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domingo, 31 de julho de 2011

O ESPELHO DE GUIMARÃES ROSA: QUESTÕES DE FENÔMENOS SUTIS NA FICÇÃO MODERNISTA


O ESPELHO DE GUIMARÃES ROSA: QUESTÕES DE FENÔMENOS SUTIS NA FICÇÃO MODERNISTA

NEUZA MACHADO

Para um reconhecimento da “temática dos espelhos”, inserida nas páginas literárias modernas e pós-modernas de variados ficcionistas (incluindo aqui a narrativa “O Espelho” de Machado de Assis, já apresentada neste mesmo Blog: neumac.blogspot.com/2011/03/o-espelho-de-machado-de-assis-as.html), hoje submeto ao exame de meus leitores a narrativa “O Espelho” de Guimarães Rosa (publicada pela Editora José Olympio, em 1975).

Outros contos sobre a mesma temática, de outros escritores já conceituados (brasileiros ou não), continuarão a ser apreciados aqui, gradativamente, para um futuro estudo comparativo. Entretanto, para o entendimento teórico deste conto em especial e para uma proveitosa incursão nos domínios da Ciência da Literatura e da Literatura Comparada, por via fenomenológica (ou analítica), seria de suma importância uma prévia leitura da história infanto-juvenil “Alice no País dos Espelhos” do escritor inglês Charles Lutvidge Dodgson, sob o pseudônimo de Levis Carrol (publicado em 04 de julho de 1865), incluindo também (para uma instigante proposta de estudo comparativo) a reapreciação do supracitado conto de Machado de Assis, editado em 1882.

Uma boa leitura para todos acrescida de primorosas reflexões!


O ESPELHO

João Guimarães Rosa


Se quer seguir-me, narro-lhe; não uma aventura, mas experiência, a que me induziram, alternadamente, séries de raciocínios e intuições. Tomou-me tempo, desânimos, esforços. Dela me prezo, sem vangloriar-me. Surpreendo-me, porém, um tanto à-parte de todos, penetrando conhecimento que os outros ainda ignoram. O senhor, por exemplo, que sabe e estuda, suponho nem tenha idéia do que seja na verdade — um espelho? Demais, decerto, das noções de física, com que se familiarizou, as leis da óptica. Reporto-me ao transcendente. Tudo, aliás, é a ponta de um mistério. Inclusive, os fatos. Ou a ausência deles. Duvida? Quando nada acontece, há um milagre que não estamos vendo.

Fixemo-nos no concreto. O espelho, são muitos, captando-lhe as feições; todos refletem-lhe o rosto, e o senhor crê-se com aspecto próprio e praticamente imudado, do qual lhe dão imagem fiel. Mas — que espelho? Há-os «bons» e «maus», os que favorecem e os que detraem; e os que são apenas honestos, pois não. E onde situar o nível e ponto dessa honestidade ou fidedignidade? Como é que o senhor, eu, os restantes próximos, somos, no visível? O senhor dirá: as fotografias o comprovam. Respondo: que, além de prevalecerem para as lentes das máquinas objeções análogas, seus resultados apóiam antes que desmentem a minha tese, tanto revelam superporem-se aos dados iconográficos os índices do misterioso. Ainda que tirados de imediato um após outro, os retratos sempre serão entre si muito diferentes. Se nunca atentou nisso, é porque vivemos, de modo incorrigível, distraídos das coisas mais importantes. E as máscaras, moldadas nos rostos? Valem, grosso modo, para o falquejo das formas, não para o explodir da expressão, o dinamismo fisionômico. Não se esqueça, é de fenômenos sutis que estamos tratando.

Resta-lhe argumento: qualquer pessoa pode, a um tempo, ver o rosto de outra e sua reflexão no espelho. Sem sofisma, refuto-o. O experimento, por sinal ainda não realizado com rigor, careceria de valor científico, em vista das irredutíveis deformações, de ordem psicológica. Tente, aliás, fazê-lo, e terá notáveis surpresas. Além de que a simultaneidade torna-se impossível, no fluir de valores instantâneos. Ah, o tempo é o mágico de todas as traições... E os próprios olhos, de cada um de nós, padecem viciação de origem, defeitos com que cresceram e a que se afizeram, mais e mais. Por começo, a criancinha vê os objetos invertidos, daí seu desajeitado tactear; só a pouco e pouco é que consegue retificar, sobre a postura dos volumes externos, uma precária visão. Subsistem, porém, outras pechas, e mais graves. Os olhos, por enquanto, são a porta do engano; duvide deles, dos seus, não de mim. Ah, meu amigo, a espécie humana peleja para impor ao latejante mundo um pouco de rotina e lógica, mas algo ou alguém de tudo faz frincha para rir-se da gente... E então?

Note que meus reparos limitam-se ao capítulo dos espelhos planos, de uso comum. E os demais — côncavos, convexos, parabólicos — além da possibilidade de outros, não descobertos, apenas, ainda? Um espelho, por exemplo, tetra ou quadridimensional? Parece-me não absurda, a hipótese. Matemáticos especializados, depois de mental adestramento, vieram a construir objetos a quatro dimensões, para isso utilizando pequenos cubos, de várias cores, como esses com que os meninos brincam. Duvida?

