O plano da consciência pura aparecerá, para os que não o entendem, como uma vontade de nada fazer, e é algo assim, porque, na verdade, a consciência já individualizada não vai fazer nada, enquanto não for a sua vez de fazer algo, o seu momento de bem fazer alguma coisa.
E foi esta consciência privilegiada que fez o escritor Guimarães Rosa mudar a face-fase de seu narrador em A hora e vez de Augusto Matraga, última narrativa do corpus de Sagarana (1946). Esta narrativa cronologicamente poderia inserir-se no momento agudo da conscientização de subdesenvolvimento e, consequentemente, transmitir as características que marcaram essa tomada de consciência, mas, felizmente, ao longo do narrado, tais influências não são detectadas. Mudando a forma de narrar, o escritor colocou em evidência seus próprios objetivos individuais de homem que alcançou um plano elevado dentro dos vários patamares que compõem o pensamento individual. Seus narradores, a partir daquele momento, deixaram de agir impulsionados pelo elan vital (arrebatamento súbito e efêmero), apropriando-se da inteligência de quem os criou e deu-lhes forma ficcional. Os narradores roseanos assumiram a inteligência do ficcionista sertanejo, questionaram, argumentaram, refletiram sobre os acontecimentos da própria narrativa e sobre a direção que deveriam seguir, orientando os impulsos criadores que partiam do próprio escritor. Assim, Nhô Augusto, o personagem central, ao longo da narrativa, pode encantar-se com as minúcias da natureza, enquanto o narrador poetizava ficcionalmente o sertão. O narrador, apropriando-se da função especulativa do escritor, criou um mundo diferente, um sertão diferente, embalado pelo prazer de estar ancorado numa dimensão particular, auto-reflexiva, pouco se incomodando com as opiniões externas. O narrador, por meio do ficcionista, escolheu falar de um sertão muito particular, suspenso em um momento no qual o antes não contava e o que viria, em termos históricos, também não.
O ficcionista ― já no patamar da consciência pura e bem amparado pelo livre-arbítrio ― intuiu o momento da manifestação do narrador suprafísico suplantando o narrador experiente. Esperou, enquanto se posicionava como contador de estórias sertanejas (as narrativas de Sagarana que antecedem A hora e vez de Augusto Matraga), a oportunidade de se libertar ficcionalmente das pressões do mundo circundante. No plano da consciência particular, já não lhe importava mais o julgamento do mundo em relação à sua criatividade, e, assim, fez sucesso (ainda faz) e passou a ser reconhecido como grande escritor. O sertão nascido do eu consciente do escritor mineiro esteve, está e estará para sempre imune às críticas depreciativas do meio social. Um espaço de substâncias interioranas, que sempre foi depreciado pelas elites citadinas, veio à luz, em forma de narrativa, sob a égide de uma consciência auto-reflexiva convencida (sem nenhuma depreciação crítica: “muito convencida”) do próprio valor, e que não se incomodou em se dizer sertaneja (ou caipira), mesmo tendo alcançado outros graus (altíssimos) no plano das exigências sociais.
E foi esta consciência privilegiada que fez o escritor Guimarães Rosa mudar a face-fase de seu narrador em A hora e vez de Augusto Matraga, última narrativa do corpus de Sagarana (1946). Esta narrativa cronologicamente poderia inserir-se no momento agudo da conscientização de subdesenvolvimento e, consequentemente, transmitir as características que marcaram essa tomada de consciência, mas, felizmente, ao longo do narrado, tais influências não são detectadas. Mudando a forma de narrar, o escritor colocou em evidência seus próprios objetivos individuais de homem que alcançou um plano elevado dentro dos vários patamares que compõem o pensamento individual. Seus narradores, a partir daquele momento, deixaram de agir impulsionados pelo elan vital (arrebatamento súbito e efêmero), apropriando-se da inteligência de quem os criou e deu-lhes forma ficcional. Os narradores roseanos assumiram a inteligência do ficcionista sertanejo, questionaram, argumentaram, refletiram sobre os acontecimentos da própria narrativa e sobre a direção que deveriam seguir, orientando os impulsos criadores que partiam do próprio escritor. Assim, Nhô Augusto, o personagem central, ao longo da narrativa, pode encantar-se com as minúcias da natureza, enquanto o narrador poetizava ficcionalmente o sertão. O narrador, apropriando-se da função especulativa do escritor, criou um mundo diferente, um sertão diferente, embalado pelo prazer de estar ancorado numa dimensão particular, auto-reflexiva, pouco se incomodando com as opiniões externas. O narrador, por meio do ficcionista, escolheu falar de um sertão muito particular, suspenso em um momento no qual o antes não contava e o que viria, em termos históricos, também não.
O ficcionista ― já no patamar da consciência pura e bem amparado pelo livre-arbítrio ― intuiu o momento da manifestação do narrador suprafísico suplantando o narrador experiente. Esperou, enquanto se posicionava como contador de estórias sertanejas (as narrativas de Sagarana que antecedem A hora e vez de Augusto Matraga), a oportunidade de se libertar ficcionalmente das pressões do mundo circundante. No plano da consciência particular, já não lhe importava mais o julgamento do mundo em relação à sua criatividade, e, assim, fez sucesso (ainda faz) e passou a ser reconhecido como grande escritor. O sertão nascido do eu consciente do escritor mineiro esteve, está e estará para sempre imune às críticas depreciativas do meio social. Um espaço de substâncias interioranas, que sempre foi depreciado pelas elites citadinas, veio à luz, em forma de narrativa, sob a égide de uma consciência auto-reflexiva convencida (sem nenhuma depreciação crítica: “muito convencida”) do próprio valor, e que não se incomodou em se dizer sertaneja (ou caipira), mesmo tendo alcançado outros graus (altíssimos) no plano das exigências sociais.
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