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quinta-feira, 15 de abril de 2010

1.4 – GUIMARÃES ROSA: VOLTADO PARA O ESTRANHO


1.4 – GUIMARÃES ROSA: VOLTADO PARA O ESTRANHO

NEUZA MACHADO



“Sabe também que uma parte de minha família é, pelo sobrenome, de origem portuguesa, mas na realidade é um sobrenome suevo que na época das migrações era Guimaranes, nome que também designava a capital de um estado suevo na Lusitânia? Portanto, pela minha origem, estou voltado para o remoto, o estranho. Você certamente conhece a história dos suevos. Foi um povo que, como os celtas, emigrou para todos os lugares sem poder lançar raízes em nenhum. Este destino, que foi tão intensamente transmitido a Portugal, talvez tenha sido o culpado por meus antepassados se apegarem com tanto desespero àquele pedaço de terra que se chama o sertão. E eu também estou apegado a ele...” (Guimarães Rosa, ENTREVISTA)

O Artista Ficcional do sertão está voltado para o remoto, para o estranho, porque sua origem antiquíssima o atrai. Reencontrar seu início histórico, aventureiro, é algo impossível em meio à agitação da modernidade. A elaboração de uma ficção experiente produz bem estar, fá-lo recuperar o calor da antiga intimidade perdida e para-sempre desejada. O sertão do passado é o símbolo desse desejo de aconchego, é o refúgio para o abrigo de sua própria solidão modernizada. As imagens da gruta são repousantes, fazem parte de um território secreto só acessível aos iniciados em rituais primitivos ou descendentes de raças antigas. O olhar está repousado e os encantos da natureza enfeitam sua propriedade particular, enfeitam as suas imagens fundamentais.

“Para ficarmos bem sozinhos, é preciso que não tenhamos demasiada luz. Uma atividade subterrânea beneficia-se de uma mana imaginária. É preciso conservar um pouco de sombra ao nosso redor. É mister saber entrar na sombra para ter força de escutar a nossa obra” (Bachelard).

As imagens fundamentais do sertão da infância não poderiam jamais sair das mandingas do preto Mangolô. Este é apenas o indutor, o ponto de partida para a busca retomada. O narrador, repousado, recupera a natureza, os cultos secretos, as superstições; reavalia a distância entre o pensamento do homem culto e o do homem inculto; descobre aproximações que independem de cor e casta; mas isto ainda é pouco para quem deseja recolher-se à própria solidão. Sob a luz intensa, os sonhos não podem ser concentrados, o narrador não poderá ouvir os sons de sua própria obra em germinação. Zombar do feiticeiro Mangolô, no momento, é seu único trunfo para alcançar o âmago de um espaço primitivo.

“E eu abusava, todos os domingos, porque, para ir domingar no mato das Três Águas, o melhor atalho renteava o terreirinho de frente da cafua do Mangolô, de quem eu zombava já por prática. Com isso eu me crescia, mais mandando, e o preto até que se ria, acho que achando mesmo graça em mim” (“São Marcos”, Sagarana).

O ato de zombar do sagrado exige castigo. O narrador, submetido ao plano mítico-substancial, zomba do feiticeiro, para ser castigado e, com isto, sentir e desvendar os segredos de um espaço que ainda conserva formas anti-diluvianas.

MACHADO, Neuza. Do Pensamento Contínuo à Transcendência Formal. Rio de Janeiro: NMachado / ISBN: 85-904306-1-8

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