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terça-feira, 9 de março de 2010

GUIMARÃES ROSA: UM SERTÃO IMACULADO


GUIMARÃES ROSA: UM SERTÃO IMACULADO

NEUZA MACHADO



Verifiquei, com Goffman, que o Artista é manipulador da impressão que causa no leitor, quando intenciona revelar o Sertão. O Sertão como um lugar que possui limites como qualquer núcleo social. O narrador de A Hora e Vez de Augusto Matraga, agente (ou intermediário ou alter ego) do Artista, expõe um determinado Sertão, definindo também a situação desse espaço. Mostra aos leitores a parte externa desse lugar como ele a vê. Vigia e recria a região dos fundos, impedindo-os que vejam a face decadente do antigo e heróico sertão mineiro, submetido às imperfeições da modernidade. Impede, nesse espaço recriado, que os leigos em Ciência da Literatura observem um sertão já há muito abalado pelas investidas do progresso.
Este tipo de representação (o da exposição dos valores degradados da realidade sertaneja) não está nos impulsos criadores do Artista, aquele que é proveniente de um espaço imaculado, localizado nas impressões da infância. Advindo desse sertão, é natural que se torne membro ativo da equipe de atores/personagens que o compõem. Por isso, a familiaridade do narrador, a solidariedade para com os personagens, o desejo de ressaltar um determinado e ímpar Sertão e guardar segredo absoluto das imperfeições que já existem concretamente nesse espaço. O Sertão ficcional de Rosa é um universo particular perfeito, circundado pela imperfeição do progresso. É lícito guardar segredo das imperfeições modernas, que prejudicam a representação de um Sertão idealizado, quase medieval. Assim, descobre-se o acordo tácito entre narrador e leitor (ator e espectador). A recriação do sertão é verdadeira, porque acredita-se nessa perfeição. O narrador sustenta essa credibilidade, define a situação do sertão, que foi projetada no intuito de desvelar a face poética e mística de uma anteriormente região incomum.

Neste capítulo em especial, examino hipoteticamente a atuação de um determinado escritor sertanejo e do seu personagem-narrador, aproximando-os conscientemente. Barthes (evidentemente, o Barthes da primeira fase cientificista) diz que não se deve confundir o narrador com o escritor, já que o narrador é personagem também, mas, o leitor-intérprete das obras de Guimarães Rosa, ao penetrar no texto, dialeticamente descobre que o narrador roseano (narrador do século XX) atua como intermediário entre a História e o Ficcional, sob o comando de seu criador. O narrador, como porta-voz de uma entidade demiúrgica, há de transmitir pensamentos, questionamentos, dúvidas, todo um elenco de emoções que fazem substancialmente parte de seu universo interiorizado e imediato ou, talvez, sentimentos não imediatos que provêm de raízes profundas e metafísicas. O narrador roseano, como personagem do Sertão, não pode ser confundido com o Artista Literário Guimarães Rosa, no que diz respeito a uma narrativa que tente registrar a vida do Homem como personagem histórico. O Artista Literário Guimarães Rosa, cidadão do mundo, mas nativo do sertão, pode projetar-se em seus personagens, fazendo emergir suas raízes sertanejas. Nhô Augusto, Joãozinho Bem-Bem e o narrador, todos os personagens do seu universo ficcional representam as várias faces/fases de seu próprio país. Neste caso, o narrador sertanejo atuando como o autêntico herói moderno de Lukács (Georg Lukács), porque ele é historicamente, também, o indivíduo que faz parte da sociedade moderna (núcleo deteriorado que determina as atitudes externas de seus componentes), sociedade que exige determinadas representações dos indivíduos em suas relações sociais; sociedade de valores esteriotipados, na qual o valor maior é o valor do modo de produção e da apropriação de um capitalismo agrário.

MACHADO, Neuza. Do Pensamento Contínuo à Transcendência Formal. Rio de Janeiro: NMachado / ISBN: 85-904306-1-8

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