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sexta-feira, 19 de abril de 2013

A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: MEU IRMÃO ÁLVARO DE SOUZA


 
A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: MEU IRMÃO ÁLVARO DE SOUZA


ANTÔNIO DE SOUSA COSTA

 
 


 
Voltamos a falar sobre a família Souza Costa. De meus irmãos homens, Álvaro foi o mais inteligente e esforçado pra tudo. Sempre teve vontade de progredir na vida. Muito enérgico e pontual nos seus negócios, mas, se emprestava dinheiro ou qualquer outro objeto a alguém, podia ser o próprio pai, ele não perdoava, cobrava. Ele comprava e vendia coisas pequenas, barganhava. Isto ele fazia aos domingos e dias santos, porque meu pai era exigente com os filhos para o trabalho. Em ocasiões de festas nos Arraiais, o Álvaro estava sempre cavando o dinheiro, não ligava pra mais nada. Ora vendendo doce, ora jogando búzios de caroço de milho, ou mesmo bancando caipira com um caneco e um dado quadrado, com os números de um até seis. Isto era em ocasiões de festas ou bailes, que naquela época havia baile em todos os sábados, ora em uma casa, ora em outra. O Álvaro já estava rapaz, mas não ligava pra dança, o caso dele era ganhar dinheiro.

 

Recordo-me de uma festa de mês de Maria no Arraial do Choro. Durante os trinta dias de reza, meu irmão Álvaro aproveitou para vender doces. Teve uma noite que os doces que ele vendia acabaram mais cedo. O tio Antônio Carabineiro também estava vendendo doces. Eu não sei o motivo porque o tabuleiro de doces de Álvaro acabou primeiro. Qual foi a astúcia do Álvaro?

 

Depois de vender os doces, o Álvaro chegou disfarçado ao tio Antônio, tirou uma olhada nos doces de tio Antônio, já sabendo que o preço era tostão cada um, arrematou todos, e os partiu em dois, pois os doces que tio Antônio vendia eram grandes, e eram de leite, feitos com muito capricho. Álvaro vendeu todos os doces comprados do tio Antônio, ganhando meio por meio. Chegou em casa muito alegre, porque tinha ganhado bem.

 

Na outra noite, o Álvaro não levou doces, confiando nos doces que tio Antônio levaria para vender. Mas, não sabia que alguém avisara tio Antônio, que o Álvaro, em cada um, fizera dois. E, tio Antônio ficou muito enciumado com o que falaram pra ele. Na tal noite, tio Antônio Carabineiro levou o tabuleiro cheio com aqueles doces de leite, feitos bem caprichados, e foi vender no Arraial do Choro, que estava quase em véspera de fim de festa. Álvaro, com sua astúcia, foi chegando disfarçadamente, e disse ao tio Antônio: “– Eu pago todos a tostão cada um. Vamos contar os doces.” E tio Antônio respondeu: “– Hoje ocê não ganha dinheiro às minhas custas, não senhor! Eu também gosto de vender!” Álvaro implorou: “– Tio Antônio, o senhor vai vender todos a tostão cada um. Eu pago todos sem o senhor sacrificar o seu tempo!” Mas tio Antônio continuou sempre falando não. Álvaro, que não perdia tempo, bancou o caipira, e passou a gritar, chamando a atenção de todos.

 

Mesmo o pai sendo enérgico com o trabalho dos filhos, o Álvaro convenceu nosso pai a deixá-lo negociar com vendas de secos e molhados. O senhor Luís de Sales, que tinha uma grande casa de negócios, fazendas de tecidos, e armarinhos, e miudezas de todos os tipos, no Arraial do Choro, tinha também, e em frente, uma outra casa, de sobrado, que era de aluguel. Em cima dessa casa, era para famílias, e, em baixo, para negócios, já com prateleiras e balcão. O Álvaro alugou a loja de Luís de Sales e começou vendendo cachaça e mais outras miudezas. E o meu irmão Álvaro já estava indo muito bem no negócio.

