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sexta-feira, 19 de abril de 2013

A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: MEU IRMÃO ÁLVARO DE SOUZA


 
A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: MEU IRMÃO ÁLVARO DE SOUZA


ANTÔNIO DE SOUSA COSTA

 
 


 
Voltamos a falar sobre a família Souza Costa. De meus irmãos homens, Álvaro foi o mais inteligente e esforçado pra tudo. Sempre teve vontade de progredir na vida. Muito enérgico e pontual nos seus negócios, mas, se emprestava dinheiro ou qualquer outro objeto a alguém, podia ser o próprio pai, ele não perdoava, cobrava. Ele comprava e vendia coisas pequenas, barganhava. Isto ele fazia aos domingos e dias santos, porque meu pai era exigente com os filhos para o trabalho. Em ocasiões de festas nos Arraiais, o Álvaro estava sempre cavando o dinheiro, não ligava pra mais nada. Ora vendendo doce, ora jogando búzios de caroço de milho, ou mesmo bancando caipira com um caneco e um dado quadrado, com os números de um até seis. Isto era em ocasiões de festas ou bailes, que naquela época havia baile em todos os sábados, ora em uma casa, ora em outra. O Álvaro já estava rapaz, mas não ligava pra dança, o caso dele era ganhar dinheiro.

 

Recordo-me de uma festa de mês de Maria no Arraial do Choro. Durante os trinta dias de reza, meu irmão Álvaro aproveitou para vender doces. Teve uma noite que os doces que ele vendia acabaram mais cedo. O tio Antônio Carabineiro também estava vendendo doces. Eu não sei o motivo porque o tabuleiro de doces de Álvaro acabou primeiro. Qual foi a astúcia do Álvaro?

 

Depois de vender os doces, o Álvaro chegou disfarçado ao tio Antônio, tirou uma olhada nos doces de tio Antônio, já sabendo que o preço era tostão cada um, arrematou todos, e os partiu em dois, pois os doces que tio Antônio vendia eram grandes, e eram de leite, feitos com muito capricho. Álvaro vendeu todos os doces comprados do tio Antônio, ganhando meio por meio. Chegou em casa muito alegre, porque tinha ganhado bem.

 

Na outra noite, o Álvaro não levou doces, confiando nos doces que tio Antônio levaria para vender. Mas, não sabia que alguém avisara tio Antônio, que o Álvaro, em cada um, fizera dois. E, tio Antônio ficou muito enciumado com o que falaram pra ele. Na tal noite, tio Antônio Carabineiro levou o tabuleiro cheio com aqueles doces de leite, feitos bem caprichados, e foi vender no Arraial do Choro, que estava quase em véspera de fim de festa. Álvaro, com sua astúcia, foi chegando disfarçadamente, e disse ao tio Antônio: “– Eu pago todos a tostão cada um. Vamos contar os doces.” E tio Antônio respondeu: “– Hoje ocê não ganha dinheiro às minhas custas, não senhor! Eu também gosto de vender!” Álvaro implorou: “– Tio Antônio, o senhor vai vender todos a tostão cada um. Eu pago todos sem o senhor sacrificar o seu tempo!” Mas tio Antônio continuou sempre falando não. Álvaro, que não perdia tempo, bancou o caipira, e passou a gritar, chamando a atenção de todos.

 

Mesmo o pai sendo enérgico com o trabalho dos filhos, o Álvaro convenceu nosso pai a deixá-lo negociar com vendas de secos e molhados. O senhor Luís de Sales, que tinha uma grande casa de negócios, fazendas de tecidos, e armarinhos, e miudezas de todos os tipos, no Arraial do Choro, tinha também, e em frente, uma outra casa, de sobrado, que era de aluguel. Em cima dessa casa, era para famílias, e, em baixo, para negócios, já com prateleiras e balcão. O Álvaro alugou a loja de Luís de Sales e começou vendendo cachaça e mais outras miudezas. E o meu irmão Álvaro já estava indo muito bem no negócio.

 

Mas, chegou o tempo de servir à Pátria! O jeito foi fechar a venda e seguir para Juiz de Fora. Álvaro ainda tentou a não ir servir a Pátria, pois correu uma notícia que, em Carangola, tinha um tenente do Exército de Juiz de Fora que dispensava aquele que fosse sorteado, a não servir, por quatrocentos mil réis em dinheiro, o que, naquela época, representava muito. O Álvaro pagou.

 

Não foi só o Álvaro que caiu nesse conto-do-vigário, foram muitos outros. Muitos pagaram para não ir. O tenente voltou com o dinheiro e, no ano seguinte, veio outro tenente já com ordem de levar todos presos. Eles reclamaram, que tinham feito pagamento para não servirem, mas o tenente perguntava pelo recibo, que nenhum deles tinha, pois o tenente, o primeiro, não dera recibo a nenhum deles. E, assim, o Álvaro e os outros que foram ludibriados embarcaram presos até Juiz de Fora. E ficaram debaixo de ordem por três meses, sem poder sair do Regimento.

 

Naquela época, o salário dos soldados era de vinte e um mil réis por mês. O soldado tinha mesmo que comer no Regimento, porque o dinheiro que recebia mal dava para o cafezinho e o cigarro, mais nada. Álvaro tocava violão e cantava. Logo, na primeira oportunidade que teve, o Álvaro comprou um violão, e divertia os recrutados todas as noites com seu violão.

 

Um certo dia, o Comandante do Regimento reuniu todos, em ordem, e disse: “– Nós vamos fazer uma excursão de três dias nas matas. Aqueles que tiverem instrumento de música, poderão levar seus instrumentos, para se divertirem nas horas de folga. Naquela época, as marchas militares eram feitas a pé, e as caixas de cozinha e mantimentos eram carregadas nos burros de cargas. Com a ordem dada pelo Comandante, de quem tivesse instrumento de música levar, o Álvaro levou seu violão. E todos caminharam a pé. De vez em quando, eles descansavam, mas, caminharam até a noite.

 

À noite, eles armaram suas barracas e, com o cansaço da viagem, adormeceram. E só acordaram no outro dia. Fizeram exercício no mato, voltaram para o acampamento, e almoçaram. Depois que descansaram, todos os que levaram instrumento de música, tocaram e cantaram, naquela noite de solidão, no meio do mato.

