Quer se comunicar com a gente? Entre em contato pelo e-mail neumac@oi.com.br. E aproveite para visitar nossos outros blogs, o "Neuza Machado 2", Caffe com Litteratura e o Neuza Machado - Letras, onde colocamos diversos estudos literários, ensaios e textos, escritos com o entusiasmo e o carinho de quem ama literatura.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

XXIII - MEMÓRIAS DE CIRCE IRINÉIA: O LINDO VESTIDO DE ALCINHAS

XXIII - MEMÓRIAS DE CIRCE IRINÉIA: O LINDO VESTIDO DE ALCINHAS

NEUZA MACHADO

Ah!, meus inesquecíveis anos escolares! Quase sempre, tirava o primeiro lugar (perdi por duas vezes, para um coleguinha dois anos mais velho do que eu). Durante os primeiros anos escolares saboreei o gostinho do primeiro lugar nas provas mensais e de final de ano. Recordo-me, principalmente, das festas, nas quais eu me destacava, fosse discursando de improviso (o que envaidecia a professora), fosse recitando os poemas dos grandes poetas, ou atuando nas peças dramáticas, quase sempre, escritas por mim. Vale dizer-lhe que, nessas ocasiões, Jane Mamãe se enchia de orgulho. Paradoxo mais do que explicável: ela era a Jane Mamãe do fenômeno da escola, naqueles anos primaveris de minha infância e adolescência. Cheia de altivez, Jane Mamãe me exibia como se exibisse um troféu. Só que, em casa, a guerra era tremenda, porque nossos gostos, quanto à forma de vestir-me em dias de festas, não coincidiam.

Jane Mamãe costurava, para mim, uns vestidos horrorosos, vestidos de velha-coroca, com laços, babadinhos na gola, mangas compridas, saia comprida, et cœtera, e obrigava-me a usá-los, por meio de tapas e falatórios. Eu chorava, esperneava bravamente, genioooooosa! (uma réplica infantil de Jane Mamãe), mas meus protestos não adiantavam muito. Humilhada, lá ia eu para as festividades escolares, e a minha única satisfação era brilhar, brilhar, brilhar, graças ao poder da interpretação, desviando assim a atenção da platéia do vestuário horroroso que me revestia (naquele momento, segundo o meu ponto de vista infanto-juvenil). Talvez, nas festividades escolares, a platéia visse, naquela roupa, a roupa de teatro, que é geralmente estranha. Talvez, a menina vestida com roupas de velha agradasse também por isso, porque era um vestuário diferente. Mas a verdade era bem outra. Se eu vestia aquelas roupas era porque, se não as vestisse, apanhava.

Um dia convenci Jane Mamãe a fazer-me um vestido de alcinha. Não sei como, mas consegui. Também já estava com onze anos. Quero explicar-lhe que Jane Mamãe só costurava por necessidade. Ela não gostava de trabalhar dentro de casa em serviços domésticos (gostava de trabalhar no quintal, plantando verduras, criando galinhas e porcos). Às vezes, cortava um vestido ― para mim ou para ela ―, e o tecido cortado ficava rolando na gaveta sem que Jane Mamãe se dispusesse a terminá-lo. Assim, minha Jane Mamãe costurou o vestido tomara-que-caia com alças finas (até que ficou bem bonitinho!), mas, fez também um bolero curtinho (um casaquinho para se sobrepor a um vestido de alças ou blusa decotada).

Eu era obrigada a usar o vestido de alças com o bolero. Nesse caso, não era vantagem alguma ter um vestido de alças (muito decente, por sinal, pois eu ainda não tinha seios), para exibi-lo nas solenidades da Escola. Minha danadisse funcionou logo na primeira semana de existência do tal vestido. Muito habilidosa em travessuras infantis (menos na escola, onde eu recebia de dona Clara a nota máxima por bom comportamento), fiz desaparecer o odiado bolero. Escapei ilesa. Jane Mamãe nunca descobriu a minha traquinagem (ou fingiu desconhecer!). Desaparecer coisas na casa de Jane Mamãe sempre foi acontecimento normal, graças ao seu horror a serviço doméstico. Jane Mamãe só conheceu o prazer de ver a sua casa bem arrumada no meu período de adolescência, quando os pretendentes começaram a rondar-me, fazendo-nos visitas periódicas. Mesmo assim, nesses dias de arrumação e brilho da casa, o ambiente tornava-se insuportável. Jane Mamãe não aceitava, de forma alguma, que eu pusesse a casa em ordem, e, enquanto eu limpava e arrumava os móveis (de vez em quando, é bem verdade!), ia falando nervosamente: “Quem quiser namorar você, e casar com você, vai ter de aceitar a minha casa bagunçada, sim senhora!... Não mexa nas minhas coisas!... Não quero você fuçando nos meus trens!... Sai, sai daqui, sua enxerida!” E por aí vai...

Nenhum comentário:

Postar um comentário