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sexta-feira, 26 de novembro de 2010

A REPRESENTAÇÃO DO EU NA GLOBALIZADA SOCIEDADE PÓS-MODERNA: REDESCOBRINDO ERVING GOFFMAN

A REPRESENTAÇÃO DO EU NA GLOBALIZADA SOCIEDADE PÓS-MODERNA: REDESCOBRINDO ERVING GOFFMAN

NEUZA MACHADO

Na introdução de A representação do eu na vida cotidiana, Erving Goffman (Petrópolis: Vozes, 1985), teorizando sobre o ponto de vista de um determinado grupo em relação a um indivíduo [desconhecido, ou em vias de se tornar conhecido], informa que seu objetivo é definir a interação (influência) face a face, ou seja, "a influência recíproca dos indivíduos sobre as ações uns dos outros, quando em presença física imediata". Afirma ainda que "uma interação pode ser definida como toda interação que ocorre em qualquer ocasião, quando, num conjunto de indivíduos, uns se encontram na presença imediata de outros". Goffman realça seu objetivo já no final da Introdução, depois de desenvolvê-lo implicitamente ao longo do conteúdo introdutório.

Anteriormente, já informara sobre a atuação de um determinado indivíduo na presença de outros e que os outros, ao se aproximarem do indivíduo em destaque, procuram saber o máximo a seu respeito, alguns interesses gerais, tais como se possui uma boa situação sócio-econômica, o que pensa de si e dos que o rodeiam, se é confiável, e outras especulações semelhantes. Essas informações, segundo o autor, definem a situação do sujeito avaliado perante os outros e dos outros ante o mesmo. É nesse momento que a interação será definida. Caberá ao que se coloca sob regime de avaliação, o qual, no momento, se encontra sob suspeita, influenciar positivamente ou não o grupo que o examina. De acordo com a atitude do examinado, os examinadores se convencerão ou não da validade dos esforços pessoais desenvolvidos por ele, para se fazer admirado ou respeitado. Nesse processo de avaliação, ele deixa de ser indivíduo, para se colocar temporariamente na condição de sujeito. A impressão positiva é importante no momento de influência face a face, porque é exatamente em tal momento que os outros confiarão na informação apreendida. Ele terá de sujeitar-se à avaliação do grupo. Portanto, expressão e impressão do e sobre o sujeito são fatores prioritários para que o grupo infira positivamente e confie nele, elevando-o à condição de indivíduo (sentido etimológico). Para que receba confiança, o examinado terá de expressar-se convincentemente, mesmo que, no fundo, transmita informações falsas.

A influência face a face necessita prioritariamente de expressões que convençam. Ainda sob a condição de sujeito terá de emitir tais expressões, mesmo que não sejam verdadeiras. Tais dissimulações são atitudes típicas do ator, que procura sempre tirar vantagem das expressões que emite. A expressão transmitida se vale da comunicação, e esta se faz quando o indivíduo se encontra na presença de outros, transmitindo confiança ou rejeição, de acordo com as deduções do grupo. Explicando melhor, Goffman divide a expressividade do indivíduo em duas categorias opostas: expressão que transmite e expressão que emite. Dentro da categoria da expressão que emite, estariam as dissimulações próprias do ator; na categoria da expressão transmitida, estariam as fraudes, abrangendo os símbolos verbais, usados propositadamente no intuito de transmitir impressões falsas.

Goffman, em um segundo momento de sua Introdução, muda o pólo de concentração de sua tese, deslocando-se para o ponto de vista do indivíduo. Antes, teorizara sobre o ponto de vista do grupo.

O indivíduo que se encontra diante de um determinado grupamento social, passando por um processo de avaliação, "pode desejar que os componentes do grupo pensem muito bem dele, ou que pensem estar ele pensando muito bem deles, ou que não cheguem a ter uma impressão definida"; pode, inclusive, trapacear, confundir, induzi-los a erro. Conscientemente, ele direciona as atitudes dessas pessoas em relação a si mesmo, manipula as inferências, demonstra possuir grande influência ante os outros e, conseqüentemente, passa a demonstrar poder.

Falando ainda sobre expressões transmitidas e expressões emitidas, procura delimitar o seu trabalho, informando que se ocupará primordialmente com as expressões emitidas, ou seja, a atitude do indivíduo-ator diante de um grupo-platéia. Exemplificando suas idéias, cita um incidente romanceado, um episódio sobre um inglês em férias em uma praia, na Espanha. Narra as atitudes de Preedy (um indivíduo-ator e suas expressões emitidas) para se fazer notar, por meio de vários rituais, como um passeio pela praia que virara corrida e mergulho direto na água, a forma de nadar que consistia num apelo para ser visto, e outras ações ritualísticas, visando impressões múltiplas do grupo-platéia. Com tais exemplos, demonstra que as impressões variam e nem sempre coincidem com a esperada pelo indivíduo. Às vezes, ele consegue projetar uma boa impressão e ser compreendido, outras vezes não.

