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quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

1 - SÉCULO XX NO BRASIL: APRENDENDO A ADMINISTRAR CONFLITOS


NEUZA MACHADO



SERÁ QUE O BRASIL CONTINUA ASSIM?



CELSO FURTADO E AS ESTRUTURAS DO PODER MUNDIAL NOS ANOS 80



O avanço político, que é o mais difícil e importante de todos que logra o homem, faz-se aprendendo a administrar conflitos. Daí que só as sociedades democráticas o realizem com segurança. Trata-se de manter a sociedade aberta, num mundo de crescente interdependência, preservando e exercendo a capacidade de auto-governo. É um problema com mais incógnitas do que equações. Mas será que existe solução para todos os problemas que envolvem o destino dos homens?[1]

Em Os ares do mundo (publicado em 1991), Celso Furtado procurou reexaminar as estruturas do poder mundial (principalmente, as estruturas do poder dos Estados Unidos da América do Norte, naqueles anos bélicos) e as consequências desse domínio na questão desenvolvimento-subdesenvolvimento, questão esta que até hoje incomoda vários países subdesenvolvidos, estando longe de ser solucionada. Refletindo sobre a dependência a que estavam submetidos os países do chamado Terceiro Mundo, “presos na armadilha do subdesenvolvimento
[2], dominados por grandes potências mundiais, e reexaminando as substâncias ideológicas que estruturavam essas camadas de poder, Celso Furtado questionou os problemas dos países subdesenvolvidos, e, naquela época, incluindo o Brasil, e se perguntou, no primeiro capítulo de suas reflexões, “que rumo tomar?”[3]

Em um país hierarquizante ― nos anos finais do século XX ― onde uma minoria possuía as armas para dominar os menos favorecidos socialmente, minoria esta que também se submeteu a poderes externos, foi impossível (para a maioria dos brasileiro) parar para pensar o rumo a ser seguido. Na verdade, o povo, naquele momento, foi levado caoticamente pelas engrenagens de um poder cujas bases repousavam fora de seus limites sócio-existenciais.

Repensando o início da História do Brasil, constato que esta pergunta, “que rumo tomar?”, poderia ser formulada a partir do próprio desenvolvimento histórico-social do país. O próprio Celso Furtado informou que “as lutas sociais do século XX [foram] caudatárias de ideologias concebidas nos dois séculos anteriores, particularmente no XIX”.
[4] Com pesar, o sociólogo reconheceu que essas lutas não conseguiram reconstruir as estruturas inicialmente mal elaboradas. E foi exatamente esta mal-formação social que impediu (até o final dos anos noventa) a tão desejada autonomia ao Brasil, e que ainda impede os atuais países subdesenvolvidos (em termos gerais) de se elevarem economicamente.

Observando especificamente o Brasil, um país que foi ao longo de sua história marcado politicamente por etapas conflituosas, é possível (ainda hoje, décimo ano do século XXI) raciocinar a impossibilidade de aprender a administrar conflitos, incapacidade esta que o atinge continuamente, apesar dos esforços de alguns brasileiros valorosos, os quais lutam aqui mesmo, em território nacional, para que as mudanças positivas sejam realizadas (evidentemente, estou aqui aludindo a uma consciente minoria politizada).

Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil, por sua vez, desnudou o modo de ser do homem brasileiro, a sua cordialidade; desnudou o caráter de quem herdou, historicamente, uma personalidade paradoxal misto de trabalho e aventura. Com ele, observo que o princípio do Brasil não favoreceu o desenvolvimento de uma aprendizagem segura, pois as condições naturais do país, naquele início, aliadas ao domínio de um povo, no qual o culto da personalidade impelia à separação ao invés da união, impediram tal aprendizagem. Assim, atrevo-me a falar da dificuldade do brasileiro de classes privilegiadas em aprender a administrar conflitos. Ainda hoje (reafirmo: início de século XXI), com os progressos já visíveis aqui em nossa Aldeia Particular, com o Brasil já galgando um patamar vitorioso, percebo esta quase impossibilidade de achar a solução para os problemas políticos/sociais que envolvem o destino da Nação Brasileira. Continuamos colonos, pior ainda, colonos mentais.

No que se relaciona à literatura, esta sempre procurou refletir esses problemas. Conscientemente ou intuitivamente os escritores brasileiros, cada qual submetido a sua linha estética, registraram as suas impressões, desenvolvendo considerações sobre a realidade que os cercava.

Antônio Cândido em Literatura e subdesenvolvimento ressaltou a idéia de Mário Vieira de Mello, sobre as duas fases que predominaram no Brasil no âmbito da literatura — a idéia de “país novo”, até 1930, e, posteriormente, de “país subdesenvolvido” —, e como os escritores de cada fase viram a realidade circundante. Desde o Descobrimento, os escritores elaboraram uma literatura exaltada e utópica, celebrando as belezas naturais e pouco se preocupando com os problemas sociais. A partir de 1930 surgiu a conscientização dos problemas e esta conscientização possibilitou uma repercussão que provocou a noção clara do subdesenvolvimento. A partir daí, arrefeceu-se a euforia inicial, a linguagem de celebração, a idéia de “terra bela - pátria grande”, e os escritores passaram a desenvolver uma ficção centralizada em uma visão pessimista, na qual afloraram a miséria e a incultura.


[1]FURTADO, Celso. Os ares do mundo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991: 16
[2] Idem: 15
[3] Idem: 19
[4] Idem: 15

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