AS PERSPECTIVAS BACHELARDIANAS
NEUZA MACHADO
Por último, um esclarecimento sobre as quatro perspectivas do pensamento, assinaladas por Bachelard e recuperadas transmutativamente nestas argumentações para o embasamento de meu particular reconhecimento da obra roseana. São elas as perspectivas anulada, dialetizada, maravilhada e de intensidade material infinita, as três últimas ligadas aos aspectos materiais do pensamento, valendo-se, cada uma, numa ordem hierárquica, dos pensamentos formal, material, falado e criador.
A perspectiva anulada estaria simplesmente ligada ao pensamento formal: linear, sintagmático, descritivo. A adjetivação anulada não significa depreciação, significa apenas a forma correta que o filósofo encontrou para nomear a perspectiva do sujeito que olha sempre horizontalmente, sem questionamentos existenciais. A perspectiva anulada reproduz os reflexos exteriores da realidade (as cores e as formas de uma natureza encantadora e sem máculas).
A perspectiva dialetizada, apesar de ainda estar presa ao plano sintagmático, já direciona o olhar questionador, oscilante, para a descoberta do que se oculta na natureza, em outras palavras, é uma perspectiva ligada aos aspectos materiais da realidade (presa oscilatoriamente à imaginação material), caracterizada apenas pelo elemento terra. A visão dialetizada torna-se aguçada, penetrante, propensa a movimentos pendulares, transformando o que se deseja ver em objeto, ou mesmo se colocando no interior desse objeto, para ver com maior nitidez.
A perspectiva maravilhada está intimamente unida à perspectiva dialetizada. Depois do olhar inquisidor e oscilante, ainda linear (perspectiva dialetizada), surge um novo olhar maravilhado, propenso à verticalização do pensamento criador. O sujeito se extasia diante da grandeza que descobre. As minúcias da realidade se dilatam indefinidamente, porque a visão do sujeito começa o seu processo de elevação em direção a um olhar paradigmático, próximo ao individualismo. A perspectiva maravilhada propõe-se então a descrever o interior da matéria observada. Nesse estágio, o observador/sonhador não pára mais de observar/sonhar. Ao alcançar esse estágio, Guimarães Rosa premiou-nos com a sua grande obra Grande Sertão: Veredas.
Posteriormente, submetido à perspectiva substancial infinita, o olhar do sonhador/ intérprete se desprende totalmente do plano horizontal, porque o sujeito já se transformou em indivíduo e já alcançou o estágio da pura intuição. O olhar agora não se prende apenas à descrição das formas da matéria (exteriores e interiores), prende-se à descrição dos movimentos da matéria, detectando imagens novas, criando imagens dinâmicas a partir das imagens estáveis. O olhar móvel e paradigmático propiciará então uma descrição minuciosa das qualidades voláteis da matéria, ou melhor, das matérias que compõem a realidade vital, já que observará, por vários ângulos interativos, as formas antes indefinidas: o fogo, a água e o ar. As obras finais de Guimarães Rosa, a começar de Primeiras Estórias, adquiriram forma ficcional através dessa perspectiva.
Fechando minhas considerações sobre as perspectivas, já poderei afirmar, conscientemente, que as perspectivas dialetizada, maravilhada e a substancial infinita necessitam, no plano narrativo, da contribuição do pensamento formal. No âmbito da ficção, este plano formal do pensamento exigirá do estudioso muita atenção, uma vez que o cogito(1) (pensamento formal, linear), será sempre a base que sustentará os outros patamares dos cogitos verticais. Um texto ficcional vertical, por mais elevado ou profundo que seja, necessitará sempre da sedução das formas, do encanto que emana do pitoresco, para que possa realizar seu objetivo final: receber a atenção do Leitor.
Realçando mais uma vez minhas premissas, limitarei a minha proposta para um interativo posicionamento crítico, brasileiro, a quatro módulos, para o desenvolvimento e fecho de meu objetivo: (a) falar do Artista ficcional Guimarães Rosa e suas faces sociais, de sua obra e matéria eleita; (b) de seu momento de repouso ativado (estado reflexivo situado num tempo suspenso entre o antes e o depois), momento de intermediação que projeta ou não o pensador para uma ascensão aos cogitos superiores; (c) abordar a problemática da psicanálise da criação (os cogitos e os elementos que marcaram a produção literária de Guimarães Rosa, além de sua própria introjeção no seu universo ficcional), problemática esta dialetizada ad infinitum pelo ficcionista, o qual não se desprende em absoluto dos cogitos dois e três, (d) mesmo constatando-se a sua familiaridade com o cogito(4) (a facilidade em transformar o ilógico em lógico, no universo da Ficção-Arte).
