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quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

GUIMARÃES ROSA: REALIDADE VITAL x REALIDADE ESPIRITUAL - 3

NEUZA MACHADO



REALIDADE VITAL x REALIDADE ESPIRITUAL

NEUZA MACHADO


Para a compreensão de minhas posteriores argumentações, penso que será necessário explicar (por um processo de abordagem nitidamente tautológico) que o cogito(4), segundo Bachelard, não se liga ao plano vital (de causa e efeito), mas ao plano espiritual de difícil ascensão, e o meio racional para reconhecê-lo seria pensar o intervalo vazio entre ambos.

Por esta via, se repenso exclusivamente a ficção-arte brasileira do século XX, dou-me conta de que ela é originária do Mundo do Silêncio (também conhecido por Vazio Criador ou Vazio Bashoniano). Os escritores das estéticas modernistas e pós-modernistas e os atuais estudiosos de teoria literária são os venturosos conhecedores desse mundo sem formas estabelecidas. Os Artistas — ficcionistas e poetas — dessas estéticas (íntimos dessa realidade insólita) iniciam suas criações no auge de suas oposições aos hábitos inveterados da realidade que os cerca. Rejeitando os limites vitais, chocam-se com a vida ordinária e tentam, literariamente, fazer o tempo refluir sobre si mesmo, racionalizando e, ao mesmo tempo, sentimentalizando em um grau superior ― um grau já distanciado dos sentimentos telúricos (esteticamente) ― suas próprias realidades subjetivas, procurando renovar velhos conceitos ou criando novas substâncias. É necessário ressaltar que, no que se refere aos modernistas e pós-modernistas brasileiros, o ato de sentimentalizar intimamente e esteticamente é bem diferente do lírico sentimentalizar romântico, é um sentimentalizar que passa pelo crivo da razão.

Ao invés de se originar do plano histórico (contínuo, linear), a autêntica criação ficcional brasileira do século XX (incluindo as narrativas sertanejas de Guimarães Rosa a partir de A Hora e Vez de Augusto Matraga, obras literárias reconhecidamente verticais) tem sua origem no mundo do Vazio Criador (o já nomeado Mundo do Silêncio). Originária deste mundo informe, ela só fará parte do plano dos fenômenos já conceituados depois do repouso ativado do escritor, quando o sentimento inicial, sentimento telúrico, tornar-se parte integrante da duração pela razão, transformando-se, como já foi dito, em um sentimento renovado.

Para demonstrar esta transformação literária nos textos ficcionais de Guimarães Rosa, busquei a contribuição da filosofia de Bachelard. A partir deste auxílio, poderei reafirmar a minha proposta teórico-crítica, seguindo evidentemente um roteiro previamente elaborado, no qual destacarei alguns temas importantes, consciente de que os mesmos contribuirão para reforçar o desenvolvimento de minhas argumentações, unindo as idéias que formarão o alicerce de meu objetivo. Assim, verificarei, em primeiro lugar, a relação do escritor com a obra, considerando que as narrativas de Guimarães Rosa aqui realçadas têm com o sertão da infância, da adolescência e das recordações uma relação interna indissolúvel, já que foi dito que este sertão em especial é o inventor da obra ficcional roseana, e o contrário também vale: o texto ficcional criou o sertão roseano.

Na primeira parte de meus assertos teóricos [asserções, assertivas], falarei do sertão mineiro propriamente dito, o sertão sócio-cultural, atavicamente preso à infância do escritor Guimarães Rosa, evidentemente, revelador do aspecto paradoxal de sua personalidade, por um lado, comprometida com os valores da modernidade (ao vivenciar cotidianamente essa modernidade), entretanto, por outro lado e ao mesmo tempo, muito mais comprometida com os valores sertanejos. É lícito observar que o escritor de origem sertaneja, em sua ficção poética (conceituação do próprio Guimarães Rosa, na Entrevista ao crítico alemão Günter Lorenz), procura ressaltar um determinado sertão, aquele de sua infância, que se encontra distanciado, temporal e socialmente, da realidade sócio-geográfica do sertão do Estado de Minas Gerais, realidade esta refletora da deterioração de uma sociedade brasileira mal-edificada.

Partindo do princípio de que a questão é importante, já que se liga aos temas tempo e espaço, e consequentemente ao tema dos cogitos superpostos, observarei, em um pequeno capítulo, pela ótica poético-filosófica de Gaston Bachelard, alguns trechos da obra ficcional de Guimarães Rosa, vigilante à possibilidade de ver (ou perceber) no referido sertão roseano a casa inesquecível e seus recantos secretos, da qual fala o filósofo-camponês (nascido em França, na região vinícula da Champanha) em sua Poética do Espaço.

MACHADO, Neuza. Do Pensamento Contínuo à Transcendência Formal. Rio de Janeiro: NMachado / ISBN: 85-904306-1-8

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