XVII - MEMÓRIAS DE CIRCE IRINÉIA: SEU ATÍLIO, DONA DIDICA E DONA MILOCA
NEUZA MACHADO

Fui separada dos dois abruptamente. Eles souberam me oferecer ternura e afeição, diria mesmo amor, e deles não guardo nem mesmo uma fotografia, porque Mamãe (terrivelmente destemperada!) fez-me o favor de cortar os rostos deles de uma foto (que havíamos tirado juntos, quando eu contava quatro anos mais ou menos). Aquela foto, em que me acho sentada com meu irmão mais velho em uma escada de varanda, com os dois velhos de pé, ao fundo, com suas partes de cima cortadas, vendo somente os pés, dá-me hoje uma tristeza sem limites. Penso sempre que não se deve destruir os sonhos de uma criança. Não sei o fim que levou a foto, mas ela se encontra nítida dentro de minhas recordações.
E as jabuticabeiras de Dona Miloca (nome fictício), esposa de Seu Nico Durães, no Bairro Santa Maria. Vejo-me agora subindo nas jabuticabeiras, acompanhada de meus irmãos mais velhos, sob o olhar risonho da Velhota, cunhada de Seu Atílio, procurando pegar as jabuticabas mais graúdas e mais bonitas e mais saborosas. Vejo Dona Miloca, também sem filhos, dedicando-me carinho e amor, penteando meus cabelos, estirando-me os braços, e eu correndo correndo correndo para eles, fugindo fugindo fugindo de Jane Mamãe e seu amor opressivo, aconchegando-me naqueles quase noventa quilos de ternura, e não posso evitar de sentir saudade, porque foi bom enquanto Mamãe permitiu.
Depois, aconteceu a mudança para o Sítio do Senhor Delilo Coutinho, um pouco distante da Cidade, porque Jane Mamãe não queria morar perto de gente que estava querendo tomar-lhe a filha, gente que queria ensinar à sua filha pequena a não gostar dela. Quanto falatório, quanta briga, quanta desavença. Cresci em meio a brigas e desentendimentos de Jane Mamãe com seus vizinhos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário