NEUZA MACHADO
No intuito de construir um ponto de vista teórico-crítico centralizado no próprio texto, penso a narrativa ficcional A hora e vez de Augusto Matraga de Guimarães Rosa partindo do processo literário de criação: a técnica do Artista, seu método de execução de trabalho, a forma de apreender o Histórico e de transformá-lo em realidade ficcional.
Segundo Anazildo Vasconcelos:
Na narrativa de semiotização do acontecimento, a identidade do personagem com o espaço é rompida por um acontecimento, cuja lógica significativa, aliada ao fio narrativo, submete espaço e personagem à logicidade estrutural da proposição de realidade ficcional. Desarticulados, personagem e espaço tornam-se impotentes diante do acontecimento. Incapazes de reduzirem-no às suas lógicas significantes respectivas, não conseguem recuperar a imagem do mundo estruturada, anterior ao acontecimento, e restabelecer a identidade perdida.[1]
Ao desenvolver um modelo de trabalho, constatei que a narrativa se encaixava, em termos de padrões narrativos, na narrativa de semiotização do acontecimento, de acordo com as observações teórico/semiológicas de Anazildo Vasconcelos, porque todo o sentido desta narrativa roseana se estrutura a partir de um acontecimento que vem abalar o aparentemente sólido posicionamento sócio-substancial do personagem principal. Nhô Augusto comanda seu espaço vivencial e este, por sua vez, submete-se às suas exigências. Senhor absoluto de um pequeno lugarejo do sertão, o personagem se encontra, nas primeiras linhas, em toda a sua plenitude. Destaca-se como figura respeitada, temida, amada (observar, por exemplo, as atitudes servis do personagem Quim Recadeiro) e odiada, dando a impressão, em princípio, de colocar-se como representante de narrativa de personagem (característica de narrativa romântica). Esta impressão é desfeita nas sequências seguintes em virtude do Inesperado que se avizinha, e que sujeitará o personagem à lógica do acontecimento.
A mola propulsora que desencadeia o desmoronamento sócio-substancial e vivencial do personagem se situa a partir de um leilão de atrás de igreja, no arraial da Virgem Nossa Senhora das Dores do Córrego do Murici.[2] Este leilão é o acontecimento, cuja lógica significante, aliada ao fio narrativo, submete espaço e personagem à logicidade estrutural da proposição de realidade ficcional.[3] Esta assertiva de Anazildo Vasconcelos esclarece e embasa-me, quando passo a observar gradativamente o jogo discursivo do narrador, no qual se observa, após a queda do personagem Nhô Augusto, a imposição provisória do espaço (o personagem é punido e se submete temporariamente aos limites impostos), a tentativa de emancipação, o conflito (personagem versus espaço) que se instaura a partir da chegada do Tião, trazendo notícias que ninguém não tinha pedido (op. cit.: 26) - ou seja, a lógica do acontecimento sujeitando espaço e personagem -, a chegada do bando de seu Joãozinho Bem-Bem significando o imprevisto dentro da narrativa, o convite de seu Joãozinho a Nhô Augusto, para que se amadrinhasse com o seu bando, o desejo de aceitar e o medo de ser castigado (p. 38), e, por último, a reemancipação, que não se efetua em termos de narrativa de personagem, porque, mesmo atingindo a plenitude, por meio de uma morte gloriosa, santificada, termina sob a imposição da lógica do acontecimento.
O personagem, ao retornar, visava a sua reestruturação social. Se antes, enquanto carismático, repetia sua jaculatória, tendo por finalidade unicamente a sua entrada no céu depois da morte, agora, que a submissão havia sido superada, destaca-se em toda a sua plenitude como ser social. Percebe-se, nas páginas 38 e 40, que o personagem passa a comandar suas ações, porque o narrador será, de agora em diante, senhor absoluto do seu ato de narrar, mesmo desconhecendo os rumos de sua narrativa.
E somente por hábito, quase, era que ia repetindo: — Cada um tem a sua hora, e há de chegar a minha vez!
Tanto assim, que nem escolhia, para dizer isso, as horas certas, às três horas fortes do dia, em que os anjos escutam e dizem amém...[4]
Ele que já não olhava para o bom parecer das mulheres retornava ao antigo hábito: Do outro lado da cerca, passou uma rapariga. Bonita! Todas as mulheres eram bonitas. Todo anjo do céu devia ser mulher.[5] Esta citação prova que o personagem pretende recuperar seus poderes sócio-substanciais: a fé sofre modificações. O narrador, alter ego de quem escreve, a observa através de seu próprio ponto de vista. Mas o imprevisto, submetido às lembranças, está presente, pronto para agir, e isto só se faz visível extratexto, por intermédio dos estranhamentos lingüísticos, não em nível narrativo.
