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sexta-feira, 6 de agosto de 2010

XVII - MEMÓRIAS DE CIRCE IRINÉIA: SEU ATÍLIO, DONA DIDICA E DONA MILOCA

XVII - MEMÓRIAS DE CIRCE IRINÉIA: SEU ATÍLIO, DONA DIDICA E DONA MILOCA

NEUZA MACHADO


Lembro-me sempre de Seu Atílio Durães e Dona Didica (nomes fictícios). Seu Atílio era um Velho Inspetor de Escolas, solteirão, e que vivia em concubinato com Dona Didica Magrinha Baixinha, de lisos cabelos curtinhos à moda chanel (Dona Didica era viúva ou separada, não sei), e os dois nutriam por mim, envolta em meus três ou quatro anos, ou cinco, um amor ilimitado, próprio de casais sem filhos em relação a filhos alheios. Hoje, penso que Seu Atílio (tão magro e alto!) amava Mamãe. Mamãe era tão bonita! E não se dava conta de sua beleza! Mas, voltando ao seu Atílio, eu era a filhinha querida dele. Muito mais de Seu Atílio do que de Dona Didica. O velho me adorava, fazia-me as vontades, queria me adotar. Eu, na minha inocência, retribuía aquela afeição, como só as crianças conseguem retribuir. Isto gerou, por parte de Jane Mamãe, uma raiva sem limites pelo casal de idosos. Repito: Jane Mamãe era uma mulher muito bonita, mas não tinha consciência de sua beleza. Em sua ignorância não compreendia que era admirada pelos homens e não se percebia atraente. Mamãe não compreendeu que o amor do Velho não era exatamente por mim e sim por ela. A Companheira do Velho com certeza percebeu a atração que Jane Mamãe exercia sobre ele, mas soube relevar, e continuou dedicando-me todo o seu carinho.

Fui separada dos dois abruptamente. Eles souberam me oferecer ternura e afeição, diria mesmo amor, e deles não guardo nem mesmo uma fotografia, porque Mamãe (terrivelmente destemperada!) fez-me o favor de cortar os rostos deles de uma foto (que havíamos tirado juntos, quando eu contava quatro anos mais ou menos). Aquela foto, em que me acho sentada com meu irmão mais velho em uma escada de varanda, com os dois velhos de pé, ao fundo, com suas partes de cima cortadas, vendo somente os pés, dá-me hoje uma tristeza sem limites. Penso sempre que não se deve destruir os sonhos de uma criança. Não sei o fim que levou a foto, mas ela se encontra nítida dentro de minhas recordações.

E as jabuticabeiras de Dona Miloca (nome fictício), esposa de Seu Nico Durães, no Bairro Santa Maria. Vejo-me agora subindo nas jabuticabeiras, acompanhada de meus irmãos mais velhos, sob o olhar risonho da Velhota, cunhada de Seu Atílio, procurando pegar as jabuticabas mais graúdas e mais bonitas e mais saborosas. Vejo Dona Miloca, também sem filhos, dedicando-me carinho e amor, penteando meus cabelos, estirando-me os braços, e eu correndo correndo correndo para eles, fugindo fugindo fugindo de Jane Mamãe e seu amor opressivo, aconchegando-me naqueles quase noventa quilos de ternura, e não posso evitar de sentir saudade, porque foi bom enquanto Mamãe permitiu.

Depois, aconteceu a mudança para o Sítio do Senhor Delilo Coutinho, um pouco distante da Cidade, porque Jane Mamãe não queria morar perto de gente que estava querendo tomar-lhe a filha, gente que queria ensinar à sua filha pequena a não gostar dela. Quanto falatório, quanta briga, quanta desavença. Cresci em meio a brigas e desentendimentos de Jane Mamãe com seus vizinhos.

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