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terça-feira, 4 de maio de 2010

4.1 – GUIMARÃES ROSA: A REGIÃO DAS PROFUNDAS MEDITAÇÕES


4.1 – GUIMARÃES ROSA: A REGIÃO DAS PROFUNDAS MEDITAÇÕES

NEUZA MACHADO



O cidadão do mundo fixou seu olhar de criador literário no sertão da infância. Por meio de iluminadas recordações, e submetido temporariamente ao elemento fogo, passou a modelar o seu espaço de origem sob as ordens agora (A Hora e Vez de Augusto Matraga) das próprias reflexões. De ora em diante, qualquer outra matéria que for eleita (terra, água, ar), para a elaboração do literário, trará a marca transmutativa do fogo purificador.

O sonhador, na citada narrativa, sonha diante do fogo um sertão diferente, singular, situado na região das profundas meditações. Pela primeira vez, ao longo da escrita de Sagarana, o coronel do sertão abandona a aparência mítica, passando a sofrer as consequências de suas atitudes passionais.

O elemento fogo, dignificado nas sequências iniciais, destrói o mito, humaniza o personagem no final, permitindo-lhe o ressurgimento das necessidades vitais (desejo por mulheres, hábitos, brigas) que compõem a realidade sócio-substancial.

O conflito narrativo, instaurado inicialmente pelo elemento fogo e reinterado a partir do encontro de Nhô Augusto com o Tião da Thereza, caracteriza esse momento de mudança discursiva.

Retomando o conflito central: Tião da Thereza (personagem ocasional), saindo "à procura de uma boiada brava, que se desmanchara nos gerais do alto Urucuia", reconhece Nhô Augusto, que estava escondido no norte de Minas com seus pretos tutelares. E, "como era casca-grossa, foi logo dando as notícias que ninguém não tinha pedido” (A Hora e Vez de Augusto Matraga). Nhô Augusto, depois de ouvir o Tião, pede-lhe que não o delate e que esqueça o encontro.

“E Tião da Thereza pôs, nos olhos, na voz e no meio-aberto da boca, tanto nojo e desprezo, que Nhô Augusto abaixou o queixo, e nem adiantou repetir para si mesmo a jaculatória do coração manso e humilde: teve foi de sair, para trás das bananeiras, onde se ajoelhou e rejurou: — P'ra o céu eu vou, nem que seja a porrete!...

E foi bom passo que nesse dia um homem chamado Romualdo, morador à beira da cava, precisou de ajuda para tirar uma égua do atoleiro, e Nhô Augusto teve trabalho até tarde da noite, com fogueira acesa e tocha na mão” (A Hora e Vez de Augusto Matraga).


Eis o elemento fogo possibilitando uma nova transformação do personagem, do narrador e do narrado. O fogo purificador, simbolizado pela fogueira acesa e pela tocha, cede lugar, aos poucos, aos elementos naturais da obra roseana. A terra e a água, amalgamadas dinamicamente, ressurgem pela perspectiva dialetizada, aquela que, ao lado da perspectiva maravilhada, fundamentará a criação das páginas singulares de Grande Sertão: Veredas.

MACHADO, Neuza. Do Pensamento Contínuo à Transcendência Formal. Rio de Janeiro: NMachado / ISBN: 85-904306-1-8

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