 

E o Álvaro se lembrou de um lundum que ele cantava bem desenvolvido, acompanhado no violão por ele próprio. E, em certa distância, estava a barraca de um dos comandantes, e o comandante, lá da barraca, apreciando ele tocar e cantar, e o Comandante o chamou: “– Vem aqui, este do violão, o que está cantando!” O meu irmão Álvaro ficou um pouco ressabiado com aquele chamado, mas compareceu, e disse: “– Pronto Comandante!”, com a posição de sentido. O Comandante disse: “– Não quero continência, quero que cante o que estava cantando!” E Álvaro ficou entusiasmado, e tocou e cantou o lundum até o fim. O Comandante mandou ele repetir, ele cumpriu as ordens, e, com esta música, o Álvaro conseguiu uma amizade com aquele Comandante, o qual fez um convite a Álvaro, para ir tocar em sua casa no aniversário de um de seus filhos. E o Álvaro foi, e tocou e cantou o lundum que emocionou o Comandante, quando esse estava em instrução de guerra no meio do mato. Depois desse dia, sempre que houvesse festas em sua casa, o Comandante chamava Álvaro, para ir tocar.

 

Aqui transcrevo o lundum que o Álvaro cantava:

 

LUNDUM  DO  CASÓRIO


 

Meus senhores, eu vou contá, como foi meu casamento


Eu pedi a noiva ao pai, contei meu procedimento.  (Bis)


 

Ele me respondeu, se eu podia sustentá

Dar de comer e vestir, sapatinho pra calçá.   (Bis)

 

Eu respondi a ele, com toda sinceridade,

Se ela não morrê de fome, passará necessidade.   (Bis)

 

No dia do meu casório, todos deram gargalhada.

Lá ia os dois noivados em uma carroça quebrada.   (Bis)

 

Paletó do meu casório era de chita amarela,

A calça era de ganga, o colete de flanela.   (Bis)

 

Camisa do meu casório era só de puro linho,

Não tinha fralda, nem manga, nem punho, nem colarinho.   (Bis)

 

Cerola do meu casório, meu cunhado quem me deu,

Remendo sobre remendo, no vesti, ela rompeu.   (Bis)

 
As botinas do meu casório era de vertegal
Quiseram me comprá ela, pra mansá burro em Portugal.  (Bis)

 

Paletó do meu casório era de jaquetão

Não tinha gola, nem manga, não tinha também botão.   (Bis)

 

O padrinho e a madrinha deram pressa e foram adiente,

Dando passo à retaguarda, com a força da aguardente.   (Bis)

 

O jantar que meu sogro fez, para dar aos convidados,

Foi duas galinhas choca, dois pintinhos pestiados.    (Bis)

 

Etc., etc...

 

Um dia, o Comandante perguntou a Álvaro se queria fazer um concurso para Cabo, e Álvaro respondeu: “– Bem que eu queria, senhor Comandante! Mas, como? Se eu não tenho nem o primário?” O Comandante fez um teste nele e disse: “– Você quer ou não quer?” Ele respondeu: “– Quero!” O Comandante deu as instruções necessárias, e Álvaro começou a estudar, com outros colegas de farda, que também já estavam estudando, e que tinham mais conhecimento de letras, mas do que o Álvaro. Alguns tinham até o Ginásio! E tinha um conterrâneo (até muito abusado!), que zombava do Álvaro, que chamava ele de Cabo Álvaro. E ele dizia: “– Se Deus quiser, eu serei Cabo de verdade!” E a zombaria não parava entre os colegas de farda, que faziam continência para ele. Mas, o Álvaro não se humilhava diante deles. E sempre dizendo: “– Se Deus quiser, eu serei Cabo de verdade!” E o Álvaro não desanimou! Quando chegou o dia da prova, o Álvaro foi aprovado, e os que zombavam dele foram desclassificados.

 

O conterrâneo, que tinha curso de Ginásio, ficou tão envergonhado que, para não tirar serviço pelo comando de Álvaro, desertou, fugindo para o Divino de Carangola, sabendo que tinha uma conta para ajustar, mas preferiu deixar para o outro ano. O Álvaro, com a promoção, passou do soldo de vinte e um mil réis para duzentos e dez mil réis. Com esse ordenado melhor, alugou um quarto e passou a morar longe do acampamento, e pagando a pensão de comida até o dia de sua alta (seu término de compromisso com o Exército). O Álvaro não se engajou definitivamente no Exército porque nosso pai não deixou.

 

quinta-feira, 18 de abril de 2013

A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: O BOM COSTUME DE RESPEITAR OS DIAS SANTIFICADOS


 
A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: O BOM COSTUME DE RESPEITAR OS DIAS SANTIFICADOS


ANTÔNIO DE SOUSA COSTA

 

 

Voltamos a falar da família Pereira e da família Souza. Sendo hoje Quinta-feira Santa (de 1987), quero recordar aquele tempo, já passado quase setenta anos. Antes de chegar a Quaresma, era o costume do povo daquela época prevenir-se, nas coisas de alimentação: matava capado, derretia a gordura, enlatava. Isto era para não matar vivente nenhum durante a Quaresma. A carne só era comida depois da Semana Santa (Quinta-feira e Sexta-feira Santas). Nem mesmo moinho não rodava. Até as crianças tinham de jejuar, tudo no mais puro silêncio. Não podia cantar música de orquestra. Não podia haver discussão uns com os outros. Se um menino desobedecesse aos pais, eles diziam: “– Hoje passa, mas, amanhã, ocê vai pagar por isso!” E no dia que o pai (ou a mãe) pegava aquele que desobedeceu nos dias proibidos de bater, o desobediente era castigado o dobro. Eles batiam, mas sempre o fazendo ver, porque estava apanhando: “– Isto é para ocê aprender a ser obediente!

 

Na Sexta-feira Santa, o povo da roça passava a noite nas Igrejas, rezando terço, cantando músicas fúnebres ao Senhor morto. O respeito era até às nove horas da manhã do Sábado de Aleluia, quando começava a queima do Judas e a queima de fogos. Nesse dia, matavam bois, porcos grandes, leitoas, galinhas, para assar. O povo fazia bailes e todos dançavam toda a noite. Mas, não eram todos que faziam esta extravagância. Muitos iam para a Igreja, para acompanhar a procissão do Encontro, já no Domingo de Páscoa, ao amanhecer.

 

E quando chegava fim de ano, no Natal, na véspera, todos iam à Missa do Galo, passavam a noite acordados, faziam muita comida gostosa, doces, farinha de amendoim, pé-de-moleque (doce de amendoim). Tinha também uma brincadeira de pedir festas uns aos outros. Os homens pediam festas às mulheres, e as mulheres pediam festas aos homens.