 

Mas, chegou o tempo de servir à Pátria! O jeito foi fechar a venda e seguir para Juiz de Fora. Álvaro ainda tentou a não ir servir a Pátria, pois correu uma notícia que, em Carangola, tinha um tenente do Exército de Juiz de Fora que dispensava aquele que fosse sorteado, a não servir, por quatrocentos mil réis em dinheiro, o que, naquela época, representava muito. O Álvaro pagou.

 

Não foi só o Álvaro que caiu nesse conto-do-vigário, foram muitos outros. Muitos pagaram para não ir. O tenente voltou com o dinheiro e, no ano seguinte, veio outro tenente já com ordem de levar todos presos. Eles reclamaram, que tinham feito pagamento para não servirem, mas o tenente perguntava pelo recibo, que nenhum deles tinha, pois o tenente, o primeiro, não dera recibo a nenhum deles. E, assim, o Álvaro e os outros que foram ludibriados embarcaram presos até Juiz de Fora. E ficaram debaixo de ordem por três meses, sem poder sair do Regimento.

 

Naquela época, o salário dos soldados era de vinte e um mil réis por mês. O soldado tinha mesmo que comer no Regimento, porque o dinheiro que recebia mal dava para o cafezinho e o cigarro, mais nada. Álvaro tocava violão e cantava. Logo, na primeira oportunidade que teve, o Álvaro comprou um violão, e divertia os recrutados todas as noites com seu violão.

 

Um certo dia, o Comandante do Regimento reuniu todos, em ordem, e disse: “– Nós vamos fazer uma excursão de três dias nas matas. Aqueles que tiverem instrumento de música, poderão levar seus instrumentos, para se divertirem nas horas de folga. Naquela época, as marchas militares eram feitas a pé, e as caixas de cozinha e mantimentos eram carregadas nos burros de cargas. Com a ordem dada pelo Comandante, de quem tivesse instrumento de música levar, o Álvaro levou seu violão. E todos caminharam a pé. De vez em quando, eles descansavam, mas, caminharam até a noite.

 

À noite, eles armaram suas barracas e, com o cansaço da viagem, adormeceram. E só acordaram no outro dia. Fizeram exercício no mato, voltaram para o acampamento, e almoçaram. Depois que descansaram, todos os que levaram instrumento de música, tocaram e cantaram, naquela noite de solidão, no meio do mato.

 

E o Álvaro se lembrou de um lundum que ele cantava bem desenvolvido, acompanhado no violão por ele próprio. E, em certa distância, estava a barraca de um dos comandantes, e o comandante, lá da barraca, apreciando ele tocar e cantar, e o Comandante o chamou: “– Vem aqui, este do violão, o que está cantando!” O meu irmão Álvaro ficou um pouco ressabiado com aquele chamado, mas compareceu, e disse: “– Pronto Comandante!”, com a posição de sentido. O Comandante disse: “– Não quero continência, quero que cante o que estava cantando!” E Álvaro ficou entusiasmado, e tocou e cantou o lundum até o fim. O Comandante mandou ele repetir, ele cumpriu as ordens, e, com esta música, o Álvaro conseguiu uma amizade com aquele Comandante, o qual fez um convite a Álvaro, para ir tocar em sua casa no aniversário de um de seus filhos. E o Álvaro foi, e tocou e cantou o lundum que emocionou o Comandante, quando esse estava em instrução de guerra no meio do mato. Depois desse dia, sempre que houvesse festas em sua casa, o Comandante chamava Álvaro, para ir tocar.

 

Aqui transcrevo o lundum que o Álvaro cantava:

 

LUNDUM  DO  CASÓRIO


 

Meus senhores, eu vou contá, como foi meu casamento


Eu pedi a noiva ao pai, contei meu procedimento.  (Bis)


 

Ele me respondeu, se eu podia sustentá

Dar de comer e vestir, sapatinho pra calçá.   (Bis)

 

Eu respondi a ele, com toda sinceridade,

Se ela não morrê de fome, passará necessidade.   (Bis)

 

No dia do meu casório, todos deram gargalhada.