Vejo que começa a descontar um pouco de sua inicial desconfiança, quanto ao meu são juízo. Fiquemos, porém, no terra-a-terra. Rimo-nos, nas barracas de diversões, daqueles caricatos espelhos, que nos reduzem a mostrengos, esticados ou globosos. Mas, se só usamos os planos — e nas curvas de um bule tem-se sofrível espelho convexo, e numa colher brunida um côncavo razoável — deve-se a que primeiro a humanidade mirou-se nas superfícies de água quieta, lagoas, lameiros, fontes, delas aprendendo a fazer tais utensílios de metal ou cristal. Tirésias, contudo, já havia predito ao belo Narciso que ele viveria apenas enquanto a si mesmo não se visse... Sim, são para se ter medo, os espelhos.

Temi-os, desde menino, por instintiva suspeita. Também os animais negam-se a encará-los, salvo as críveis excepções. Sou do interior, o senhor também; na nossa terra, diz-se que nunca se deve olhar em espelho às horas mortas da noite, estando-se sozinho. Porque, neles, às vezes, em lugar de nossa imagem, assombra-nos alguma outra e medonha visão. Sou, porém, positivo, um racional, piso o chão a pés e patas. Satisfazer-me com fantásticas não-explicações? — jamais. Que amedrontadora visão seria então aquela? Quem o Monstro?

Sendo talvez meu medo a revivescência de impressões atávicas? O espelho inspirava receio supersticioso aos primitivos, aqueles povos com a idéia de que o reflexo de uma pessoa fosse a alma. Via de regra, sabe-o o senhor, é a superstição fecundo ponto de partida para a pesquisa. A alma do espelho — anote-a — esplêndida metáfora. Outros, aliás, identificavam a alma com a sombra do corpo; e não lhe terá escapado a polarização: luz—treva. Não se costumava tapar os espelhos, ou voltá-los contra a parede, quando morria alguém da casa? Se, além de os utilizarem nos manejos da magia, imitativa ou simpática, videntes serviam-se deles, como da bola de cristal, vislumbrando em seu campo esboços de futuros fatos, não será porque, através dos espelhos, parece que o tempo muda de direção e de velocidade? Alongo-me, porém. Contava-lhe...

— Foi num lavatório de edifício público, por acaso. Eu era moço, comigo contente, vaidoso. Descuidado, avistei... Explico-lhe: dois espelhos — um de parede, o outro de porta lateral, aberta em ângulo propício — faziam jogo. E o que enxerguei, por instante, foi uma figura, perfil humano, desagradável ao derradeiro grau, repulsivo senão hediondo. Deu-me náusea, aquele homem, causava-me ódio e susto, eriçamento, espavor. E era — logo descobri... era eu, mesmo! O senhor acha que eu algum dia ia esquecer essa revelação?

Desde aí, comecei a procurar-me — ao eu por detrás de mim — à tona dos espelhos, em sua lisa, funda lâmina, em seu lume frio. Isso, que se saiba, antes ninguém tentara. Quem se olha em espelho, o faz partindo de preconceito afetivo, de um mais ou menos falaz pressuposto: ninguém se acha na verdade feio: quando muito, em certos momentos, desgostamo-nos por provisoriamente discrepantes de um ideal estético já aceito. Sou claro? O que se busca, então, é verificar, acertar, trabalhar um modelo subjetivo, preexistente; enfim, ampliar o ilusório, mediante sucessivas novas capas de ilusão. Eu, porém, era um perquiridor imparcial, neutro absolutamente. O caçador de meu próprio aspecto formal, movido por curiosidade, quando não impessoal, desinteressada; para não dizer o urgir científico. Levei meses.

Sim, instrutivos. Operava com toda a sorte de astúcias: o rapidíssimo relance, os golpes de esguelha, a longa obliqüidade apurada, as contra-surpresas, a finta de pálpebras, a tocaia com a luz de-repente acesa, os ângulos variados incessantemente. Sobretudo, uma inembotável paciência. Mirava-me, também, em marcados momentos — de ira, medo, orgulho abatido ou dilatado, extrema alegria ou tristeza. Sobreabriam-se-me enigmas. Se, por exemplo, em estado de ódio, o senhor enfrenta objetivamente a sua imagem, o ódio reflui e recrudesce, em tremendas multiplicações: e o senhor vê, então, que, de fato, só se odeia é a si mesmo. Olhos contra os olhos. Soube-o: os olhos da gente não têm fim. Só eles paravam imutáveis, no centro do segredo. Se é que de mim não zombassem, para lá de uma máscara. Porque, o resto, o rosto, mudava permanentemente. O senhor, como os demais, não vê que seu rosto é apenas um movimento deceptivo, constante. Não vê, porque mal advertido, avezado; diria eu: ainda adormecido, sem desenvolver sequer as mais necessárias novas percepções. Não vê, como também não se vêem, no comum, os movimentos translativo e rotatório deste planeta Terra, sobre que os seus e os meus pés assentam. Se quiser, não me desculpe; mas o senhor me compreende.

Sendo assim, necessitava eu de transverberar o embuço, a travisagem daquela máscara, a fito de devassar o núcleo dessa nebulosa — a minha vera forma. Tinha de haver um jeito. Meditei-o. Assistiram-me seguras inspirações.

Concluí que, interpenetrando-se no disfarce do rosto externo diversas componentes, meu problema seria o de submetê-las a um bloqueio “visual” ou anulamento perceptivo, a suspensão de uma por uma, desde as mais rudimentares, grosseiras, ou de inferior significado. Tomei o elemento animal, para começo.

