NELSON RODRIGUES: O GRÃ-FINO NÃO QUER NADA COM O BRASIL
NEUZA
MACHADO
Aos meus
leitores-blogueiros (os permanentes e os passantes) recomendo as leituras das
sempre atualíssimas crônicas do incomparável Nelson Rodrigues. Leiam o trecho
abaixo da crônica “O Grã-fino Não Quer Nada Com o Brasil” e me digam depois se
não tenho razão. Por exemplo: mesmo tendo sido publicada em um jornal do Rio de
Janeiro, em maio de 1975 (1975: atentem para a data da publicação, por favor),
pelo meu ponto de vista, esta crônica de Nelson Rodrigues continua impecavelmente atual. Posso afirmar-lhes que,
mesmo agora, com o Brasil alcançando um patamar mais elevado em termos
mundiais, e o povão brasileiro já vivendo uma melhor situação financeira, o
grã-fino brasileiro, hoje integrante da pequena elite endinheirada (é bem
verdade que estou generalizando), repito, o grã-fino brasileiro ainda não quer
nada com o Brasil. Para o grã-fino brasileiro, seria melhor que o Brasil
continuasse como na época de Nelson Rodrigues, ou seja, com os milhões de
brasileirinhos pobres e famintos trabalhando quase de graça para ele, o rico grã-fino
brasileiro-estrangeiro.
Leiam com atenção e
lembrem-se do mês e ano em que Nelson Rodrigues escreveu esta crônica: maio de 1975.
O GRÃ-FINO NÃO QUER NADA COM
O BRASIL
Nelson
Rodrigues
Amigos, se eu mandasse numa redação, havia de encomendar a
seguinte enquete: – que ideia faz o brasileiro de si mesmo? Eis uma pergunta,
simples pergunta que, entretanto, abre uma janela para o infinito. O próprio
leitor há de estar se apalpando como para certificar-se dos seus imensos
defeitos e escassas virtudes.
Os
idiotas da objetividade poderão rosnar pelos cantos: – “Exagero e piada.” Nem
uma coisa, nem outra. O brasileiro pode ser generoso; e o é. Pode ser manso,
piedoso, romântico. Sim, é tudo isso e muito mais. Há pouco tempo, fui a um
palácio, na Gávea. No meio do jardim, há uma estátua de mulher nua; e nas
noites frias, a mulher morre de frio. Muito bem. Entrei com secreta depressão. Depressão
que, aliás, não tinha nada de misterioso. Naquela festa eu era o único plebeu. Chego,
dou quatro passos e ouço a voz feminina: – “Como vai esse reacionário?” Tenho
esta fama e não a contrario. Pelo contrário: – sempre que posso invento um pigarro,
alço a fronte e digo: – “Sou, antes de tudo, um reacionário.” Não sê-lo, em tal
mundo, é uma provação, só comparável às de Jó.
Estou
conversando com a dona da casa, quando aproxima-se o marido. Saudou-me: – “Como
vai esta flor da reação?” Respondo, firme: – “Flor, não sei. Da reação, sim.” O
dono da casa puxou-me: – “Estão te chamando. É uma discussão bacanérrima.”
Levou-me para um grupo. No primeiro momento, percebi que lá se discutia sobre o
Brasil. Querem saber se diziam bem do Brasil ou mal do Brasil? Diziam horrores.
Uma grã-fina perguntou-me: – “Você não acha, Nelson, que o Brasil é um país de
quinta ordem?” A partir do momento em que uma pessoa diz algo parecido, amarro
a cara. Falei sério: – “Minha senhora, eu acho que, até 2000, o Brasil será o
que são hoje os Estados Unidos e a Rússia.” Foi um escândalo ao redor. Como era
um grupo de paus-d’água de ambos os sexos, perguntaram-me: – “Você bebeu?”
Outro, altíssimo, balançava diante de mim: – “Nelson, não acha o brasileiro um
cafajeste?” Em suma, e para não tomar o tempo do leitor: – comecei a desconfiar
que o grã-fino não quer nada com o Brasil e vive em exílio na própria terra.
(...)
(RODRIGUES, Nelson (Org.:
Sonia Rodrigues). Brasil Em Campo. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 2012: 55)
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