 

Lembro-me que minha mãe Antoninha mandava levar presente de comida à tia Olívia, à tia Cota, à vovó Maria Brasilina. Estes eram os vizinhos de mais perto. E minha mãe recebia também os presentes que eles mandavam pra ela. Era uma união de fraternidades! Algumas vezes, minha mãe Ninha (Antoninha) recebia presentes até de longe, de parentes que moravam mais retirados. E ela os retribuía da mesma forma. Quando matava capado, minha mãe tinha o cuidado de mandar um pedaço de carne para o vizinho. O mesmo fazia o vizinho, que retribuía da mesma forma. Entre eles, havia também o costume de pedir emprestada alguma coisa ou ferramenta, ou mesmo sal ou querosene; até feijão cozido os vizinhos tomavam emprestado. Mas, todos tinham o cuidado de pagar. Porque, ainda hoje, uma amizade para ser conservada, é preciso andar direito uns com os outros.


quarta-feira, 17 de abril de 2013

A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: VOVÔ JOSÉ ANTÔNIO DE SOUZA MOREIRA RECEBENDO NOTÍCIAS DA FILHA E DA IRMÃ



A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: VOVÔ JOSÉ ANTÔNIO DE SOUZA MOREIRA RECEBENDO NOTÍCIAS DA FILHA E DA IRMÃ


ANTÔNIO DE SOUSA COSTA

 

 

Vovô José Antônio de Souza Moreira tinha saudade da filha Ana, casada com José Peroba, que, depois de casada, foi morar na Zona Norte de Minas Gerais. A última notícia que vovô teve da filha Ana, foi pelo meu pai Zeca, quando ele foi visitá-la, e, na volta, trouxera notícias dela e do marido José Peroba, além de trazer, também, notícias de outra Ana, irmã de meu avô. Vovô José Antônio não sabia aonde a filha morava. Depois que meu pai voltou da viagem, é que vovô ficou sabendo que a Ana irmã morava perto da Ana filha. Elas moravam no Norte de Minas, perto de Rio Doce.

 

Meu pai aproveitou esse passeio junto com minha mãe Antoninha, que também tinha o irmão João Pereira, casado com Cecília, morando por aquelas bandas. Tio João Pereira não morava perto da tia Ana, morava em Lajinha de Mutum, também no Norte de Minas. Meu pai e minha mãe demoraram nessa viagem quase um mês.

terça-feira, 16 de abril de 2013

A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: OS DOIS IRMÃOS DE VOVÔ JOSÉ ANTÔNIO DE SOUZA MOREIRA


 
A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: OS DOIS IRMÃOS DE VOVÔ JOSÉ ANTÔNIO DE SOUZA MOREIRA


ANTÔNIO DE SOUSA COSTA

 
 


 

Vamos falar agora sobre dois irmãos de vovô José Antônio. Um morava em Divino do Carangola, e o outro morava no Rio de Janeiro. João de Souza Moreira, conhecido pela alcunha de João das Abelhas, morava no alto da Rua Nova, do lado esquerdo, para quem segue para o Largo da Matriz, como era naquele tempo. Ele tinha uma grande criação de abelhas, e também uma lavourinha de café. O terreno era posseado, mas tinha o tamanho de um sítio. O meu tio-avô João de Souza, por parte de pai, era homem franzino, de estatura mediana, muito conversador, e de bastante conhecimento em seu meio-ambiente. Não era homem de negócios, mas tinha uma vida tranquila. Tinha a sua lavoura de café, que dava uma rendazinha, tinha também as suas abelhas trabalhando e fazendo mel, e também a cera, que ele vendia para o fabrico de velas. Meu tio-avô João de Souza vendia mel, sem precisar sair de casa. Todos os moradores do Arraial do Divino (naquele tempo, Divino do Carangola era ainda Arraial) iam à sua casa para comprar mel (que era uma delícia!). Para a venda da cera, ele tinha um comprador. Era um senhor que fabricava velas e comprava todo o produto das abelhas. Esse senhor também tinha criação de abelhas, mas tinha muita encomenda de velas, por isso, o que ele colhia de seu produto, não dava para as encomendas, e, assim, ele comprava toda a cera de meu tio João das Abelhas.

 

Esse homem, que fabricava velas naquela época, chamava-se José Damásio de Amorim, um grande Fazendeiro em Ponte Geraldo, um lugar que, ainda hoje, faz divisa com o Município de Carangola. O meu tio-avô João de Souza era um homem muito alegre, gostava de piadas. Não era contador de piadas de façanhas, nem de imoralidades. Suas brincadeiras não ofendiam.

 

Eu me lembro de um dia em que ele chegou em nossa casa montado em um burro alto e comprido. Entrou no terreiro já gritando: “– Ó Tonica!, tem café e almoço?! chegando! Quero também pasto pra meu burro!” Desarreou o burro e soltou-o. O burro rolou no chão e, quando levantou, soltou o capim azedo pra fora. O tio João de Souza riu bastante, fazendo galhofada, e dizendo pra minha mãe: “– Tonica, eu e o burro somos igual um ao outro. Só botamos pra fora, quando temos outro pra botá no lugar”. Mas, ele falava usando expressões grosseiras, como era o costume do falar da roça antigamente. Ninguém levava a mal. Às vezes, tio João de Souza ficava dois ou três dias em nossa casa. E como nós nos divertíamos com tio João! Ele contava histórias e piadas, todas com muita graça.

 

Tio João de Souza era padrinho de meu pai. Eu me lembro de um dia em que meu pai me levou para dar um passeio e ir à missa na Igreja de Divino. Isso era em tempo frio. Meu pai, sempre que ia ao Divino de Carangola, não deixava de passar em casa de tio João de Souza, para tomar a bênção e, também, saborear um cafezinho da madrinha Silivéra (Silvéria ou Silvera). Eu me lembro que nós chegamos e encontramos o tio João sentado embaixo de um pé de café. E ele disse pra meu pai: “– Zequinha, eu fico aqui me movimentando. Quando o sol quente, eu enfio debaixo da saia do café, e, quando eu sinto frio, volto para o sol”. E disse para meu pai: “– Vamos entrar!” Nós ficamos um pouquinho na grande cozinha, tomamos café, e, em seguida, meu pai disse: “– Padrinho, é hora de ir chegando pra casa.” E, despedimo-nos de tio João e de tia Silivéra. Nessa época, tio João já tinha casado a filha mais velha, por nome Júlia (casada com José Augusto), e a filha segunda, por nome Severina (casada com Antônio Laureano). Os outros filhos, José, Balduína e Maria, ainda estavam solteiros.