Parecer-se cada um de nós com determinado bicho, relembrar seu facies, é fato. Constato-o, apenas; longe de mim puxar à bimbalha temas de metempsicose ou teorias biogenéticas. De um mestre, aliás, na ciência de Lavater, eu me inteirara no assunto. Que acha? Com caras e cabeças ovinas ou eqüinas, por exemplo, basta-lhe relancear a multidão ou atentar nos conhecidos, para reconhecer que os há, muitos. Meu sósia inferior na escala era, porém — a onça. Confirmei-me disso. E, então, eu teria que, após dissociá-los meticulosamente, aprender a não ver, no espelho, os traços que em mim recordavam o grande felino. Atirei-me a tanto.

Releve-me não detalhar o método ou métodos de que me vali, e que revezavam a mais buscante análise e o estrênuo vigor de abstração. Mesmo as etapas preparatórias dariam para aterrar a quem menos pronto ao árduo. Como todo homem culto, o senhor não desconhece a Ioga, e já a terá praticado, quando não seja, em suas mais elementares técnicas. E, os “exercícios espirituais” dos jesuítas, sei de filósofos e pensadores incréus que os cultivam, para aprofundarem-se na capacidade de concentração, de par com a imaginação criadora... Enfim, não lhe oculto haver recorrido a meios um tanto empíricos: gradações de luzes, lâmpadas coloridas, pomadas fosforescentes na obscuridade. Só a uma expediência me recusei, por medíocre senão falseadora, a de empregar outras substâncias no aço e estanhagem dos espelhos. Mas, era principalmente no modus de focar, na visão parcialmente alheada, que eu tinha de agilitar-me: olhar não-vendo.. Sem ver o que, em meu rosto, não passava de reliquat bestial. Ia-o conseguindo?

Saiba que eu perseguia uma realidade experimental, não uma hipótese imaginária. E digo-lhe que nessa operação fazia reais progressos. Pouco a pouco, no campo-de-vista do espelho, minha figura reproduzia-se-me lacunar, com atenuadas, quase apagadas de todo, aquelas partes excrescentes. Prossegui. Já aí, porém, decidindo-me a tratar simultaneamente as outras componentes, contingentes e ilusivas. Assim, o elemento hereditário — as parecenças com os pais e avós — que são também, nos nossos rostos, um lastro evolutivo residual. Ah, meu amigo, nem no ovo o pinto está intacto. E, em seguida, o que se deveria ao contágio das paixões, manifestadas ou latentes, o que ressaltava das desordenadas pressões psicológicas transitórias. E, ainda, o que, em nossas caras, materializa idéias e sugestões de outrem; e os efêmeros interesses, sem seqüência nem antecedência, sem conexões nem fundura. Careceríamos de dias, para explicar-lhe. Prefiro que tome minhas afirmações por seu valor nominal.

À medida que trabalhava com maior mestria, no excluir, abstrair e abstrar, meu esquema perspectivo clivava-se, em forma meândrica, a modos de couve-flor ou bucho de boi, e em mosaicos, e francamente cavernoso, como uma esponja. E escurecia-se. Por aí, não obstante os cuidados com a saúde, comecei a sofrer dores de cabeça. Será que me acovardei, sem menos? Perdoe-me, o senhor, o constrangimento, ao ter de mudar de tom para confidência tão humana, em nota de fraqueza inesperada e indigna. Lembre-se, porém, de Terêncio. Sim, os antigos; acudiu-me que representavam justamente com um espelho, rodeado de uma serpente, a Prudência, como divindade alegórica. De golpe, abandonei a investigação. Deixei, mesmo, por meses, de me olhar em qualquer espelho.

Mas, com o comum correr quotidiano, a gente se aquieta, esquece-se de muito. O tempo, em longo trecho, é sempre tranqüilo. E pode ser, não menos, que encoberta curiosidade me picasse. Um dia... Desculpe-me, não viso a efeitos de ficcionista, inflectindo de propósito, em agudo, as situações. Simplesmente lhe digo que me olhei num espelho e não me vi. Não vi nada. Só o campo, liso, às vácuas, aberto como o sol, água limpíssima, à dispersão da luz, tapadamente tudo. Eu não tinha formas, rosto? Apalpei-me, em muito. Mas, o invisto. O ficto. O sem evidência física. Eu era — o transparente contemplador?... Tirei-me. Aturdi-me, a ponto de me deixar cair numa poltrona.

Com que, então, durante aqueles meses de repouso, a faculdade, antes buscada, por si em mim se exercitara! Para sempre? Voltei a querer encarar-me. Nada. E, o que tomadamente me estarreceu: eu não via os meus olhos. No brilhante e polido nada, não se me espelhavam nem eles!

Tanto dito que, partindo para uma figura gradualmente simplificada, despojara-me, ao termo, até à total desfigura. E a terrível conclusão: não haveria em mim uma existência central, pessoal, autônoma? Seria eu um... desalmado? Então, o que se me fingia de um suposto eu, não era mais que, sobre a persistência do animal, um pouco de herança, de soltos instintos, energia passional estranha, um entrecruzar-se de influências, e tudo o mais que na impermanência se indefine? Diziam-me isso os raios luminosos e a face vazia do espelho — com rigorosa infidelidade. E, seria assim, com todos? Seríamos não muito mais que as crianças — o espírito do viver não passando de ímpetos espasmódicos, relampejados entre miragens: a esperança e a memória.

