A HISTÓRIA DE ANTÔNIO: O
AVÔ JOAQUIM PEREIRA
ANTÔNIO DE SOUSA COSTA
Quando João Pereira, vulgo Barba de Argolão, morreu,
a Fazenda foi dividida entre os filhos. Meu avô Joaquim, sendo o mais velho dos
irmãos, ficou com a Sede da fazenda, porque já morava perto. Os outros irmãos,
que já eram todos casados, tinham as suas residências mais longe. Quando eu entendi-me
por gente, ainda conheci a minha avó-bis, que morava com um filho, Sebastião
Pereira. Sebastião Pereira era casado com Maria Luisa. Tio Sebastião Pereira
possuía grande criação de carneiros e, todos os anos, quando chegava o Verão,
ele tosquiava os carneiros, tirava a lã, e a tia Maria fazia cobertores de lã
de carneiro, e fazia, também, de algodão; fazia até roupa de vestir em casa.
Naquela época, só se vestia roupa de algodão em casa ou no trabalho pesado;
para passear, usava-se roupa de seda, para as mulheres, e, para os homens, roupa
de tecido de casimira inglesa (tecido da Caxemira), para os ternos, ou então
linho de boa qualidade. Tio Bastião Pereira, como era chamado por todos nós, e
tia Maria Luisa viviam muito felizes com seus oito filhos, morando perto, todos
muito reunidos, e, todos os dias, iam à casa dos pais, para pedir a bênção aos
pais, rezar ladainha, terço, juntamente com a avó, que era a minha avó-bis, já
velhinha quando a conheci. Minha avó-bis, que era chamada de vovó Toninha, morreu
aos noventa anos, sofreu o mal da velhice por vários dias; todos os filhos,
netos e bisnetos iam fazer quarto a ela, durante a noite. Eu, nessa época, era
bem menino, mas recordo-me o que meus pais e meus tios comentavam sobre ela.
Eles falavam, até em espécie de uma brincadeira: “– A Vovó Toninha não quer
morrer! Não tá podendo nem virar na
cama, e sempre rezando, pedindo a Deus vida”. Vovó Toninha rezava assim: “–
Pela Vossa Divina Luz, me conservai, me ajudai!”.
Os outros irmãos de meu avô
Joaquim Pereira venderam as suas heranças, por pouco mais de nada, e foram para
outras terras. João foi para Ponte Nova, e Manoel foi para o Norte de Minas.
Antônia e Luisa também venderam as suas heranças. Antônia era casada com o
irmão de minha avó Maria Brasilina, por nome Antônio Luís Alves, que eu não
conheci. Antônio Luís Alves morreu ainda moço, e a tia Toninha, como era
chamada, vendeu a herança para um sobrinho por nome Pedro Alves, que era o
filho mais velho do segundo casamento de Joana. E Luisa (esta eu não conheci)
mudou-se para um lugar por nome Vargem Alegre, município de Manhuaçu, e por lá
viveu, sem nunca voltar à Fazenda Cachoeira.
Voltando a Joaquim Pereira,
meu avô. Minha avó Maria Brasilina contou-me que, no início que meu avô começou
a enlouquecer, ele pegou a filha Corina, na idade de um ano, carregando ela nos
braços, chamou dois cachorros, e subiu acima da cachoeira d’água da Fazenda,
atravessou a cachoeira, na parte do início da correnteza, carregando a menina,
já de noite. Do outro lado da cachoeira era uma mata virgem. Subiu margeando o
rio, dentro do mato, até chegar em uma casa velha abandonada. Entrou dentro da
casa com a menina, acendeu um fogo, deitou a menina perto do fogo, deixou os
dois cachorros vigiando a menina, e foi pra
casa de Antônio Acácio Pereira, que era seu sobrinho e concunhado, porque
Antônio Acácio era casado com Francisca, irmã de Maria Brasilina. E Antônio era
filho de Joana, irmã de Joaquim Pereira. Minha avó Maria Brasilina, quando deu
por falta da menina, teve certeza que era o pai que a tinha carregado para
algum lugar, pois deu por falta dos dois cachorros, que não estavam em casa.