A propósito, destaco uma observação de Anazildo, a respeito do Realismo Mágico, resguardando a diferença de que a narrativa em questão não se situa dentro desta modalidade, mas, como base de apreensão teórica, o processo é idêntico.
A imagem de mundo só é percebida como absurda, ou anormal, de fora, interpretativamente, por quem guarda uma outra experiência existencial.[6]
No início da página 41 até o final há estranhamentos ao nível do discurso, e isto comprova o desejo do narrador de interferir em sua narrativa, para que esta não se situe como reprodução da realidade.
Por uma perspectiva simplista, poderia afirmar que esta narrativa de Guimarães Rosa é realista, por procurar marcar o tradicional, o regional, por intermédio do método de contar estórias, mas não poderei fazer tal afirmativa, em virtude de a mesma romper com seus limites, por meio de um manejo lingüístico complexo, ao nível da estrutura narrativa. Por este prisma, o próprio narrador agencia o insólito, utilizando-se de um estranhamento lingüístico que foge aos padrões normais de uma narrativa de informação.
Por meio desses estranhamentos — o envolvimento do narrador com a matéria narrada, seus questionamentos, assombros, sua própria surpresa diante dos imprevistos, sua atitude de cúmplice com o leitor, o que normalmente seria o inverso — a lógica do acontecimento atua e o que aparentemente é uma vitória do personagem, nada mais é do que a vitória do acontecimento.
O narrador se surpreende e questiona o próprio discurso (p. 41), procurando compreender e decifrar a desordem mental (característica do narrador do século XX) em que se acha envolvido; assim passa a agir como experimentalista, buscando novas formas de apresentar o seu discurso ficcional, e estes sinais demonstram que, a partir daí, a sua própria lógica passará a atuar, e não a do personagem. O acontecimento, de ora em diante, será a força energética que estruturará o ato de narrar. Se a lógica do personagem atuasse deveras, até o final da narrativa, como em princípio se supõe, ele direcionaria seus impulsos existenciais, e não é isto o que se observa.
Quando ele encostou a enxada e veio andando para a porta da cozinha, ainda não possuía idéia alguma do que ia fazer. Mas, dali a pouco, nada adiantavam, para retê-lo, os rogos reunidos de mãe preta Quitéria e de pai preto Serapião.[7]
Seu retorno é pautado por um discurso intrincado, centrado no significante. Já não se observa mais a linguagem comum da ficção linear. O personagem fez sua viagem de volta ao sabor do acaso, e este acaso se estrutura a partir das divagações poéticas do narrador (matéria lírica interagindo com a matéria da narrativa em prosa). É um discurso revelador de ambigüidades e conotações — os quais caracterizam o discurso poético —, descrições de cenas pictóricas, cantigas, exclamações, interrogações, provérbios.
Entre marchas e contramarchas (de Nhô Augusto e do narrador),
(...) somada as léguas e deduzidos os desvios, vinham eles sempre para o sul, na direção das maitacas viajoras. Agora, amiudava-se o aparecimento de pessoas – mais ranchos, mais casas, povoados, fazendas; depois, arraiais, brotando do chão. E então, de repente, estiveram a muito pouca distância do arraial do Murici.[8]
No desenrolar dos acontecimentos, o personagem esperara sua hora e vez por meio da lógica do espaço (sua fé religiosa), e posteriormente por intermédio da lógica do personagem (o desejo de reestruturar-se). O arraial do Murici, povoado onde se inicia o desequilíbrio existencial de Nhô Augusto, teria de ser o cenário no qual se daria a sua recuperação, porque o dito arraial, no plano narrativo, representa e concentra os problemas da modernidade. O retorno não se efetua, porque a lógica do acontecimento oferece novos imprevistos ficcionais. Esses imprevistos são sempre estruturados a partir do personagem (nitidamente ficcional) Joãozinho Bem-Bem.