Mas, o senhor estará achando que desvario e desoriento-me, confundindo o físico, o hiperfísico e o transfísico, fora do menor equilíbrio de raciocínio ou alinhamento lógico — na conta agora caio. Estará pensando que, do que eu disse, nada se acerta, nada prova nada. Mesmo que tudo fosse verdade, não seria mais que reles obsessão auto-sugestiva, e o despropósito de pretender que psiquismo ou alma se retratassem em espelho...

Dou-lhe razão. Há, porém, que sou um mau contador, precipitando-me às ilações antes dos fatos, e, pois: pondo os bois atrás do carro e os chifres depois dos bois. Releve-me. E deixe que o final de meu capítulo traga luzes ao até agora aventado, canhestra e antecipadamente.

São sucessos muito de ordem íntima, de caráter assaz esquisito. Narro-os, sob palavra, sob segredo. Pejo-me. Tenho de demais resumi-los.

Pois foi que, mais tarde, anos, ao fim de uma ocasião de sofrimentos grandes, de novo me defrontei — não rosto a rosto. O espelho mostrou-me. Ouça. Por um certo tempo, nada enxerguei. Só então, só depois: o tênue começo de um quanto como uma luz, que se nublava, aos poucos tentando-se em débil cintilação, radiância. Seu mínimo ondear comovia-me, ou já estaria contido em minha emoção? Que luzinha, aquela, que de mim se emitia, para deter-se acolá, refletida, surpresa? Se quiser, infira o senhor mesmo.

São coisas que se não devem entrever; pelo menos, além de um tanto. São outras coisas, conforme pude distinguir, muito mais tarde — por último — num espelho. Por aí, perdoe-me o detalhe, eu já amava — já aprendendo, isto seja, a conformidade e a alegria. E... Sim, vi, a mim mesmo, de novo, meu rosto, um rosto; não este, que o senhor razoavelmente me atribui. Mas o ainda-nem-rosto — quase delineado, apenas — mal emergindo, qual uma flor pelágica, de nascimento abissal... E era não mais que: rostinho de menino, de menos-que-menino, só. Só. Será que o senhor nunca compreenderá?

Devia ou não devia contar-lhe, por motivos de talvez. Do que digo, descubro, deduzo. Será, se? Apalpo o evidente? Tresbusco. Será este nosso desengonço e mundo o plano — intersecção de planos — onde se completam de fazer as almas?

Se sim, a “vida” consiste em experiência extrema e séria; sua técnica — ou pelo menos parte — exigindo o consciente alijamento, o despojamento, de tudo o que obstrui o crescer da alma, o que a atulha e soterra? Depois, o “salto mortale”... — digo-o, do jeito, não porque os acrobatas italianos o aviventaram, mas por precisarem de toque e timbre novos as comuns expressões, amortecidas... E o julgamento-problema, podendo sobrevir com a simples pergunta: — ”Você chegou a existir?”

Sim? Mas, então, está irremediavelmente destruída a concepção de vivermos em agradável acaso, sem razão nenhuma, num vale de bobagens? Disse. Se me permite, espero, agora, sua opinião, mesma, do senhor, sobre tanto assunto. Solicito os reparos que se digne dar-me, a mim, servo do senhor, recente amigo, mas companheiro no amor da ciência, de seus transviados acertos e de seus esbarros titubeados. Sim?

(GUIMARÃES ROSA. Primeiras Histórias. Rio de Janeiro: José Olympio, 1975: 70-78)


quinta-feira, 28 de julho de 2011

5 - NOVAS AVENTURAS DE CIBELE GISELE


5 - NOVAS AVENTURAS DE CIBELE GISELE

NEUZA MACHADO

Mas a Cibele Romana,
Agora, Cibele do Brasil,
Voltava em Carruagem Bacana
Daquele Pantanal Varonil,
O Pantanal do Mato Grosso
De Incomuns Belezas-Mil,
Em Meio a Um Grande Alvoroço
De um Povo Bem Juvenil,
Muita Gente Animada,
Alegria, Batucada,
E Parada Para o Almoço.

Depois: Uma Nova’Estrada
De um Futuro Cor-de-Anil
Para Uma Brasilidade Ansiada,
Com a Esperança Renovada,
Não Mais um Povo Servil,
Sem Medo da Desastrada
Dominação de Covil,
Sem a Miséria Ofertada
Naquele Passado Senil,
Pois a Moçad’Antenada
Do Meu País dos Cem-Mil,
Com a Mente Arejada,
Um Novo Brasil PreViu:
Atividade Remunerada
Em Bom Emprego Civil,
A Tal Casinha Sonhada,
Para Uma Realidade Gentil,
E Férias Bem Planejadas,
Descanso Primaveril,
Uns Dias Sem Fazer Nada,
Um Renovar Juvenil,
Trabalheir’Atirada,
Com Movimento Febril,
Faz Mal à Rapaziada
E à Feminina Moçada.
Em Frase Bem Explicada:
Ao Trabalhador do Brasil.