Chamou os filhos, despachou um para um lado, outro pra outro lado, e Raimundo subiu acima da cachoeira, e, quando foi
atravessar, escorregou-se no limo da pedra e afundou-se em um remanso. Este
trecho da história foi-me contado por ele próprio, em casa de meu pai Zeca.
Dizia ele: “– Se não soubesse nadar, tinha morrido afogado”. O remanso era
muito fundo. Ele contava que sentiu um zunzum
dentro dos ouvidos, e foi até ao fundo, e, quando voltou à flor d’água, nadou e
saiu. E foi pela mesma trilha que o pai tinha passado com a irmãzinha, e,
chegando até a casa abandonada, encontrou a menina deitada perto do fogo, e os
dois cachorros vigiando a menina. Tio Raimundo voltou com a menina pra casa. Ao chegar em casa, a família
já tinha recebido a notícia que o pai estava em casa do sobrinho Antônio
Acácio. Esperaram o dia amanhecer para irem buscá-lo. Todos os filhos se
reuniram e foram buscar ele. Mas, quando chegaram à casa de Antônio Acácio, ele
já tinha saído para o outro lado da Serra, e sempre caminhando pra frente, e eles perseguindo-o. Quando
chegaram perto, e deram voz de prisão, ele avançou pra cima deles, jogando pedra, e foi a maior luta entre eles, e
ele, mais com muito custo, foi preso pelos filhos. Assim, conseguiram prender
ele e voltar para casa.
Meu avô Joaquim Pereira,
quando melhorava daquelas perturbações, ninguém dizia que ele era doente. Eu me
recordo bem de quando ele estava na prisão familiar. Eu ia até a sala, mas,
antes de chegar, eu ficava atrás da parede, escutando ele cantar. Ele cantava
as modas de viola, conversava, como que estivesse duas pessoas falando. Ele
tinha um cunhado já falecido por nome Joaquim Alves, que tinha o apelido de
Joaquinzinho, e, meu avô discutia com ele, e diversas vezes o xingava e,
depois, pedia desculpa. E eu estava atrás da parede, na sala de dentro, ouvindo
tudo. Mas, ele percebia que tinha alguém atrás da parede e perguntava: “– Quem tá aí?” Nesta hora, eu me aproximava
dele e tomava bênção, e ele dizia: “– Benção de Deus!, pode chegar pra cá, eu não lhe faço mal”. Mas, eu
tinha medo de chegar perto, e também minha avó me recomendava pra não me aproximar dele; eu conversava
com ele, mas sempre concordando com ele. Tudo o que ele falava tinha que ser o
certo, agente não podia contrariá-lo. Minha avó gostava que ele tivesse visita.
E, como todos os que o visitavam eram da família, todos já sabiam que tinham
que concordar com ele, em tudo o que ele falasse, certo ou errado. Meu avô
Joaquim não bebia água, só bebia café. De vez em quando, ele gritava: “– Queeero
cafeéé!!!”. E pedia também fogo para acender o cigarro, pois ele tomava
muito café, e fumava demais cigarro de palha de milho.
A casa de meu avô Joaquim era
muito grande. Era o casarão da Fazenda Cachoeira dos Pereiras (depois, Fazenda
Cachoeira dos Alves). Os cômodos todos muito grandes. O pé direito da casa
muito alto, com as portas e janelas todas altas; duas grandes salas, quatro quartos,
todos grandes, e o quarto da sala, onde ele ficava preso, era de estuque,
barreado com barro e rebocado com areia. Nos primeiros anos em que ele foi
preso, arrancava os terrões da parede, e jogava por cima da outra parede, a que
dividia as duas salas. Os terrões iam, voando, por cima do espaço vago das
cumeeiras da casa, até à cozinha. Sendo assim, a casa não pôde ficar com os
terrões nas paredes do quarto; derrubaram os terrões e pregaram tábuas, no
quarto onde ele ficava preso. O assoalho tinha um metro de altura, não era
porão de andar gente em pé, mas, andavam porcos por baixo do assoalho. O
terreiro era cercado com rachas de braúna, para os porcos não fugirem. Dentro
do quarto, havia um buraco aonde ele fazia suas necessidades. Era assim o Brasil
de antigamente.
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