 

A respeito de um outro irmão de vovô que foi para o Rio de Janeiro. Dizia vovô que o irmão dele Antônio de Souza Moreira, quando deixou Laranjal e foi para a Corte do Rio de Janeiro, ainda era garoto de menor idade. Influenciado por alguns companheiros, deixou mãe, irmãos, parentes, e foi pra Corte do Rio de Janeiro. Era o que vovô falava. Nunca mais ele viu o irmão caçula. Dizia vovô que tivera notícias dele, que Antônio tava bem, que tinha casado com uma professora. Mas, ele nem sabia o nome da cunhada, pois Antônio nunca escreveu uma carta pra eles, que ficaram na saudade daquele irmão, que ainda tinha mãe viva, sempre clamando a ausência do filho, sem ter consolo de ao menos um retrato ou uma carta. Mas, nem isto aconteceu. Quando se lembrava do irmão Antônio, os olhos de vovô lagrimavam. Ele dizia: “– Tenho uma vontade de ver meu irmão caçula, mas, acho eu que nunca mais vou ver!” E vovô morreu com este desejo de ver o irmão. Depois que vovô morreu, um filho de Maria Dussanto (ou Maria dos Santos), por nome Arthur de Souza Moreira, foi até o Rio de Janeiro, e encontrou o tio Antônio, que morava na Penha, já bem velhinho.


segunda-feira, 15 de abril de 2013

A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: MEU AVÔ JOSÉ ANTÔNIO DE SOUZA MOREIRA E O CASO DA VIAGEM A SÃO DOMINGOS DE CARATINGA


 
A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: MEU AVÔ JOSÉ ANTÔNIO DE SOUZA MOREIRA E O CASO DA VIAGEM A SÃO DOMINGOS DE CARATINGA


ANTÔNIO DE SOUSA COSTA

 
 


 
Meu avô paterno José Antônio de Sousa Moreira era um homem temente a Deus. Por qualquer um acidente acontecido com ele, por mais pequeno que fosse, vovô tinha aquilo como castigo.

 

Dizia vovô que, em uma certa ocasião, ele foi até São Domingos de Caratinga, para fazer uma visita à sua irmã Severina e ao seu cunhado José Doce (doceiro, fazedor de doces), que já moravam em São Domingos de Caratinga há vários anos. Vovô, sempre que saía a cavalo, para viagem longa ou perto, não esquecia o seu embornal de brim, alceado na cabeça do arreio, e com um vidro de meia garrafa, que era para ter sempre cheio de pinga. Quando esvaziava a garrafa, ele enchia de novo. Durante a viagem, de vez em quando, ele molhava a garganta com a pinga. Naquela época, ele enchia a garrafa com duzentos réis.                                              

 

Antes de sair de casa, meu avô mandou vovó fazer a matutagem [matulagem ou matolotagem], para se alimentar durante a viagem, encheu o vidro de pinga, alceou-o no arreio, montou em seu cavalo, e seguiu até a primeira estalagem que encontrou, depois de muito cavalgar. Ali, pediu uma pousada, e pernoitou naquela casa. No outro dia, perguntou quanto era a despesa, pagou, e seguiu a sua viagem. No primeiro botequim que encontrou, encheu o vidro de pinga, e continuou o seu caminho. Ao anoitecer, pediu pousada em outra casa. Ao amanhecer do dia, seguiu até chegar à casa da irmã Severina e Zé Doce, como era chamado.

 

Em Caratinga, ele permaneceu vários dias, em casa da irmã Severina e do cunhado Zé Doce. O dinheiro que levara estava acabando, e ele disse para a irmã e Zé Doce: “– Faz muitos dias que eu estou fora de casa, amanhã eu vou voltar pra casa!” Sua irmã Severina fez a matutagem, para ele comer durante a viagem, e ele colocou a comida na mala de pano, que ficava dobrada na garupa do arreio. Encheu o vidro de pinga e colocou-o dentro do embornal, alceou-o na cabeça do arreio, despediu-se da irmã e do cunhado, e seguiu de volta para casa.

 

Nas mesmas casas, que tinha pousado na ida, ele pousou na volta. No último dia da viagem de volta para casa, ele sofreu um acidente. Dizia vovô que tinha levado dinheiro, não muito, mas dava para fazer a viagem, de ida e volta, sem muita preocupação. Mas, ele facilitou, e não mediu os gastos que fizera em Caratinga, durante os dias que ali permaneceu em casa da irmã Severina e do cunhado Zé Doce. A pinga acabou, e ele tinha no bolso só duzentos réis, a quantia exata para encher o vidro de cachaça. Passando perto do botequim, ele apeou do cavalo, amarrou-o em um topo, que estava fincado no terreiro da venda, e, quando ele caminhava para chegar até a venda, um homem esticou o chapéu e pediu-lhe uma esmola. Vovô só olhou de banda e pensou, em seu coração: “– Fia da... (o nome da mãe, que ninguém gosta de ser chamado!)”. E passou pelo homem, encostou-se no balcão da venda, e pediu para encher o vidro; puxou do bolso o único dinheiro que tinha, pagou, e voltou para o seu cavalo. Desatou o cabresto, e quando foi enfiar o vidro no embornal, em vez de enfiar dentro do embornal, enfiou fora, e o vidro caiu ao chão, quebrando-se em cacos. E vovô ficou com muita raiva, e pisou num caco do vidro quebrado, e foi um golpe daqueles na sola do pé, quase deixando ele aleijado.

 

Vovô não bebia em ponto de envergonhar a família, mas, sempre que bebia, ficava fora de seu natural. Depois do trago de pinga, vovô conversava muito, mas não ofendia a ninguém. Vovô gostava de perfumes, andava sempre perfumado em dia de Domingo. As minhas irmãs, já casadas, vinham sempre passear em nossa casa. Nesses dias de visita, elas entravam no quarto de vovô, só para brincar com ele, e dizia uma para outra: “– Vovô cheiroso!” Ele sabia que elas estavam mexendo com ele. Até os maridos de minhas irmãs, também, gostavam de implicar com vovô, para verem a reação dele. Diziam: “– Quem sabe o vovô ainda quer casá!” Vovô respondia: “– Eu gosto de ficar cheiroso, mas casá outra veiz não!, uma só chega!”