E Eis a Cibele Brasileira,
A Voltar do Pantanal,
Nas Férias!, Alvissareira!,
Neste Terceiro Actual!,
Sem a Antiga Cabeleira
Esvoaçante, Anormal,
Agora, uma Senhora Estrela
De um Milênio Alto-Astral,
Com a Mantilha Florida,
Sua Mantilha Real,
Mas, Sem a Incômoda Lida
Do Passado Espectral,
Sem os Adornos de Outrora
Que a Faziam Imortal
Em Roma da Veira Hora
Daquele Cantor Genial,
Sem os Raminhos da Flora
A Enfeitar-lhe o Avental.
A Neo-Cibele Brasileira
Do Avatar Sem-Igual
É Neo-Diva Pioneira,
Bem Versada de Normal,
A Inspirar, Justiceira!,
Um Neo-Cantar Com Moral.


sábado, 23 de julho de 2011

4 - NOVAS AVENTURAS DE CIBELE GISELE


4 - NOVAS AVENTURAS DE CIBELE GISELE

NEUZA MACHADO

Estava o meu ego a contar,
Meu Amigo!, Meu Amor!,
Do ReTorno Mui Sem-Par
De Cibele Romanor,
De Novo no Mundo a Actuar
Com ReNovado Esplendor,
Viajando, Com Efeito!,
E Também Com Muito Jeito!,
N’um Rumo Superior,
Saindo lá do Passado
Para o Terceiro do Amor,
Ou Seja, Bem Explicado!,
O Milênio Redentor,
Ao Lado do Namorado,
O Zé Abrão Mercador.

E Num Domingo Ensolarado,
Diferente, Acolhedor!,
Viu um Brasil ReNovado
Surgindo, Com Mui Valor!
Um Brasil por ela amado
Com muito, muito fervor!,
Que a recebeu de bom grado,
Quando aqui ela aportou,
Provinda de um Bell Passado,
De um Passado Bell Sonhado
Idealizado e Versado
Na Mente de um Vei-Cantor,
Quando em Templo Mui Sagrado
Era a Demiurga do Amor,
Nos idos de Roma Veira
De um Passado Sedutor,
Hoje, Grã Cibele Pioneira,
Renascida com Louvor
Num Avatar de Primeira,
Magnificente Esplendor!,
No corpo da Brasileira
Almandina Du Lavor,
A Sacerdotis’Altaneira
Do Retorno MultiCor.

Na Cantarolagem Passada,
Um Domingo Circular,
A Dita Cibele Gisele,
Deusa do Antigo Narrar,
Agora em Nova Morada,
Vivendo no Brasil Exemplar,
Em Veículo Mui Brilhante
Estava Alegre a Voltar
Daquele Pantanal Instigante,
De Beleza Exuberante,
Em Ônibus-Leito Baloiçante,
Na Estrada Principal
Que Liga a Região Centro-Oeste
À Região do Sudeste
De Beleza Sem-Igual,
Na qual se firmam a Bahia,
O Espírito Santo Legal,
O Estado do Rio Bonito,
O Minas Gerais Montanhoso,
Estado Mui Glorioso,
O meu Estado Natal,
E quomodo já Vos disse emnhantes,
Todos Esses, Mui Brilhantes!,
Federativos Estados,
Estados, Por Certo! Actuantes!,
Legalizados e Firmados,
Pertencentes ao Mui Dourado:
O meu Brasil Sem-Igual.

quinta-feira, 30 de junho de 2011

3 - NOVAS AVENTURAS DE CIBELE GISELE


3 - NOVAS AVENTURAS DE CIBELE GISELE


NEUZA MACHADO

Se há miséria no Brasil,
a dita não vai durar,
o meu País Cor-de-Anil
tem riquezas pra’esbanjar,
terras mui verdejantes
próprias para o plantar,
nos rios, mui abundantes,
há peixes de bom paladar,
os pescadores costeiros
buscam seus peixes no mar,
todos os bons brasileiros
sabem o que é trabalhar.

Hoje, o bom alimento,
no meu Brasil Neo-Nação,
não é só para’o segmento
que não quer dividir o pão,
o pobre já almoça e janta
n’uma melhor condição,
já pode comprar a manta
do inverno-temporão,
já pode cuidar da garganta
em época de calorão,
já pensa na casa própria
prometida na eleição,
aquela casinha sonhada
nos momentos de aflição,
mas nunca jamais comprada
em tempos que longe vão,
quando a turma endinheirada,
esquecendo o amor cristão,
com sordidez camuflada,
escravizava o Povão.

Se há miséria no Brasil
- uma nodoazinha a manchar,
uma falha no esmeril
que está presente a limpar
as sujeiras do lugar -,
repito três vezes-mil!,
a dita não vai durar:
o meu País Cor-de-Anil
tem riqueza intra-mar,
tem petróleo brasileiro
jorrando aqui sem parar,
tem governo mui ordeiro
procurando consertar
o estrago desordeiro
de antigão governar.

Por isto digo e redigo
Meu Caro Internauta Amigo!,
desculpai-me a exaltação!,
esta minha idolatria
tem lá a sua razão,
o meu País é grande e bello,
o que posso fazer, Irmão!,
se eu não cantar as belezas
do meu Amado Rincão,
os Estrangeiros, com certeza!,
não vão exaltar, não vão não!

terça-feira, 21 de junho de 2011

2 - NOVAS AVENTURAS DE CIBELE GISELE


2 - NOVAS AVENTURAS DE CIBELE GISELE

NEUZA MACHADO

Se há miséria por aqui,
há também noutros países!
Saibais, oh Minha Excelência!,
eu não estou nem aí!,
vou continuar a cantar
a parte bella daqui,
a parte bella e agradável,
pois o Estrato Miserável
um dia vai acabar,
talvez neste Terceiro Milênio
o Povo daqui vencerá,
quem sabe no Anno que vem
o Brasil prosperará,
quem sabe será aclamado
quomodo País Titular,
um País Mui Venerado
por todos da banda de lá.

