REPOUSO FERVILHANTE ANTECEDENDO A CRIAÇÃO FICCIONAL ROSEANA
NEUZA MACHADO
Para Bachelard, a vontade do pensador se origina do repouso fervilhante. Há uma grande diferença entre o repouso, ato de descansar a mente das paixões cotidianas, e o repouso fervilhante do pensamento (repouso ativado), algo ainda meio vazio, em suspenso, oscilando entre o antes e depois do tempo do pensamento. O indivíduo, consciente de seus pensamentos, adquire o direito de colocar sua inteligência a serviço de fervilhantes questionamentos ou reflexões, os quais poderão ou não renovar as formas ideológicas já instituídas socialmente.
Ao momento que sucede o repouso ativado, início de novas e originais formas de pensamento, Bachelard denomina de juízo de descoberta.
O repouso fervilhante (ou repouso ativado) traduz-se, em princípio, por um esvaziamento da mente em relação aos conceitos usuais, uma reflexão que induz a uma breve imobilidade mental, na qual se acrisolam pensamentos díspares, os quais serão reordenados inversamente em seguida e direcionados para novas e surpreendentes descobertas mentais.
O juízo de descoberta, originário desse repouso ativado, é diferente também do juízo afirmativo, juízo este postulado por Henri Bergson e reavaliado por Gaston Bachelard. O juízo afirmativo, juízo das formas já institucionalizadas, apenas acentua o caráter de uma afirmação. Por exemplo, dois juízos em que o primeiro afirma que uma mesa é branca, apenas deixa transparecer o caráter determinado e direto do juízo exposto; quando se afirma o contrário, ou seja, que a mesa não é branca, observa-se simplesmente o caráter indeterminado e indireto do segundo juízo. O juízo de descoberta modifica os valores da verificação sobre a mesa branca. Ao invés de repetir a cor ou não da mesa, propicia a descoberta de uma singular mesa branca, especialíssima; suscita um debate positivo sobre uma diferente e polêmica mesa branca, gerando espanto, exclamações, discussões, fundados em dúvidas preliminares. Descobre-se enfim a existência de uma especialíssima mesa branca, em meio a tantas e tantas mesas brancas ou não. Galileu, por exemplo, descobriu o movimento da Terra e foi castigado por seu atrevimento.
Ainda acompanhando o raciocínio de Bachelard, as confirmações do juízo afirmativo nem sempre demonstram conhecimento positivo. Tal conhecimento deverá ser observado nas ondulações dos argumentos gerados pela dúvida preliminar (polemizada), tal conhecimento poderá ser constantemente destruído e reconstruído, às vezes nunca terminando a construção, mas, sobretudo, deverá aspirar ao impulso renovador do pensamento transmutativo.
Sobre a filosofia de Henri Bergson, quero esclarecer que Bachelard não a rejeita, em absoluto; apenas utiliza-se dela para desenvolver suas reformulações sobre a questão da duração, reformulações que têm também uma ligação reflexiva com Albert Einstein e Gaston Roupnel, como já foi dito antes. De minha parte, o que apreendi da filosofia de Henri Bergson, sobre a duração, evolou-se de uma reflexão rápida do quarto capítulo de seu livro L'Évolution Creatrice, “Le Devenir Réel et le faux Évolutionisme”; a contra-argumentação é genuinamente de Gaston Bachelard, realçada em suas adesões e críticas ao pensamento do filósofo da metafísica do pleno. Não darei profundidade aos estudos de Bergson por razões estratégicas. Com isto, evitarei uma provável introdução de um elemento novo em minhas teorizações, o que dificultaria o objetivo de meus juízos diferenciados sobre uma entre inúmeras formas de o estudioso da literatura se envolver com o texto literário. Entretanto, as atuais exigências acadêmicas, relativas à interdisciplinaridade, estarão aqui realçadas. Esta inovadora orientação crítico-pedagógica traduz-se como um alerta em face deste recente momento de transição histórico-socio-literário para o Terceiro Milênio.