Lá ia os dois noivados em uma carroça quebrada.   (Bis)

 

Paletó do meu casório era de chita amarela,

A calça era de ganga, o colete de flanela.   (Bis)

 

Camisa do meu casório era só de puro linho,

Não tinha fralda, nem manga, nem punho, nem colarinho.   (Bis)

 

Cerola do meu casório, meu cunhado quem me deu,

Remendo sobre remendo, no vesti, ela rompeu.   (Bis)

 
As botinas do meu casório era de vertegal
Quiseram me comprá ela, pra mansá burro em Portugal.  (Bis)

 

Paletó do meu casório era de jaquetão

Não tinha gola, nem manga, não tinha também botão.   (Bis)

 

O padrinho e a madrinha deram pressa e foram adiente,

Dando passo à retaguarda, com a força da aguardente.   (Bis)

 

O jantar que meu sogro fez, para dar aos convidados,

Foi duas galinhas choca, dois pintinhos pestiados.    (Bis)

 

Etc., etc...

 

Um dia, o Comandante perguntou a Álvaro se queria fazer um concurso para Cabo, e Álvaro respondeu: “– Bem que eu queria, senhor Comandante! Mas, como? Se eu não tenho nem o primário?” O Comandante fez um teste nele e disse: “– Você quer ou não quer?” Ele respondeu: “– Quero!” O Comandante deu as instruções necessárias, e Álvaro começou a estudar, com outros colegas de farda, que também já estavam estudando, e que tinham mais conhecimento de letras, mas do que o Álvaro. Alguns tinham até o Ginásio! E tinha um conterrâneo (até muito abusado!), que zombava do Álvaro, que chamava ele de Cabo Álvaro. E ele dizia: “– Se Deus quiser, eu serei Cabo de verdade!” E a zombaria não parava entre os colegas de farda, que faziam continência para ele. Mas, o Álvaro não se humilhava diante deles. E sempre dizendo: “– Se Deus quiser, eu serei Cabo de verdade!” E o Álvaro não desanimou! Quando chegou o dia da prova, o Álvaro foi aprovado, e os que zombavam dele foram desclassificados.

 

O conterrâneo, que tinha curso de Ginásio, ficou tão envergonhado que, para não tirar serviço pelo comando de Álvaro, desertou, fugindo para o Divino de Carangola, sabendo que tinha uma conta para ajustar, mas preferiu deixar para o outro ano. O Álvaro, com a promoção, passou do soldo de vinte e um mil réis para duzentos e dez mil réis. Com esse ordenado melhor, alugou um quarto e passou a morar longe do acampamento, e pagando a pensão de comida até o dia de sua alta (seu término de compromisso com o Exército). O Álvaro não se engajou definitivamente no Exército porque nosso pai não deixou.

 

4 comentários:

  1. Gostei desta sua postagem...
    Mas os doces eram tão baratos! - um tostão?.
    Desejo-lhe uma feliz semana.
    Um abraço cá deste "meu" Algarve - Portugal.
    http://umraiodeluzefezseluz.blogspot.com

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  2. Tómanel, aqui quem escreve é o Alexandre, filho da Neuza...
    Você sempre prestigiou o site de minha mãe, e tenho certeza que este carinho, mesmo que virtual, foi muito importante na vida dela. Se você já percebeu, há tempos que não há mais nenhuma postagem dela, e a causa desse "hiato" não é uma coisa que eu gostaria de dizer, mas que é preciso ser dita: minha mãe teve um problema de saúde no final de abril e passou 4 dias em coma num hospital aqui do Rio de Janeiro. Foi uma parada cardíaca, que levou a um edema cerebral, e, infelizmente, ela não conseguiu resistir, vindo a falecer no dia 22/04. Quando escrevo aqui sobre ela, ainda me dá um nó na garganta, e é difícil conectar as idéias. Espero que um dia eu possa escrever algo aqui nesse blog, não apenas pra dar uma satisfação melhor aos leitores, mas também pra deixar algo de positivo, algo que a deixe feliz...
    Um grande abraço!

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  3. NÃO HÁ PALAVRAS PARA EXPRESSAR A AUSENCIA DE MINHA AMIGA

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  4. Olá!
    No meu passeio blogosférico, passei por este seu cantinho, pois já havia algum tempo que não postava comentário.
    Gostei de rever o seu blog.
    Abraço cá do Algarve.
    http://umraiodeluzefezseluz.blogspot.com

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