Lá em Paris vi mendigos
andando de léu em léu.
Em Nova York a Tal Miséria,
nos Antros do Povaréu,
é coisa praláde séria,
pobreza de déu em déu!,
naqueles guetos imundos,
de maus agouros profundos,
em prédios que alcançam o céu.
Tudo isto, com certeza!,
no País Poder e Ação,
onde a bandidagem e a pobreza
vão desafiando a riqueza
da Americana Nação.

Por isto, digo e redigo,
Meu Caro Internauta Amigo!,
desculpai-me a exaltação!,
esta minha idolatria
tem lá a sua razão,
o meu País é grande e bello,
o que posso fazer, Irmão!,
se eu não cantar as belezas
do meu Amado Rincão,
os Estrangeiros, com certeza!,
não vão exaltar, não vão não!

sexta-feira, 10 de junho de 2011

1 - NOVAS AVENTURAS DE CIBELE GISELE


1 - NOVAS AVENTURAS DE CIBELE GISELE

NEUZA MACHADO

Na Cantarolagem Passada,

Um Domingo Circular,
A Diva Cibele Gisele,
Deusa do Antigo Narrar,
Agora em Nova Morada,
Vivendo no Brasil Exemplar,
Em Veículo Mui Brilhante
Estava Alegre a Voltar
Daquele Pantanal Instigante,
De Beleza Exuberante,
Em Ônibus-Leito Baloiçante,
Na Estrada Principal
Que Liga a Região Centro-Oeste
À Região do Sudeste
De Beleza Sem-Igual,
Na qual se firmam a Bahia,
O Espírito Santo Legal,
O Estado do Rio Bonito,
O Minas Gerais Montanhoso,
Estado Mui Glorioso,
O meu Estado Natal,
Assim, Todos Esses Condados
Federativos Estados,
Legalizados e Firmados,
Pertencem ao País Dourado,
O meu Brasil Sem-Igual.

Mas QuoModo Vos Dizia,
Desculpai-me a Exaltação!,
Esta minha Idolatria
Tem lá a sua Razão,
O Brasil é Grande e Bello,
O que posso fazer, Irmão!,
Se eu não Exaltar as Belezas
Do Meu Amado Rincão,
Os Estrangeiros, com certeza!,
Não vão exaltar, isto não!,
Vão preferir as Riquezas,
Que há muitas em nosso Lugar,
E depois das Grã-Empresas,
Dos roubos, do afanar,
Voltarão com realezas
Pra seus Lugares, o Lar,
Falando mal do Povinho,
Do Brasileirinho Magrinho
Que os ajudou a enricar.

terça-feira, 24 de maio de 2011

HOMENAGEM A BOB DYLAN


HOMENAGEM A BOB DYLAN

NEUZA MACHADO



Ao Bob Dylan, Inigualável Poeta e Músico Transtemporal (de todas as gerações pós-1960), neste 24-05-2011, dia de seu aniversário, desejando-lhe muitos anos de vida e permanente sucesso (http://bobdylan.com).



"Os grandes livros foram escritos / os grandes ditos foram ditos / e eu só quero tentar pintar um quadro / do que acontece por aqui de vez em quando / ainda que não entenda bem o que se passa / sei que morreremos algum dia / e que nenhuma morte deterá o mundo". Bob Dylan - Bringing it all back home.



(Conferir tradução: Epígrafe do livro de Roberto Drummond, A Morte de D. J. em Paris, Editora Ática, São Paulo, 1996)


domingo, 8 de maio de 2011

RETRATO DE MÃE


RETRATO DE MÃE


NEUZA MACHADO

Hoje, Dia das Mães, vou apresentar-lhes um poeminha escrito por mim à época de minha infância. Este poeminha ficou registrado em minha memória durante esses anos todos. Nunca esqueci o fato de ser ainda uma criança quando o escrevi.

Publicando-o hoje, desejo homenagear (in memoriam) a minha Jane Mamãe (Joana). Apesar de nossos "desencontros de personalidade" e por não ter compreendido ao longo de nossas vidas o seu profundo "desequilíbrio emocional/espiritual", nesta minha atual fase de vida a homenagem se faz com mais consciência. Estendo a homenagem (também in memoriam) ao meu Antoinzinho Papai (Antônio), aquele que soube compreender os "descontroles" de sua amada Joana, em seus muitos anos de casados, e que foi para mim (especialmente) e para os meus três irmãos o ponto de equilíbrio que nos salvou de uma vida de infelicidades sem fim.

Este poema foi escrito um pouco antes dos meus onze anos e causou um certo impacto em minha provinciana cidadezinha natal, uma vez que em minha casa não existia biblioteca e muito menos o hábito familiar de leitura. Houve quem dissesse que havia se apossado de mim o espírito de algum poeta famoso, pois para eles era impossível aceitar o fato de uma criança assimilar as regras da Poética a partir de simples audições de recitações literárias na escola primária.

Tomando por base a dúvida dos "intelectuais" de minha cidade, os que não acreditaram em meu provável dom para escrever versos, fico ainda hoje a imaginar qual foi o poeta (ou poetisa) do passado que além-túmulo induziu-me a psicografá-lo.