Quase chegando ao seu arraial de origem, Nhô Augusto é levado, por sua montaria, ao arraial do Rala-Coco, onde havia, no momento, uma agitação assustada de povo (p. 44). Há o reencontro com seu Joãozinho e a jagunçada; há a reafirmação do convite; há o desejo de aceitar; mas há também a recusa, por saber que, por ter vivenciado e se ligado a valores espirituais, continuava preso à sua promessa. Posso dizer, pelo ponto de vista da interpretação extratexto, que sua hora e vez teria de chegar, mas sem que abdicasse de todas as formas de poder que conhecera em sua vida.
Os outros imprevistos são a notícia da morte do Juruminho, a chegada do velho desvalido e a defesa instintiva de Nhô Augusto — fatos que colaboram para que o desfecho se situe dentro dos desígnios do acontecimento. O personagem e o espaço se submetem à logicidade estrutural da proposição de realidade ficcional reivindicada pelo momento histórico (cf. Anazildo Vasconcelos, op. cit.). Por último, como elemento desencadeador do conflito final, visualiza-se a figura do jagunço Teófilo Sussuarana agindo impensadamente e destruindo a possibilidade de reestruturação.
Joãozinho Bem-Bem se sentia preso a Nhô Augusto por uma simpatia poderosa, e ele nesse ponto era bem assistido, sabendo prever a viragem dos climas e conhecendo por instinto as grandes coisas. Mas Teófilo Sussuarana era bronco, excessivamente bronco, e caminhou para cima de Nhô Augusto. Na sua voz: — Epa! Nomopadrofilhospritossantamêin! Avança, cambada de filhos-da-mãe, que chegou minha vez!...[9]
Sua hora e vez — e esta frase é o ponto básico da narrativa — chega inesperadamente. O personagem só se dá conta de que sua vez chegara na hora da luta. Teófilo Sussuarana se destaca como elemento de interseção, agenciador do acontecimento. Há a luta entre Nhô Augusto e Joãozinho Bem-Bem. Os dois personagens morrem em condições idênticas. Não há vencedores. Ambos serão enterrados em chão sagrado, ou seja, ficcional.
[1] SILVA (1984): 72.
[2] ROSA (1986): 7
[3] SILVA (1984): 72
[4] ROSA (1986): 39
[5] Ibidem: 40
[6] SILVA (1984): 80
[7] ROSA (1986): 41
[8] Ibidem: 44
[9] Ibidem: 49
Segundo Anazildo Vasconcelos:
Na narrativa de semiotização do acontecimento, a identidade do personagem com o espaço é rompida por um acontecimento, cuja lógica significativa, aliada ao fio narrativo, submete espaço e personagem à logicidade estrutural da proposição de realidade ficcional. Desarticulados, personagem e espaço tornam-se impotentes diante do acontecimento. Incapazes de reduzirem-no às suas lógicas significantes respectivas, não conseguem recuperar a imagem do mundo estruturada, anterior ao acontecimento, e restabelecer a identidade perdida.[1]
Ao desenvolver um modelo de trabalho, constatei que a narrativa se encaixava, em termos de padrões narrativos, na narrativa de semiotização do acontecimento, de acordo com as observações teórico/semiológicas de Anazildo Vasconcelos, porque todo o sentido desta narrativa roseana se estrutura a partir de um acontecimento que vem abalar o aparentemente sólido posicionamento sócio-substancial do personagem principal. Nhô Augusto comanda seu espaço vivencial e este, por sua vez, submete-se às suas exigências. Senhor absoluto de um pequeno lugarejo do sertão, o personagem se encontra, nas primeiras linhas, em toda a sua plenitude. Destaca-se como figura respeitada, temida, amada (observar, por exemplo, as atitudes servis do personagem Quim Recadeiro) e odiada, dando a impressão, em princípio, de colocar-se como representante de narrativa de personagem (característica de narrativa romântica). Esta impressão é desfeita nas sequências seguintes em virtude do Inesperado que se avizinha, e que sujeitará o personagem à lógica do acontecimento.