 

O acidente que vovô sofreu em um dos pés, ele tinha como castigo, porque negou de dar esmola ao homem, que tinha pedido, logo que apeou do cavalo. O dinheiro dele só dava para encher o vidro de pinga, mas, como ele não deu a esmola, e nem bebeu a cachaça, achava que foi um castigo. Ele contava isto até com graça, principalmente quando estava com umas e outra no coco.
 

domingo, 14 de abril de 2013

A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: MEU AVÔ PATERNO JOSÉ ANTÔNIO DE SOUZA MOREIRA E O CASO DA CAÇADA DO ÍNDIO-PURI


 
A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: MEU AVÔ PATERNO JOSÉ ANTÔNIO DE SOUZA MOREIRA E O CASO DA CAÇADA DO ÍNDIO-PURI


ANTÔNIO DE SOUSA COSTA

 
 
Crédito da gravura para:
 



Vovô José Antônio de Souza Moreira contava, também, sobre os índios do mato da região Leste do Brasil. Mas, vovô, ao invés de falar índio, falava puri.

 

Dizia vovô que o puri, quando jogava uma flecha num pássaro empoleirado naquelas árvores bem altas, e a flecha caía em um lugar difícil de encontrar, o puri saía procurando o pássaro morto, mas não o achava. Ele então voltava, naquele mesmo lugar, e jogava outra flecha na mesma direção, e ficava observando aonde ela caía. E, chegando aonde caíra a segunda flecha, o índio puri encontrava a primeira flecha perdida fincada no pássaro.


sábado, 13 de abril de 2013

A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: MEU AVÔ JOSÉ ANTÔNIO E A TRAVESSIA NA MATA CERRADA ESPANTANDO ONÇA-TIGRE PINTADA


 
A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: MEU AVÔ JOSÉ ANTÔNIO E A TRAVESSIA NA MATA CERRADA ESPANTANDO ONÇA-TIGRE PINTADA


ANTÔNIO DE SOUSA COSTA

 


 

Vovô contava também sobre uma parte de mata cerrada que tinha onça-tigre pintada. Essa mata ficava próxima à casa de vovô, em Laranjal. Ele e sua família tinham que passar dentro daquela mata, para irem até à casa de uma das irmãs de vovô, que morava do outro lado da mata. Algumas vezes até trabalhavam, vovô e os filhos, para o cunhado e a irmã, em suas lavouras de café e cereais. (Na roça, usa-se, acho que até hoje, trocar dias de trabalho uns com os outros).

 

Pois muito bem, depois da visita, ou se fosse depois do trabalho, quando chegava a noite, na volta para casa, era preciso arrastar pelo caminho uma taquara com as folhas, para evitar que a onça-tigre pegasse aquele que viesse atrás, por último. Isto porque não havia estrada larga, era apenas um trilho no meio da mata, aonde eles tinham que passar.

 

Vovô contava que aquele último, que vinha atrás puxando a taquara com folhas para proteger os da frente, sentia as unhas da onça arranhando a taquara. O arrastar das folhas da taquara produzia uma chieira [barulho] nas folhas secas do caminho, e a onça se entretinha, brincando com a taquara, e, assim, ela não pegava nenhum deles.

 

Era sempre assim: naquele tempo de vovô José Antônio, para atravessar aquela mata cerrada do Município de Laranjal, durante a noite, o companheiro de trás arrastava uma taquara com as folhas, para evitar ser refeição de onça.


sexta-feira, 12 de abril de 2013

A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: MEU AVÔ PATERNO JOSÉ ANTÔNIO DE SOUZA MOREIRA E O CASO DO HOMEM PRESO NO MONTE DE CUPIM



A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: MEU AVÔ PATERNO JOSÉ ANTÔNIO DE SOUZA MOREIRA E O CASO DO HOMEM PRESO NO MONTE DE CUPIM


ANTÔNIO DE SOUSA COSTA

 


 

Passamos, agora, a falar sobre o passado de meu avô paterno José Antônio de Souza Moreira. Vovô José Antônio de Souza Moreira gostava de uma pinga, no modo do falar de agora, gostava de uma cachacinha da boa. Meu pai não bebia cachaça, e ficava muito chateado, quando vovô chegava em casa um pouco fora de seu natural. Quando vovô bebia cachaça, ficava alegre, contava tanto caso acontecido com ele e, também, com outras pessoas, tocava viola, cantava moda de cateretê, e tocava também rasgado na viola. Isto era mais só quando ele estava com o cheirinho da pinga. Meu pai ficava de cara franzida e vovô, sabendo que meu pai detestava cachaça, dizia pra mim: “– José fica de cara feia quando eu bebo cachaça! Ocê acha que o fi pode mandá no pai?” Ele dizia isto pra mim, porque eu sempre dei muita atenção a ele. E, para vê-lo satisfeito, eu respondia dando razão a ele.

 

Vovô contava muitas coisas acontecidas com ele, no tempo em que morou em Laranjal. Dizia vovô que, quando ainda morava em Laranjal, Município de Cataguases, houve uma Semana de Missões, que era para fazer crismas, de quem ainda não era crismado na religião católica apostólica romana. Os Bispos, todas as noites, faziam sermões. O povo comparecia em massa; uns, para crismar os filhos, outros, para assistirem aos sermões. Outros iam para debochar dos missionários. Quando não fosse em presença física, esses que debochavam, deixavam para a volta, quando vinham pra casa. Esses grupos de pessoas irresponsáveis eram os que mais frequentavam as festas das Missões.

 

Em uma certa noite, depois que beberam muita cachaça nos botequins, lá pras tantas da noite, voltaram para a casa fazendo bagunça, gritando, desafiando todos os moradores daquela região. Em certo momento, um deles lembrou-se dos bispos, e subiu em cima de um cupim, e começou a fazer discurso, imitando os bispos. Sem ele esperar, o cupim abriu-se ao meio e prendeu ele até a cintura. Dizia vovô que ninguém conseguia tirar o homem que estava preso no monte de cupim.