O além do cogito(3) fechará minhas elucubrações teóricas sobre o escritor e sua Obra, momento em que procurarei provar que o cogito(4), mesmo sendo um plano de difícil acesso (fora dos limites vitais, no qual poderiam ser incluídos os Loucos e os Visionários), é uma dimensão que foi alcançada, criativamente, pelos escritores brasileiros do século XX. Na impossibilidade de desenvolver um reconhecimento crítico globalizante sobre esses escritores, destacarei um singular intérprete ficcional da realidade interiorana de Minas Gerais, Guimarães Rosa, independente das teorias que o avaliam como narrador de estórias sertanejas.
Para reforçar minhas convicções teóricas, as quais levaram-me a pensar e repensar a forma correta de como sustentar a defesa de meu objetivo central, contei, evidentemente, com a contribuição filosófica de Gaston Bachelard, sobre a duração e sua positividade/negatividade e vice-versa e suas providenciais argumentações sobre as matérias que compõem a vida. Além de Bachelard, assinalarei, também, as contribuições sociológicas de Max Weber e Walter Benjamim, e de outros pensadores e teóricos. Deste modo, pelo ponto de vista da interdisciplinaridade, foi possível detectar tais contribuições sociológicas e, diluídas ao longo destas páginas, as contribuições de vários estudiosos da hermenêutica do texto literário, além de se apreender com clareza minha formação de base semiológica, alicerce analítico para os demais paradigmas críticos da atualidade.
Finalizando, o que se busca nesta Proposição é reconhecer a escalada sócio/mental do Artista brasileiro Guimarães Rosa, nato do sertão e cidadão do mundo, aos cogitos superiores da consciência pura. Depois do reconhecimento, passarei a evidenciar a sua incursão/excursão ao plano intermediário entre o mundo vital e o mundo espiritual e o seu retorno ao plano do cogito(3) do pensamento puro, representado, nas suas últimas fases criativas, por um discurso insolitíssimo (Vazio Criador), beirando os limites frágeis da normalidade.
Neuza Machado (Doutora e Mestre em Ciência da Literatura / Teoria Literária - Formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro)
MACHADO, Neuza. Do Pensamento Contínuo à Transcendência Formal. Rio de Janeiro: NMachado / ISBN: 85-904306-1-8
NEUZA MACHADO
Por último, um esclarecimento sobre as quatro perspectivas do pensamento, assinaladas por Bachelard e recuperadas transmutativamente nestas argumentações para o embasamento de meu particular reconhecimento da obra roseana. São elas as perspectivas anulada, dialetizada, maravilhada e de intensidade material infinita, as três últimas ligadas aos aspectos materiais do pensamento, valendo-se, cada uma, numa ordem hierárquica, dos pensamentos formal, material, falado e criador.
A perspectiva anulada estaria simplesmente ligada ao pensamento formal: linear, sintagmático, descritivo. A adjetivação anulada não significa depreciação, significa apenas a forma correta que o filósofo encontrou para nomear a perspectiva do sujeito que olha sempre horizontalmente, sem questionamentos existenciais. A perspectiva anulada reproduz os reflexos exteriores da realidade (as cores e as formas de uma natureza encantadora e sem máculas).
A perspectiva dialetizada, apesar de ainda estar presa ao plano sintagmático, já direciona o olhar questionador, oscilante, para a descoberta do que se oculta na natureza, em outras palavras, é uma perspectiva ligada aos aspectos materiais da realidade (presa oscilatoriamente à imaginação material), caracterizada apenas pelo elemento terra. A visão dialetizada torna-se aguçada, penetrante, propensa a movimentos pendulares, transformando o que se deseja ver em objeto, ou mesmo se colocando no interior desse objeto, para ver com maior nitidez.
A perspectiva maravilhada está intimamente unida à perspectiva dialetizada. Depois do olhar inquisidor e oscilante, ainda linear (perspectiva dialetizada), surge um novo olhar maravilhado, propenso à verticalização do pensamento criador. O sujeito se extasia diante da grandeza que descobre. As minúcias da realidade se dilatam indefinidamente, porque a visão do sujeito começa o seu processo de elevação em direção a um olhar paradigmático, próximo ao individualismo. A perspectiva maravilhada propõe-se então a descrever o interior da matéria observada. Nesse estágio, o observador/sonhador não pára mais de observar/sonhar. Ao alcançar esse estágio, Guimarães Rosa premiou-nos com a sua grande obra Grande Sertão: Veredas.