A mola propulsora que desencadeia o desmoronamento sócio-substancial e vivencial do personagem se situa a partir de um leilão de atrás de igreja, no arraial da Virgem Nossa Senhora das Dores do Córrego do Murici.[2] Este leilão é o acontecimento, cuja lógica significante, aliada ao fio narrativo, submete espaço e personagem à logicidade estrutural da proposição de realidade ficcional.[3] Esta assertiva de Anazildo Vasconcelos esclarece e embasa-me, quando passo a observar gradativamente o jogo discursivo do narrador, no qual se observa, após a queda do personagem Nhô Augusto, a imposição provisória do espaço (o personagem é punido e se submete temporariamente aos limites impostos), a tentativa de emancipação, o conflito (personagem versus espaço) que se instaura a partir da chegada do Tião, trazendo notícias que ninguém não tinha pedido (op. cit.: 26) - ou seja, a lógica do acontecimento sujeitando espaço e personagem -, a chegada do bando de seu Joãozinho Bem-Bem significando o imprevisto dentro da narrativa, o convite de seu Joãozinho a Nhô Augusto, para que se amadrinhasse com o seu bando, o desejo de aceitar e o medo de ser castigado (p. 38), e, por último, a reemancipação, que não se efetua em termos de narrativa de personagem, porque, mesmo atingindo a plenitude, por meio de uma morte gloriosa, santificada, termina sob a imposição da lógica do acontecimento.
O personagem, ao retornar, visava a sua reestruturação social. Se antes, enquanto carismático, repetia sua jaculatória, tendo por finalidade unicamente a sua entrada no céu depois da morte, agora, que a submissão havia sido superada, destaca-se em toda a sua plenitude como ser social. Percebe-se, nas páginas 38 e 40, que o personagem passa a comandar suas ações, porque o narrador será, de agora em diante, senhor absoluto do seu ato de narrar, mesmo desconhecendo os rumos de sua narrativa.
E somente por hábito, quase, era que ia repetindo: — Cada um tem a sua hora, e há de chegar a minha vez!
Tanto assim, que nem escolhia, para dizer isso, as horas certas, às três horas fortes do dia, em que os anjos escutam e dizem amém...[4]
Ele que já não olhava para o bom parecer das mulheres retornava ao antigo hábito: Do outro lado da cerca, passou uma rapariga. Bonita! Todas as mulheres eram bonitas. Todo anjo do céu devia ser mulher.[5] Esta citação prova que o personagem pretende recuperar seus poderes sócio-substanciais: a fé sofre modificações. O narrador, alter ego de quem escreve, a observa através de seu próprio ponto de vista. Mas o imprevisto, submetido às lembranças, está presente, pronto para agir, e isto só se faz visível extratexto, por intermédio dos estranhamentos lingüísticos, não em nível narrativo.
A propósito, destaco uma observação de Anazildo, a respeito do Realismo Mágico, resguardando a diferença de que a narrativa em questão não se situa dentro desta modalidade, mas, como base de apreensão teórica, o processo é idêntico.
A imagem de mundo só é percebida como absurda, ou anormal, de fora, interpretativamente, por quem guarda uma outra experiência existencial.[6]
No início da página 41 até o final há estranhamentos ao nível do discurso, e isto comprova o desejo do narrador de interferir em sua narrativa, para que esta não se situe como reprodução da realidade.
Por uma perspectiva simplista, poderia afirmar que esta narrativa de Guimarães Rosa é realista, por procurar marcar o tradicional, o regional, por intermédio do método de contar estórias, mas não poderei fazer tal afirmativa, em virtude de a mesma romper com seus limites, por meio de um manejo lingüístico complexo, ao nível da estrutura narrativa. Por este prisma, o próprio narrador agencia o insólito, utilizando-se de um estranhamento lingüístico que foge aos padrões normais de uma narrativa de informação.
Por meio desses estranhamentos — o envolvimento do narrador com a matéria narrada, seus questionamentos, assombros, sua própria surpresa diante dos imprevistos, sua atitude de cúmplice com o leitor, o que normalmente seria o inverso — a lógica do acontecimento atua e o que aparentemente é uma vitória do personagem, nada mais é do que a vitória do acontecimento.
O narrador se surpreende e questiona o próprio discurso (p. 41), procurando compreender e decifrar a desordem mental (característica do narrador do século XX) em que se acha envolvido; assim passa a agir como experimentalista, buscando novas formas de apresentar o seu discurso ficcional, e estes sinais demonstram que, a partir daí, a sua própria lógica passará a atuar, e não a do personagem. O acontecimento, de ora em diante, será a força energética que estruturará o ato de narrar. Se a lógica do personagem atuasse deveras, até o final da narrativa, como em princípio se supõe, ele direcionaria seus impulsos existenciais, e não é isto o que se observa.