 

Depois de muito pelejar, para tirar o homem que estava preso no monte de cupim, um deles deu um palpite: “– Quem sabe, se agente chamasse o Bispo, para vir aqui? Assim talvez, ele tirava o fulano de dentro do cupim!” E, assim chamaram o Bispo para tirar o homem que estava preso no monte de cupim. O Bispo chegou, fez uma benzição, e o monte de terra de cupim abriu-se, mas, o homem estava morto. Os cupins atacaram as partes de seu corpo que estavam dentro da terra.


quinta-feira, 11 de abril de 2013

A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: O CASAMENTO DE MINHA IRMÃ MARIA



A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: O CASAMENTO DE MINHA IRMÃ MARIA


ANTÔNIO DE SOUSA COSTA

 
 
 


No ano de 1919, meu pai Zeca de Souza fez o casamento da primeira filha, por nome Maria. Era ainda menor de idade, porque não tinha completado dezesseis anos, mas, já era moça formada. Como era de boa aparência, tinha muitos pretendentes. Mas, naquela época, não era a moça que escolhia o namorado, mas, sim, era o pai que escolhia o pretendente de sua filha. Isto acontecia em quase todas as famílias. Poucas famílias deixavam as filhas escolherem os namorados. Maria, minha irmã, foi pedida em casamento por um moço por nome Felismino Alves Portes. Como, naquela época, eu tinha apenas nove anos de idade, não sei se Maria namorava assiduamente Felismino, mas, também, a moça daquela época, não precisava namorar, para se casar, porque eram os pais que davam o sim. Como Felismino era um moço jovem, de vinte e um a vinte dois anos de idade, muito trabalhador, filho de um primo de minha mãe, por nome Pedro Alves da Silva, e era também compadre de meus pais, e de grande consideração, o pedido de casamento foi aceito. O casamento foi marcado com pouco tempo de prazo. Meu pai tinha algum recurso, mas nunca teve dinheiro disponível, para tratar de um assunto como esse. Tínhamos um canavial bem grande, de cana madura no ponto de moer. Nós tínhamos, também, um engenho de madeira, mas o nosso engenho não era suficiente para desenvolver a moagem da cana com rapidez. Pouco abaixo da Cachoeira, distante três quilômetros mais ou menos, na Fazenda de tio Bastião Alves, tinha engenho de ferro, movido a água. Meu pai foi até a casa de Ramiro, um dos filhos de tio Bastião Alves, e ofereceu a cana a Ramiro, para moer a meia. E assim eles combinaram, que a moagem da cana tinha de ser mais rápida, porque era para fazer o casamento de Maria (que tinha sido pedida em casamento por Felismino, que era sobrinho de Ramiro). Naquela mesma semana, começou a moagem da cana. Nessa época, meu pai tinha dois filhos já rapazes, o Olavo e o Álvaro. E tinha dois ainda menores, que era eu, Antônio, e meu irmão Eurico. Papai tinha também dois empregados, que trabalhavam diariamente para nós, o Sebastião Rodrigues e o João Lopes. Meu pai ainda arranjou mais alguns ajudantes, pois precisava, com urgência, de dinheiro, para as despesas de compras de enxoval, e roupas para a família, e mais outras despesas de comestíveis, porque, naquela época, quando um pai ia fazer o casamento de uma filha, toda a vizinhança era convidada. E todos faziam questão de estar presente naquele dia. Até mesmo alguns, que não eram convidados para as festas de casamento, vinham meio disfarçados, mas não deixavam de comparecer. Os que não eram convidados, chegavam mais tarde, e ficavam meio afastados, até que o dono da casa, ou um filho, chamasse: “– Chega pra cá!” Nessa hora, todos os convidados já tinham comido fartamente, mas as mesas ainda estavam armadas no terreiro e, até à noite, a mesa era reformada com comidas e doces. Nessa época, meu pai ainda trabalhava na roça. Meu pai botou a turma toda no canavial, a cortar cana, ele também junto. Ramiro tinha o seu carro de bois, mas, arranjou outro carro. Eram dois carros, com duas juntas de bois, a puxar cana para o engenho até quatro horas da tarde. O engenho rodava, moendo cana e enchendo os cochos de garapa. O fabrico da rapadura ia até às dez horas da noite, e, assim, em poucos dias, o senhor Ramiro Alves moeu toda a cana do nosso canavial. Meu pai foi ao Divino do Carangola, vendeu a rapadura, e conseguiu arranjar o dinheiro que precisava para toda a despesa do casamento da primeira filha.

 

Quando chegou o prazo marcado, para o enlace matrimonial de sua primeira filha, meu pai já estava com o dinheiro necessário e não ficou com dívidas. O casamento foi realizado na Matriz de Divino de Carangola. Para o acompanhamento, foram todos os convidados a cavalo (o que era um sinal de riqueza). A chegada, na Fazenda de meu pai, foi com muitos fogos-de-artifício, principalmente, aqueles foguetes-de-cauda. À frente, vinha o fogueteiro, soltando foguetes. No terreiro de nossa casa também um fogueteiro, soltando foguetes. Com o barulho, alguns cavalos se espantavam, ainda com os cavaleiros montados em cima e riscando as esporas nos cavalos. Tinha arcos de bambus com enfeitos de bandeirinhas de papel amarrados nos arcos, de distância de cinquenta metros até a porta da sala. Os noivos foram recebidos com flores desfolhadas (pétalas de rosas miúdas, margarida, bem-me-quer, moça-velha, flores de todas as espécies, que tinham muitas nos canteiros que rodeavam a nossa casa). Jogar flores nos noivos era o que se usava na época. Eu era ainda bem criança, mas lembro-me que foi uma festa muito bonita, com muita gente, que não cabia dentro da casa, espalhada pelo terreiro. No terreiro, foi fincada a mesa, para todos os convidados jantarem à vontade, e com sobremesa de doces de diversas qualidades. Assim que chegou a noite, houve o baile, para todos se divertirem, na mais perfeita ordem, até o dia clarear. E assim foi o casamento de Maria, a mais velha de minhas irmãs, que contava apenas dezesseis anos ao casar.

 

Meu cunhado Felismino já tinha casa para morar. Havia uma casa desocupada, perto da residência de seu pai, aonde ele iria morar, mas, como ainda não estava tudo organizado, ele passou os primeiros dias de núpcias em nossa casa. Ele trabalhava nas terras de seu pai, e, todos os dias, ele saía de manhã e voltava à tarde.

 

Naquela época, havia dois partidos políticos. Eu não sei se era por brincadeira de meu pai com o seu primeiro genro, ou se era de verdade, mas, todas as noites, os dois discutiam, em brincadeira, sobre política. Meu pai era do partido Quati e Felismino, do partido Tatu. Meu pai dizia para o genro: “– Nesta eleição, o Quati ganha!”, e Felismino dizia: “– Não!, Zeca, quem vai ganhá é o Tatu!” E os dois ficavam naquela brincadeira, horas e horas, discutindo sobre política. Eu, naquele tempo, como não entendia nada de política, ficava pensando o que seria aquilo? Um dizia: “– Quem vai ganhar é o Quati!” O outro já dizia o contrário: “– Quem vai ganhar é o Tatu!” E digo francamente: até hoje, já passados sessenta e cinco anos, eu nunca fiquei sabendo se na década de 1910 a 1920 existiu esses dois partidos políticos, Quati e Tatu. Se existiu esses dois partidos, Quati e Tatu, foi antes dos partidos Legião e Bernardista, porque, desses, eu me lembro bem.