Muitos exemplos são oferecidos na Introdução, mas o que fica claro é a idéia de que o processo de comunicação de qualquer ser humano é semelhante ao desempenho do ator: há encobrimentos e descobrimentos, revelações falsas e redescobertas, e, como se fosse um ator, aquele que está em fase de avaliação passa a manipular o próprio comportamento, transmitindo espontaneidade e segurança, observando as reações que desperta. Nesse momento de aguda observação, levará vantagem sobre a sua própria máscara teatral, influenciando e dominando com maestria os que o avaliam.

Em relação às posições iniciais dos diversos participantes, Goffman destaca a possibilidade de posteriores contradições. Durante o percurso da influência, poderão desenvolver-se situações embaraçosas que tornarão o indivíduo-ator desacreditado diante do grupo-platéia, mesmo sendo ele, nesse momento, o indutor da análise. Quando tal situação ocorre, a "interação face a face entra em colapso".

Ao falar-nos de projeção, realça o fato de que "não devemos passar por cima do fato essencial de que qualquer definição projetada da situação tem também um caráter próprio", ou seja, qualquer definição projetada procura ressaltar o caráter moral das projeções.

"A sociedade está organizada tendo por base o princípio de que qualquer indivíduo que possua certas características sociais tem o direito moral de esperar que os outros o valorizem e o tratem de maneira adequada" (Erving Goffman).

Evidentemente, o indivíduo em questão não se considera pequeno dentro da escala social, porque a própria sociedade já o avaliou e o aceitou. É correto salientar que há vários graus de aceitabilidade dentro da escala social. Mesmo sem saber em que patamar se encontra, se ele já se considera melhor, e a sociedade o acolhe, certamente graças à organização social, esse mesmíssimo indivíduo espera que o valorizem e o tratem de maneira especial.

Há, ainda, aquele que projeta a impressão de possuir certas características sociais. Neste caso, terá de demonstrar possuir de fato tais características para conquistar o respeito do grupo. Mesmo possuindo tais atributos, mesmo tentando demonstrar ser o que é, se não convencer seus avaliadores, jamais será aceito. Se, verdadeiramente, deseja ser o que realmente é, uma pessoa sem falsos atributos, será tratado de acordo com o que projeta sobre si mesmo, ou seja, não será valorizado, porque o grupo não o aceitará em seu despojamento. A sociedade está organizada para projetar falsos valores, e as pessoas que a compõem são guiadas no sentido de projetarem também falsos valores.

Para evitar tais embaraços, há práticas preventivas. Dentro dessa categoria, há as práticas corretivas, as quais são empregadas no sentido de corrigir as "ocorrências desabonadoras que não tenham sido evitadas". Quando isto acontece, a prática corretiva passa a ser denominada prática defensiva; o sujeito da ação se defende, procurando corrigir a ocorrência desabonadora. Há também a chamada prática protetora. Nesse caso, um outro sujeito às exigências do grupo, participante ativo do grupo, procura proteger o indivíduo, resguardando-o de uma possível má impressão.

Goffman fecha suas teorizações, demonstrando que, para evitar possíveis rupturas, pré-existem nos círculos sociais "brincadeiras e jogos nos quais são intencionalmente arquitetadas situações embaraçosas que não devem ser levadas a sério". Há um estoque de fantasias e contos, cujo teor serve de aviso, procurando alertar os componentes, persuadindo-os a serem modestos em suas pretensões.

Como já destaquei no início, Goffman só realça seu objetivo de trabalho no final da Introdução. Depois de desenvolver implicitamente e tautologicamente tal objetivo, [todas essas questões, que foram recuperadas até agora], passa a definir claramente a sua matéria teórica, impõe-se a realçar a idéia de que a interação face a face é a influência recíproca dos indivíduos sobre as ações uns dos outros, é o encontro, ou por outra, é o embate que se faz presente quando dois ou mais indivíduos se encontram face a face.

Desempenho é definido "como toda atividade de um determinado participante, em dada ocasião, que sirva para influenciar qualquer um dos participantes". Assim, desempenho é a representação propriamente dita. É a representação do eu na vida cotidiana. É o indivíduo [sentido etimológico] procurando pôr em prática uma determinada atuação diante de uma determinada platéia, representando um papel que o faça ser aceito pelo grupo, que o faça obter impressões positivas desse grupo que o observa e julga.

No capítulo dedicado às representações, ou seja, o papel que o indivíduo representa diante de um grupo, Goffman compara tal atitude com a representação do ator frente à platéia. Goffman fala de fachadas, dramatizações, idealizações, representações falsas, mistificações, realidade e artifícios.

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