Posteriormente, submetido à perspectiva substancial infinita, o olhar do sonhador/ intérprete se desprende totalmente do plano horizontal, porque o sujeito já se transformou em indivíduo e já alcançou o estágio da pura intuição. O olhar agora não se prende apenas à descrição das formas da matéria (exteriores e interiores), prende-se à descrição dos movimentos da matéria, detectando imagens novas, criando imagens dinâmicas a partir das imagens estáveis. O olhar móvel e paradigmático propiciará então uma descrição minuciosa das qualidades voláteis da matéria, ou melhor, das matérias que compõem a realidade vital, já que observará, por vários ângulos interativos, as formas antes indefinidas: o fogo, a água e o ar. As obras finais de Guimarães Rosa, a começar de Primeiras Estórias, adquiriram forma ficcional através dessa perspectiva.
Fechando minhas considerações sobre as perspectivas, já poderei afirmar, conscientemente, que as perspectivas dialetizada, maravilhada e a substancial infinita necessitam, no plano narrativo, da contribuição do pensamento formal. No âmbito da ficção, este plano formal do pensamento exigirá do estudioso muita atenção, uma vez que o cogito(1) (pensamento formal, linear), será sempre a base que sustentará os outros patamares dos cogitos verticais. Um texto ficcional vertical, por mais elevado ou profundo que seja, necessitará sempre da sedução das formas, do encanto que emana do pitoresco, para que possa realizar seu objetivo final: receber a atenção do Leitor.
Realçando mais uma vez minhas premissas, limitarei a minha proposta para um interativo posicionamento crítico, brasileiro, a quatro módulos, para o desenvolvimento e fecho de meu objetivo: (a) falar do Artista ficcional Guimarães Rosa e suas faces sociais, de sua obra e matéria eleita; (b) de seu momento de repouso ativado (estado reflexivo situado num tempo suspenso entre o antes e o depois), momento de intermediação que projeta ou não o pensador para uma ascensão aos cogitos superiores; (c) abordar a problemática da psicanálise da criação (os cogitos e os elementos que marcaram a produção literária de Guimarães Rosa, além de sua própria introjeção no seu universo ficcional), problemática esta dialetizada ad infinitum pelo ficcionista, o qual não se desprende em absoluto dos cogitos dois e três, (d) mesmo constatando-se a sua familiaridade com o cogito(4) (a facilidade em transformar o ilógico em lógico, no universo da Ficção-Arte).
O além do cogito(3) fechará minhas elucubrações teóricas sobre o escritor e sua Obra, momento em que procurarei provar que o cogito(4), mesmo sendo um plano de difícil acesso (fora dos limites vitais, no qual poderiam ser incluídos os Loucos e os Visionários), é uma dimensão que foi alcançada, criativamente, pelos escritores brasileiros do século XX. Na impossibilidade de desenvolver um reconhecimento crítico globalizante sobre esses escritores, destacarei um singular intérprete ficcional da realidade interiorana de Minas Gerais, Guimarães Rosa, independente das teorias que o avaliam como narrador de estórias sertanejas.
Para reforçar minhas convicções teóricas, as quais levaram-me a pensar e repensar a forma correta de como sustentar a defesa de meu objetivo central, contei, evidentemente, com a contribuição filosófica de Gaston Bachelard, sobre a duração e sua positividade/negatividade e vice-versa e suas providenciais argumentações sobre as matérias que compõem a vida. Além de Bachelard, assinalarei, também, as contribuições sociológicas de Max Weber e Walter Benjamim, e de outros pensadores e teóricos. Deste modo, pelo ponto de vista da interdisciplinaridade, foi possível detectar tais contribuições sociológicas e, diluídas ao longo destas páginas, as contribuições de vários estudiosos da hermenêutica do texto literário, além de se apreender com clareza minha formação de base semiológica, alicerce analítico para os demais paradigmas críticos da atualidade.
Finalizando, o que se busca nesta Proposição é reconhecer a escalada sócio/mental do Artista brasileiro Guimarães Rosa, nato do sertão e cidadão do mundo, aos cogitos superiores da consciência pura. Depois do reconhecimento, passarei a evidenciar a sua incursão/excursão ao plano intermediário entre o mundo vital e o mundo espiritual e o seu retorno ao plano do cogito(3) do pensamento puro, representado, nas suas últimas fases criativas, por um discurso insolitíssimo (Vazio Criador), beirando os limites frágeis da normalidade.
Neuza Machado (Doutora e Mestre em Ciência da Literatura / Teoria Literária - Formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro)
MACHADO, Neuza. Do Pensamento Contínuo à Transcendência Formal. Rio de Janeiro: NMachado / ISBN: 85-904306-1-8
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