 

Eu me lembro dos partidos Legião e Bernardista, porque, quando fiz vinte anos, fui chamado para ir até a Fazenda Rochedo, que naquela época pertencia ao Capitão Francisco Victor da Silva, chefe político da região. O capitão Francisco Victor da Silva era conhecido por Capitão Chico Victor. Chegando lá, na Fazenda Rochedo, apresentei-me ao Capitão e disse-lhe: “– O que o senhor desejaria comigo?” O capitão olhou pra mim e disse-me: “– Quantos anos tem?” Eu respondi: “– Vinte anos!” O capitão tinha um sésto de falar “já viu”. Então, ele disse: “– Já viu!, para ser eleitor, ocê falta um ano, mas não faz mal!, eu vou aumentar um ano na sua idade. Ocê sabe escrever?” Eu respondi: “– Escrevo mal, mas escrevo!” Ele apanhou uma folha de papel almaço, e colocou em uma mesa, e disse pra mim: “– Eu vou ditando, ocê vai escrevendo!” E, assim, eu fiz o requerimento ao Senhor Juiz Eleitoral, e, quando terminei de escrever, ele elogiou a minha caligrafia, e disse: “– Já viu!, ocê tem boa caligrafia! De hoje em diante, ocê é meu eleitor!” Isto foi em 1930.

 

Essa foi a primeira eleição da qual participei. Votei em Alto-Carangola, um Arraial pequeno. O candidato à Presidência da República era Júlio Prestes. Na época, eu não tinha o mínimo interesse em candidato nenhum. Votei com a cédula que me deram (o que era muito comum, naquela época, em minha região). Eu sabia que estava votando em Júlio Prestes, que era o candidato do Capitão Chico Victor. Foi um dia de muita euforia, para os eleitores fanáticos, mas, para mim, foi uma festa como outra qualquer. À tarde, quando tudo tinha já acabado, eu voltei pra casa, e já de noite, nem mais pensei na eleição de Alto-Carangola. Mas, no decorrer de alguns dias, correu a notícia, que Júlio Prestes tinha ganhado a eleição, mas que não deixaram ele tomar posse. E logo começou a Revolução de Trinta.

 

Depois da Revolução de Trinta, o partido da oposição saiu vencedor. Era o partido de Getúlio Vargas e Arthur Bernardes (Partido Bernardista). Júlio Prestes e seus companheiros foram obrigados a deixar a Pátria, e viver na Europa. Com essa reviravolta de política, o Capitão Chico Victor e seus filhos sofreram algumas humilhações, pois os contrários, do outro partido, ficaram graúdos, porque eram da política de Arthur Bernardes, o qual (juntamente com Getúlio Vargas) saiu vitorioso na Revolução de Trinta.

 

Mas, essa união dos dois estadistas, o Arthur Bernardes e o Getúlio Vargas, não durou muito. Eles se desentenderam, e Getúlio Vargas, sendo o mais esperto, ficou mandando sozinho. Getúlio Vargas, sabendo que o outro partido era o mais forte, abraçou-se com ele e chutou o Arthur Bernardes, com todos os seus eleitores.

 

O Brasil precisa ter Partido de direita e Partido de esquerda, porque, quando um Partido está mandando, o outro está fiscalizando. Mas, o melhor de tudo seria se ninguém precisasse fiscalizar. Mas, isto não acontece, porque nem todos têm boa intenção. O que eu acho pior, na política, é a vingança. Quando um partido está mandando, os homens deveriam pensar que, um dia é da caça, o outro é do caçador. Se hoje um Partido está por cima, amanhã poderá estar por baixo. Deviam saber ganhar, e saber perder, e viver em harmonia uns com os outros. Seria tão bom se assim fosse! Mesmo sabendo que a política é inevitável, eu a detesto. Como brasileiro e patriótico, dou o meu voto, porque é o meu dever, mas, não tenho candidato preferido.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: MEU TIO DÉCO PEREIRA


 
A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: MEU TIO DÉCO PEREIRA


ANTÔNIO DE SOUSA COSTA


 

 
 Paisagem Brasileira - Foto de Marcelo Alves



Voltando aos casos da família de meu avô Joaquim Pereira da Cunha, no período compreendido entre 1920 a 1933. Um dos filhos de Joaquim Pereira da Cunha, por nome Raimundo Pereira, que tinha por apelido Déco, era casado com uma prima, por nome Antoninha, filha de Antônio Acácio Pereira e de Francisca Alves Pereira. (O Déco era meu tio, irmão de minha mãe Antoninha). O tio Déco Pereira era um homem de altura mediana, franzino de corpo, não tinha a musculatura igual a alguns de seus irmãos, mas, era um homem de uma força extraordinária, de fazer os seus colegas ficar admirados, como, por exemplo, um de nome Ramiro, que era primo dele, quase da mesma idade. Os dois trabalhavam sempre juntos, ora em carro de bois, ora em carpintaria. Eram mesmo como dois irmãos.

 

Naquela época, em dia de festa religiosa, ou em festa de casamento, o assunto dos homens era só sobre negócios, ou trabalho de qualquer espécie, ou sobre as pessoas de mais capacidades para o trabalho, ou de mais força, enfim, era uma espécie de falatório da vida alheia. E enquanto isso, eu, ainda com pouca idade, fazia as minhas observações.

 

E, em uma festa de casamento, sendo eu ainda menino com a idade de treze anos mais ou menos, escutei Ramiro, que estava com mais uns seis a oito homens, conversando sobre homens de muita força física. Eu apreciei Ramiro, contando aos demais, sobre a força física de tio Déco. Ele dizia: “– Quem vê o físico de Déco, nunca póde imaginá a força que naqueles braços finos” (comentando sobre uma casa que eles estavam fazendo). Dizia Ramiro que, uma viga de madeira lavrada, que precisava duas pessoas para levantar de um lado, para encaixar na esquina da casa que eles estavam construindo, o Déco, com aqueles braços finos, levantava, só com um dos braços. O assunto continuou quase a noite toda, sobre o Déco. Dizia Ramiro que, o Déco, em tudo que ia fazer, fazia com diligência. Tanto como carpinteiro, como carreiro, ou na roça: o Déco era pra todo serviço. Hoje, eu também posso afirmar a força e competência de tio Raimundo Pereira, que nós, sobrinhos, tratávamos de tio Déco.