Depois de mais de meio-século, apresento-lhes o poema:


RETRATO DE MÃE

Autora: Neuza Maria


De minha casa amiga e protetora,
Parti um dia sem um rumo certo,
Fui conhecer cidades, a assistir de perto
As maravilhas desta terra enganadora.

Ao me ver partir, minha mãe aos prantos me falou:
"Filha! Mais vale o pão que Deus nos dá,
Do que as maravilhas que na terra há!
Isto dizendo, em profundo silêncio ficou.

Passaram-se anos, muitos e muitos anos,
À minha casa voltei, arrependida.
Na mocidade não pensei na vida!
No mundo há também os desenganos!

A casa estava abandonada, tão vazia!,
As suas paredes estavam calmas.
Não havia sequer barulho d'almas,
Só um Retrato de Mãe ali jazia.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

A QUESTÃO DOS GÊNEROS LITERÁRIOS NESTES ANOS INICIAIS DO SÉCULO XXI

A QUESTÃO DOS GÊNEROS LITERÁRIOS NESTES ANOS INICIAIS DO SÉCULO XXI

NEUZA MACHADO

Desde a antiguidade helênica até aos dias atuais, muito se especulou sobre os Gêneros Literários. O filósofo que se preocupou, em primeiro lugar, com o problema foi Platão, no Livro III de A República, no qual distinguiu as três grandes divisões dentro da poesia, como eram conhecidos os textos literários naquela época: a poesia mimética (ou dramática), a poesia não mimética (ou lírica) e a poesia mista (ou épica). Assim, foi a partir de Platão que se originou a atualmente chamada Problemática dos Gêneros Literários, também reconhecida, no auge do Renascimento, como uma questão a ser solucionada. De qualquer maneira, é importante que se saiba que Platão aboliu a divisão, divisão aquela que ele mesmo havia instituído, no seu Livro X, na mesma obra A República.

Se reconsiderarmos, com atenção, as idéias de Aristóteles, o segundo desta lista de pensadores sobre este tema tão reiterado, sobre este assunto tão controvertido, vamos perceber que ele foi, em verdade, o primeiro a fazer uma reflexão consciente e profunda sobre o assunto que, no momento, priorizamos. O seu livro Poética, ainda hoje, poderá servir-nos de bússola, para orientar-nos, quanto a compreensão das atuais delimitações dos Gêneros Literários, no âmbito da Literatura-Arte. Aristóteles, entre os muitos teóricos que se envolveram com o problema, foi o que mais nos legou subsídios para que pudéssemos hoje, nestes iniciais do século XXI, analisar e compreender tais distinções sobre os Gêneros Literários.

Assim dito, passo a explanar, agora, o papel da mimese no que tange ao reconhecimento das diversas categorias genéticas. A mimese (um conceito filosófico), para Aristóteles, se colocará como o fundamento de todas as artes (entretanto, no caso de nossa disciplina [Teoria Literária, pelo ponto de vista fenomenológico], esta se envolve única e exclusivamente com a Arte Literária), diferenciando-se a forma como cada uma assimila e demonstra esta dita mimese.

Na Literatura-Arte, é importante esclarecer, a mimese é apreendida através da palavra escrita. Na pintura-arte, as cores revelarão a mimese. Na música-arte, o ritmo e a harmonia se acoplarão e, através deles, a mimese poderá ser apreendida. Na arquitetura-arte, o vazio, que será, posteriormente, preenchido pelo Artista-Arquiteto, irá revelar, com grandeza, a mimese, que se colocará subentendida na forma arquitetônica. Na escultura-arte, o mesmo será revelado, pois a mimese estará subentendida na forma. Assim, é por intermédio da forma que a mimese se faz presente na escultura-arte. Na coreografia-arte (dança), percebe-se a mimese, intuída pelo coreógrafo, nos movimentos dos bailarinos.

E, mesmo na Literatura-Arte, em que a mimese do texto é revelada por intermédio da palavra escrita, há distinções. Há como observar a mimese em formas literárias diferentes. A essas formas diferentes do texto literário, denominamos Gêneros Literários. Assim, é possível, ainda hoje, distinguirmos o Gênero Épico do Gênero Lírico e do Gênero Dramático, a chamada tripartição genérica, reconhecida pelos antigos estudiosos da literatura, desde os gregos até ao Renascimento.

Somente no início do século XVII, ainda sob o impacto da anterior transição da Idade Média para a Idade Moderna, com o surgimento de Dom Quixote, o Cavaleiro da Triste Figura, do espanhol Miguel de Cervantes, logrou-se reconhecer um novo Gênero Literário: o Ficcional (narrativa em prosa). Não o ficcional linear das adaptações em prosa de textos épicos, antigos e medievais, mas, o ficcional complexo, verticalizante, promovido pelos ficcionistas de renomes, posteriores a Cervantes, ou seja, os textos ficcionais-arte, conhecidos, desde o século XIX, como romances modernos, incluindo, também, alguns excepcionais contos, os quais não poderão desvincular-se daquilo a que chamamos Literatura-Arte.