Depois da intermediação, refletirei sobre a temática dos cogitos propriamente dita, ligando-a, num processo interativo, ao universo literário de Guimarães Rosa, ressaltando os quatro elementos que sustentam a vida (terra, água, fogo e ar), os quais estão presentes na obra roseana sob o predomínio da imaginário criador ativado, alicerçando-a e propiciando, seletivamente, a ascensão do escritor aos cogitos superiores.
Os quatro elementos agirão como degraus e serão eles os responsáveis pela mudança de pensamento do ficcionista de ascendência sertaneja, desde Sagarana (pequenas narrativas experientes, ligadas aos aspectos exteriores do sertão) até a fase final, na qual se detectam a sua ascensão ao plano intermediário (entre o cogito(3) e o cogito(4)) e a posterior concretização de seus pensamentos criativos singulares, originários desse plano incomum. A esta parte intermediária, ligada à temática dos cogitos e aos elementos vitais, chamarei Psicanálise da Criação.
Sobre este título, Psicanálise da Criação, quero esclarecer que o termo surgiu em minhas incursões teóricas ao universo filosófico-psicológico de Bachelard, já que ele se auto-define como psicólogo de livros. Adotei esta terminologia para explicar o terceiro momento da atividade criativa de Guimarães Rosa. Psicanálise da Criação passará a ser, aqui, exclusivamente, o título de um capítulo de minhas explanações teóricas, sem um compromisso interdisciplinar com a Psicanálise do Texto Literário propriamente dita, representando apenas o meu particular método de abordagem, unindo a Ciência da Literatura à filosofia bachelardiana. Este título se fez necessário, porque, procurando desvendar as desordens mentais do moderno (ou pós-moderno?) narrador roseano das últimas fases (Primeiras Estórias, Estas Estórias e Tutaméia), atingi teoricamente a vida psíquica consciente e inconsciente do Artista ficcional brasileiro do século XX, independente de ser ele Guimarães Rosa ou não, preso ao seu próprio tempo histórico desordenado.
(Observação: É importante afirmar e reafirmar sempre que a palavra desordem, realçada aqui e em algumas páginas dos capítulos seguintes, não possui caráter depreciativo. A palavra em questão deverá ser compreendida pelo seu significado etimológico).
NEUZA MACHADO
Para Bachelard, a vontade do pensador se origina do repouso fervilhante. Há uma grande diferença entre o repouso, ato de descansar a mente das paixões cotidianas, e o repouso fervilhante do pensamento (repouso ativado), algo ainda meio vazio, em suspenso, oscilando entre o antes e depois do tempo do pensamento. O indivíduo, consciente de seus pensamentos, adquire o direito de colocar sua inteligência a serviço de fervilhantes questionamentos ou reflexões, os quais poderão ou não renovar as formas ideológicas já instituídas socialmente.
Ao momento que sucede o repouso ativado, início de novas e originais formas de pensamento, Bachelard denomina de juízo de descoberta.
O repouso fervilhante (ou repouso ativado) traduz-se, em princípio, por um esvaziamento da mente em relação aos conceitos usuais, uma reflexão que induz a uma breve imobilidade mental, na qual se acrisolam pensamentos díspares, os quais serão reordenados inversamente em seguida e direcionados para novas e surpreendentes descobertas mentais.
O juízo de descoberta, originário desse repouso ativado, é diferente também do juízo afirmativo, juízo este postulado por Henri Bergson e reavaliado por Gaston Bachelard. O juízo afirmativo, juízo das formas já institucionalizadas, apenas acentua o caráter de uma afirmação. Por exemplo, dois juízos em que o primeiro afirma que uma mesa é branca, apenas deixa transparecer o caráter determinado e direto do juízo exposto; quando se afirma o contrário, ou seja, que a mesa não é branca, observa-se simplesmente o caráter indeterminado e indireto do segundo juízo. O juízo de descoberta modifica os valores da verificação sobre a mesa branca. Ao invés de repetir a cor ou não da mesa, propicia a descoberta de uma singular mesa branca, especialíssima; suscita um debate positivo sobre uma diferente e polêmica mesa branca, gerando espanto, exclamações, discussões, fundados em dúvidas preliminares. Descobre-se enfim a existência de uma especialíssima mesa branca, em meio a tantas e tantas mesas brancas ou não. Galileu, por exemplo, descobriu o movimento da Terra e foi castigado por seu atrevimento.