 

Tio Déco era um homem brincalhão, sempre com um sorriso estampado na boca, como nos olhos. Eu tenho uma recordação do tio Déco, sobre um casamento de uma de minhas primas, por nome Geraldina, a primeira filha de tio João de Souza (meu tio pelo lado paterno), que era casado com Cotinha (uma das filhas de Antoninha Pereira, que, por sua vez, era filha de João Argolão, meu bisavô pelo lado materno).

 

Antoninha vendeu a sua propriedade em Cachoeira dos Pereiras e comprou um Sítio na cabeceira de um ribeirãozinho localizado próximo a um Arraial denominado como São João do Norte, pertencente ao Município de Divino de Carangola. E Antoninha Pereira levou também tio João de Souza (seu genro) com a família. O lugar era um alto de serra, aonde no topo a vista alcançava a distância de cinco a seis léguas, o que equivale a uma medida de trinta a trinta e seis quilômetros, mais ou menos. Nessa época, eu tinha treze anos, e fiz a marcha (nupcial) a pé, acompanhando o noivo, por nome Antônio Ferreira, um rapaz ainda moço, que era empregado de tio Luizinho Pereira.

 

Naquele tempo, em dia de casamento, havia o costume de acompanhar os cortejos a pé, ou a cavalo, desde as respectivas residências dos noivos até o local do casamento. Assim, sempre havia dois cortejos, um do noivo, com seus amigos e familiares, e outro, da noiva, da mesma forma. Nesse dia, eu acompanhava a caminhada do cortejo do casamento do noivo Antônio Ferreira.

 

Nesse dia, havia uma missa na Fazenda de Candinho de Souza, que ficava entre a casa de tio Luizinho Pereira e a casa de tio João de Souza, e, assim, combinaram para ser realizado o casamento na Fazenda de Candinho de Souza. Ali, seria o encontro dos noivos. O tio Luizinho Pereira morava bem retirado de nossa casa, mas, o cortejo do noivo tinha que passar perto de nossa casa, pois em nossa casa reuniram-se as pessoas que iam acompanhar o noivo. E o tio Déco estava também esperando o cortejo do noivo em nossa casa.

 

Assim que o noivo apontou no alto do morro com seu acompanhamento, nós saímos de nossa casa e encontramos com eles logo à frente. Da Cachoeira dos Pereiras até a Fazenda do Candinho de Souza, deveria ter uns vinte quilômetros mais ou menos. O tio Déco, muito animado, não deixava de gritar, sempre naquela brincadeira, até chegar à Fazenda de Candinho. Chegamos na Fazenda de Candinho de Souza, e Gerardina e seu acompanhamento já estavam lá, vindos de uma distância de uns vinte quilômetros mais ou menos. A missa foi rezada às dez horas e, assim que o padre terminou a missa, fez o casamento dos noivos Antônio Ferreira (que era conhecido por Antônio Saturnino, nome que foi herdado de seu pai) e Geraldina Alves de Souza.

 

Dali, da Fazenda do Candinho de Souza, depois da cerimônia do casamento, nós saímos e fomos para a Serra de São João do Norte, aonde era a residência de tio João de Souza. O mais importante dessa história toda é sobre tio Raimundo (o Déco), que não parou de gritar, sempre animado, caminhando a pé, caçoando com um e com outro. De vez em quando, ao longo da caminhada, no meio daquela algazarra toda, ele dava uns gritos. Nisso, nós passamos pela ponte de tábua, que ficava dentro da Fazenda de Pedro Neto. A ponte de tábua passava por cima de um ribeirãozinho d’água, que vinha da cabeceira de São João do Norte até a casa de tio João de Souza. A começar da ponte de tábua, até a casa de tio João, deve ter uns doze quilômetros, mais ou menos. Nesse trajeto todo, o tio Déco não parou de gritar. A alegria era tão grande, que parecia que o meu tio estava fora de si. Até hoje, eu me recordo como ele gritava. Fazendo gestos de muita euforia, ele gritava: “– Bota taquara no fogo João de Souza”. Caminhando e gritando até entrar adentro da casa do tio João. A metade desse trecho é subida de serra, muito íngreme, e, mesmo assim, ele não parou de gritar. Eu quase não aguentei de cansaço e dor nas pernas, pois foi pela primeira vez, que eu fazia uma viagem, tão longe, a pé.

 

A casa do tio João de Souza era de estuque, mas, bem grande. Apesar da comemoração nupcial ter acontecido em um alto de serra, em um lugar ermo afastado de tudo, foi uma festa de muita gente. O povo já estava acostumado a subir serra, principalmente sabendo que haveria baile durante a noite.

 

Meu tio Déco Pereira não era pra ser um homem alegre, pelo o que aconteceu com ele quando ainda era bem moço. Ele já estava casado quando aconteceu, com ele, um acidente. Sempre que ele ia à missa, na Igreja do Divino do Carangola, quando voltava pra casa, trazia rosca seca para os filhos que ficavam em casa com a tia Antoninha. Ele chegou até a padaria de um outro João de Souza, que era conhecido como João Padeiro, na Rua Nova, quase na saída do Arraial, e quando chegou na padaria, o caixeiro, um menino chamado José, que tinha o apelido de Chica, estava com uma arma-de-fogo na mão. Nisto, quando ele chegou, o garoto tava brincando com a garrucha na mão, e puxando o gatilho. Havia uma bala que ainda não tinha sido detonada, e a garrucha disparou. A bala veio alojar na virilha de uma das pernas de tio Déco. A bala encruou, e tio Déco foi examinado por médico, que dizia que a bala encostara-se a um nervo, e que não podia tirar, porque poderia correr o risco de tio Déco não aguentar, e ele podia até morrer, porque o lugar do machucado era sensível, era perigoso tirar a bala.

 

Naquela época, a medicina era muito atrasada, ainda não havia operações, e, por uma coisa simples, a pessoa morria, isto porque os médicos tinham medo de cortar na carne humana, e também não havia anestesia, não havia Lei de indenização. O tio Déco ficou puxando de uma das pernas, e, toda volta de lua, ele sofria com aquela bala encravada na virilha de uma das pernas. Mas, mesmo assim, ele não deixava de ser um homem alegre, animado, trabalhando sempre do mesmo jeito de sempre. Tio Déco Pereira não teve vida longa; talvez por causa desse acidente. Aos quarenta anos, ele faleceu.