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domingo, 3 de janeiro de 2010

TRABALHADORES SERINGUEIROS





TRABALHADORES SERINGUEIROS

NEUZA MACHADO



Tio Genaro e Antônio: Personagens Mediadores entre o Social e o Mítico



Mas não disse que vinha à procura de Tio Genaro e meu irmão Antônio, aviados no Manixi. Não. Pois eles tinham sido trabalhadores seringueiros do Rio Jantiatuba, no Seringal Pixuna, a 1.270 milhas da cidade de Manaus, onde anos depois naufragaria o Alfredo. Eles freqüentaram o Rio Eiru, numa volta quase em sacado, e dali partiram em chata, barco e igarité até ao Rio Gregório, onde trabalharam para os franceses, e de lá partiram para o Rio Um, para o Paraná da Arrependida, aviados livres que eram, subindo o Tarauacá até o ponto onde dizem foi morto o filho de Euclides da Cunha, que delegado era, numa sublevação de seringueiros. Depois viajaram. E foram para o Riozinho do Leonel, seguiram para o Tejo, pelo Breu, pelo belo Igarapé Corumbam – o magnífico! –, pelo Hudson, pelo Paraná Pixuna, o Moa, o Juruá-mirim até o Paraná Ouro Preto onde, pelo Paraná das Minas entraram pelo Amônea, chegando ao Paraná dos Numas, perto do Paraná São João e de um furo sem nome que vai dar num lugar desconhecido. E lá, foi lá que eles encontraram o barco que seguia para o Igarapé do Inferno e que os deixou no Manixi, onde amansaram, no Acre, aviados do dono do seringal (O Amante das Amazonas).

Qual é a importância destes dois personagens no fluxo narrativo rogeliano? O tio Genaro e o irmão Antônio aparecem/apareceram e desaparecem/desapareceram rapidamente, mas, mesmo assim, eles não obstam, em seus rastros, a razão de suas presenças. Por algum motivo, apenas do conhecimento do criador ficcional, ali se materializam. Assim é o narrador pós-moderno/pós-modernista de Segunda Geração. A narrativa terá de acontecer ao longo da ímpar criatividade de quem escreve. Nesta renovada forma de narrar, não há personagens importantes ou personagens secundários, como nas narrativas das estéticas anteriores. Em verdade, todos os personagens são importantes, mesmo os que aparecem esporadicamente. Por um processo de apreensão ficcional gradativo, único, o narrador-personagem vai compondo enredadamente a trama. O primeiro narrador, auxiliado pelo segundo, é o essencial personagem de uma nova forma narrativa, aquele que jamais se deixará envolver nas malhas do relato tedioso. Os outros personagens são incontestavelmente adjuvantes, mas nem por isto deixarão de revelar reconhecida importância. Poderão sair da cena, mas, enquanto personagens-atuantes, mesmo por breves momentos, deixarão suas marcas no leitor. É importante esclarecer que todos os personagens rogelianos, independentes de suas atuações, sejam elas permanentes ou breves, continuarão a “incomodar”, indefinidamente, o leitor que se propuser a desvendá-los, seja o leitor do momento ou o leitor do futuro.

Genaro e Antônio são personagens insubstituíveis no fluxo narrativo deste romance pós-moderno. Enquanto personagens adstritos ao plano das probabilidades vitais (o que os teóricos da literatura nomeiam como verossimilhança), eles existiram. São eles os representantes ficcionais de todos os tios e irmãos que saíram da região nordestina da seca, lugar em que os longos períodos de estiagem transformam os sertanejos em retirantes. Mas, são também os que possuem a chave, para que o primeiro narrador Ribamar possa penetrar na misteriosa Floresta Amazonense. O segundo narrador (ou, pelo meu ponto de vista, o verdadeiro narrador), naquela primeira etapa narrativa, está ali, nas entrelinhas, desde o início, guiando os passos de seu personagem. Não há como se aventurar em terras estranhas sem um precursor. Haverá sempre um pioneiro para abrir o caminho até ao centro do enigmático ambiente. Por exemplo, Ferreira de Castro, para escrever o seu romance neo-realista A Selva, teve de sair de Portugal para o Brasil, para o Amazonas, acreditando, com esta decisão, que o tio, um comerciante da borracha que ali residia, o ajudaria a se transformar em um homem rico.


MACHADO, Neuza. O Fogo da Labareda da Serpente: Sobre O Amante das Amazonas de Rogel Samuel

Um comentário:

  1. A vida é curiosa: pouco romances obtiveram um trabalho de hermenêutica tão minuciosa quanto "O amante das amazonas"que tenho a impressão foi escrito para NEUZA MACHADO, com exclusividade, investigar criticamente. Não houve nenhum passo ou ponto deixado sem explicação, sem explicitação. Cada passo do texto foi disseminado. A crítica é melhor do que o texto criticado.

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