Quando ele encostou a enxada e veio andando para a porta da cozinha, ainda não possuía idéia alguma do que ia fazer. Mas, dali a pouco, nada adiantavam, para retê-lo, os rogos reunidos de mãe preta Quitéria e de pai preto Serapião.[7]
Seu retorno é pautado por um discurso intrincado, centrado no significante. Já não se observa mais a linguagem comum da ficção linear. O personagem fez sua viagem de volta ao sabor do acaso, e este acaso se estrutura a partir das divagações poéticas do narrador (matéria lírica interagindo com a matéria da narrativa em prosa). É um discurso revelador de ambigüidades e conotações — os quais caracterizam o discurso poético —, descrições de cenas pictóricas, cantigas, exclamações, interrogações, provérbios.
Entre marchas e contramarchas (de Nhô Augusto e do narrador),
(...) somada as léguas e deduzidos os desvios, vinham eles sempre para o sul, na direção das maitacas viajoras. Agora, amiudava-se o aparecimento de pessoas – mais ranchos, mais casas, povoados, fazendas; depois, arraiais, brotando do chão. E então, de repente, estiveram a muito pouca distância do arraial do Murici.[8]
No desenrolar dos acontecimentos, o personagem esperara sua hora e vez por meio da lógica do espaço (sua fé religiosa), e posteriormente por intermédio da lógica do personagem (o desejo de reestruturar-se). O arraial do Murici, povoado onde se inicia o desequilíbrio existencial de Nhô Augusto, teria de ser o cenário no qual se daria a sua recuperação, porque o dito arraial, no plano narrativo, representa e concentra os problemas da modernidade. O retorno não se efetua, porque a lógica do acontecimento oferece novos imprevistos ficcionais. Esses imprevistos são sempre estruturados a partir do personagem (nitidamente ficcional) Joãozinho Bem-Bem.
Quase chegando ao seu arraial de origem, Nhô Augusto é levado, por sua montaria, ao arraial do Rala-Coco, onde havia, no momento, uma agitação assustada de povo (p. 44). Há o reencontro com seu Joãozinho e a jagunçada; há a reafirmação do convite; há o desejo de aceitar; mas há também a recusa, por saber que, por ter vivenciado e se ligado a valores espirituais, continuava preso à sua promessa. Posso dizer, pelo ponto de vista da interpretação extratexto, que sua hora e vez teria de chegar, mas sem que abdicasse de todas as formas de poder que conhecera em sua vida.
Os outros imprevistos são a notícia da morte do Juruminho, a chegada do velho desvalido e a defesa instintiva de Nhô Augusto — fatos que colaboram para que o desfecho se situe dentro dos desígnios do acontecimento. O personagem e o espaço se submetem à logicidade estrutural da proposição de realidade ficcional reivindicada pelo momento histórico (cf. Anazildo Vasconcelos, op. cit.). Por último, como elemento desencadeador do conflito final, visualiza-se a figura do jagunço Teófilo Sussuarana agindo impensadamente e destruindo a possibilidade de reestruturação.
Joãozinho Bem-Bem se sentia preso a Nhô Augusto por uma simpatia poderosa, e ele nesse ponto era bem assistido, sabendo prever a viragem dos climas e conhecendo por instinto as grandes coisas. Mas Teófilo Sussuarana era bronco, excessivamente bronco, e caminhou para cima de Nhô Augusto. Na sua voz: — Epa! Nomopadrofilhospritossantamêin! Avança, cambada de filhos-da-mãe, que chegou minha vez!...[9]
Sua hora e vez — e esta frase é o ponto básico da narrativa — chega inesperadamente. O personagem só se dá conta de que sua vez chegara na hora da luta. Teófilo Sussuarana se destaca como elemento de interseção, agenciador do acontecimento. Há a luta entre Nhô Augusto e Joãozinho Bem-Bem. Os dois personagens morrem em condições idênticas. Não há vencedores. Ambos serão enterrados em chão sagrado, ou seja, ficcional.
[1] SILVA (1984): 72.
[2] ROSA (1986): 7
[3] SILVA (1984): 72
[4] ROSA (1986): 39
[5] Ibidem: 40
[6] SILVA (1984): 80
[7] ROSA (1986): 41
[8] Ibidem: 44
[9] Ibidem: 49
MACHADO, Neuza. O Narrador Toma a Vez. Rio de Janeiro: NMachado, 2006. (ISBN 85-904306-2-6)
Nenhum comentário:
Postar um comentário