Ainda acompanhando o raciocínio de Bachelard, as confirmações do juízo afirmativo nem sempre demonstram conhecimento positivo. Tal conhecimento deverá ser observado nas ondulações dos argumentos gerados pela dúvida preliminar (polemizada), tal conhecimento poderá ser constantemente destruído e reconstruído, às vezes nunca terminando a construção, mas, sobretudo, deverá aspirar ao impulso renovador do pensamento transmutativo.
Sobre a filosofia de Henri Bergson, quero esclarecer que Bachelard não a rejeita, em absoluto; apenas utiliza-se dela para desenvolver suas reformulações sobre a questão da duração, reformulações que têm também uma ligação reflexiva com Albert Einstein e Gaston Roupnel, como já foi dito antes. De minha parte, o que apreendi da filosofia de Henri Bergson, sobre a duração, evolou-se de uma reflexão rápida do quarto capítulo de seu livro L'Évolution Creatrice, “Le Devenir Réel et le faux Évolutionisme”; a contra-argumentação é genuinamente de Gaston Bachelard, realçada em suas adesões e críticas ao pensamento do filósofo da metafísica do pleno. Não darei profundidade aos estudos de Bergson por razões estratégicas. Com isto, evitarei uma provável introdução de um elemento novo em minhas teorizações, o que dificultaria o objetivo de meus juízos diferenciados sobre uma entre inúmeras formas de o estudioso da literatura se envolver com o texto literário. Entretanto, as atuais exigências acadêmicas, relativas à interdisciplinaridade, estarão aqui realçadas. Esta inovadora orientação crítico-pedagógica traduz-se como um alerta em face deste recente momento de transição histórico-socio-literário para o Terceiro Milênio.
Depois da intermediação, refletirei sobre a temática dos cogitos propriamente dita, ligando-a, num processo interativo, ao universo literário de Guimarães Rosa, ressaltando os quatro elementos que sustentam a vida (terra, água, fogo e ar), os quais estão presentes na obra roseana sob o predomínio da imaginário criador ativado, alicerçando-a e propiciando, seletivamente, a ascensão do escritor aos cogitos superiores.
Os quatro elementos agirão como degraus e serão eles os responsáveis pela mudança de pensamento do ficcionista de ascendência sertaneja, desde Sagarana (pequenas narrativas experientes, ligadas aos aspectos exteriores do sertão) até a fase final, na qual se detectam a sua ascensão ao plano intermediário (entre o cogito(3) e o cogito(4)) e a posterior concretização de seus pensamentos criativos singulares, originários desse plano incomum. A esta parte intermediária, ligada à temática dos cogitos e aos elementos vitais, chamarei Psicanálise da Criação.
Sobre este título, Psicanálise da Criação, quero esclarecer que o termo surgiu em minhas incursões teóricas ao universo filosófico-psicológico de Bachelard, já que ele se auto-define como psicólogo de livros. Adotei esta terminologia para explicar o terceiro momento da atividade criativa de Guimarães Rosa. Psicanálise da Criação passará a ser, aqui, exclusivamente, o título de um capítulo de minhas explanações teóricas, sem um compromisso interdisciplinar com a Psicanálise do Texto Literário propriamente dita, representando apenas o meu particular método de abordagem, unindo a Ciência da Literatura à filosofia bachelardiana. Este título se fez necessário, porque, procurando desvendar as desordens mentais do moderno (ou pós-moderno?) narrador roseano das últimas fases (Primeiras Estórias, Estas Estórias e Tutaméia), atingi teoricamente a vida psíquica consciente e inconsciente do Artista ficcional brasileiro do século XX, independente de ser ele Guimarães Rosa ou não, preso ao seu próprio tempo histórico desordenado.
(Observação: É importante afirmar e reafirmar sempre que a palavra desordem, realçada aqui e em algumas páginas dos capítulos seguintes, não possui caráter depreciativo. A palavra em questão deverá ser compreendida pelo seu significado etimológico).
MACHADO, Neuza. Do Pensamento Contínuo à Transcendência Formal. Rio de Janeiro: NMachado / ISBN: 85-904306-1-8
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