casamento
Eu pedi a noiva ao pai, contei meu
procedimento. (Bis)
Ele me respondeu, se eu
podia sustentá
Dar de comer e vestir,
sapatinho pra calçá. (Bis)
Eu respondi a ele, com toda
sinceridade,
Se ela não morrê de fome,
passará necessidade. (Bis)
No dia do meu casório, todos
deram gargalhada.
Lá ia os dois noivados em
uma carroça quebrada. (Bis)
Paletó do meu casório era de
chita amarela,
A calça era de ganga, o colete
de flanela. (Bis)
Camisa do meu casório era só
de puro linho,
Não tinha fralda, nem manga,
nem punho, nem colarinho. (Bis)
Cerola do meu casório, meu
cunhado quem me deu,
Remendo sobre remendo, no
vesti, ela rompeu. (Bis)
As botinas do meu casório era de vertegal
Quiseram me comprá ela, pra
mansá burro em Portugal. (Bis)
Paletó do meu casório era de jaquetão
Não tinha gola, nem manga,
não tinha também botão. (Bis)
O padrinho e a madrinha
deram pressa e foram adiente,
Dando passo à retaguarda,
com a força da aguardente. (Bis)
O jantar que meu sogro fez,
para dar aos convidados,
Foi duas galinhas choca,
dois pintinhos pestiados. (Bis)
Etc., etc...
Um dia, o Comandante
perguntou a Álvaro se queria fazer um concurso para Cabo, e Álvaro respondeu:
“– Bem que eu queria, senhor Comandante! Mas, como? Se eu não tenho nem o
primário?” O Comandante fez um teste nele e disse: “– Você quer ou não quer?”
Ele respondeu: “– Quero!” O Comandante deu as instruções necessárias, e Álvaro
começou a estudar, com outros colegas de farda, que também já estavam
estudando, e que tinham mais conhecimento de letras, mas do que o Álvaro.
Alguns tinham até o Ginásio! E tinha um conterrâneo (até muito abusado!), que
zombava do Álvaro, que chamava ele de Cabo
Álvaro. E ele dizia: “– Se Deus quiser, eu serei Cabo de verdade!” E a zombaria
não parava entre os colegas de farda, que faziam continência para ele. Mas, o Álvaro
não se humilhava diante deles. E sempre dizendo: “– Se Deus quiser, eu serei
Cabo de verdade!” E o Álvaro não desanimou! Quando chegou o dia da prova, o Álvaro
foi aprovado, e os que zombavam dele foram desclassificados.
O conterrâneo, que tinha curso de Ginásio, ficou tão
envergonhado que, para não tirar serviço pelo comando de Álvaro, desertou,
fugindo para o Divino de Carangola, sabendo que tinha uma conta para ajustar,
mas preferiu deixar para o outro ano. O Álvaro, com a promoção, passou do soldo
de vinte e um mil réis para duzentos e dez mil réis. Com esse ordenado melhor,
alugou um quarto e passou a morar longe do acampamento, e pagando a pensão de
comida até o dia de sua alta (seu
término de compromisso com o Exército). O Álvaro não se engajou definitivamente
no Exército porque nosso pai não deixou.