Como se pode observar, as novelas, reconhecidamente lineares, de estrutura simples, não poderão ser avaliadas como Literatura-Arte. Se, por ventura, algum texto novelístico (ou pequena narrativa supostamente conceituada como novela) alcançou tal privilégio, poderemos repensá-lo, colocando-o como autêntico embrião de romance. É o caso, por exemplo, da pequena narrativa A Hora e Vez de Augusto Matraga, de Guimarães Rosa, conceituada por alguns especialistas de literatura como pequena novela, e que poderemos, sem sombra de dúvida, classificar como embrião de Grande Sertão: Veredas. Poderemos repensar, também, algumas narrativas (excepcionais) de Érico Veríssimo (que foram reconhecidas como novelas em um passado ainda muito próximo), colocando-as como representantes do romance do século XX. Basta-nos, por exemplo, passar os olhos em E o resto é silêncio, de autoria deste renomado escritor gaúcho, para imediatamente compreendermos o engano dos conceituados teóricos que avaliaram o grande escritor das reminiscências dos pampas como novelista.

Diante de tais enganos, torna-se clara a necessidade de renovarmos nossos conceitos teórico-críticos, principalmente pelo fato de que escritores como Jorge Amado terem sido mal apreciados pelos críticos dos anos setenta no Brasil. Só depois de o mesmo ser aplaudido na França, alguns críticos de cá começaram a prestigiá-lo. A maioria dos críticos brasileiros, dos anos sessenta aos anos oitenta, não estava preparada para compreender o fato de que o escritor baiano possuía sim muita criatividade ficcional. Uma ficção voltada para os valores da Bahia, é bem verdade, mas, também, propensa a alcançar o panteon da glória universal e ser aclamada pelos pósteros (os únicos que saberão com certeza avaliar o que seja realmente literatura-arte).

Enfim, retomando o assunto principal, foi Aristóteles que considerou os dois modos fundamentais da mimese na poesia, em outras palavras, o modo narrativo, o que atualmente se conhece como Gênero Épico, ou Epopéia, escrita em versos, ou Narrativa em versos, com seus fenômenos estilísticos tradicionais, e o modo dramático, ou Gênero Dramático, conhecido à época de Aristóteles, como Poesia Trágica e Poesia Cômica, uma vez que os Gêneros, na Antiguidade Clássica, grega e romana, e mesmo na Idade Média, eram escritos em versos. Lembremo-nos, caros leitores, que a prosa ficcional, enquanto Ficção-Arte, só se materializou a partir do século XVII (até prova em contrário), com o Dom Quixote, de Miguel de Cervantes, obra esta que deu início ao já conceituado Gênero Narrativo em Prosa (ou Gênero Ficcional, ou Romance Complexo da Era Moderna).

Horácio, escritor latino, preocupou-se também com a Questão dos Gêneros Literários. Em seu livro Epistula ad Pisones, uma espécie de manual para o reconhecimento da literatura, direcionado aos irmãos Pisões, oriundos de uma família tradicional de sua época, por intermédio de preceitos particulares, propicia uma renovação, avançadíssima para a época, na evolução da compreensão dos conceitos gregos de Gêneros Literários. Para Horácio, o que se conhece por Gênero Literário liga-se à questão da tradição formal, acrescida indubitavelmente por um certo tom, os quais revelariam (a tradição formal e o tom, oriundos da palavra escrita) o Gênero Literário de cada texto averiguado. Sendo assim, o iambo, um metro poético conhecido só pelos antigos gregos e romanos, desconhecido nas formas atuais da poesia, seja ela épica ou lírica, seria, para Horácio, o metro mais semelhante à linguagem coloquial, e por esta razão, foi o metro preferido dos dramaturgos antigos na elaboração da ação dramática (poesia trágica e poesia cômica). Submetido às suas assertivas, Horácio, não aceitou a mistura dos gêneros literários (mistura esta que só foi reconsiderada séculos depois, e, mesmo assim, não logrou tornar-se sacralizada). Para Horácio, o estilo próprio de cada modalidade genérica era algo inconfundível, e cada poeta adaptava-se aos seus assuntos, revelando ritmo, tom e metro adequados ao estilo de cada gênero literário. Para Horácio, os temas de cada poeta deveriam ter forma própria. Horácio não admitia hibridismo, quando o assunto era literatura. A literatura resguardava uma finalidade moral e uma finalidade didática, pois, em sua época, a literatura era vista como instrumento de educação, sim, mas, também, se revelava um instrumento de prazer indescritível, nos quais as regras exigiam respeito, derivadas que eram de modelos ideais.

Do final da Idade Média ao início da Era Moderna, depois do não muito explicado “momento das trevas” da Alta Idade Média, assinalou-se o ressurgimento da Poética de Aristóteles. O que Aristóteles considerou como bipartição, realçando apenas a poesia narrativa e a poesia dramática, supostamente deixando de lado a poesia lírica, uma vez que não se tem notícia de suas idéias sobre a poesia lírica (talvez, perdidas nos subterrâneos da História Literária), os renascentistas substituíram a divisão de Aristóteles pela chamada “tripartição dos gêneros literários”, ou seja, uma divisão da poesia em poesia épica, poesia lírica e poesia dramática. Havia a necessidade, à época do início da Era Moderna, de se desenvolver uma classificação consciente das obras anteriores e, principalmente, das que viriam a ser escritas, gradativamente. Essa decisão dos estudiosos quinhentistas só se fez visível porque, os mesmos, não tinham como classificar as Odes de Horácio e tampouco o Cancioneiro de Petrarca, os quais não se ajustavam naquilo que se conhecia como poesia épica e/ou poesia dramática. Por tais razões, uma vez que as idéias de Horácio já se faziam conhecidas pelos estudiosos do quinhentos, estes desenvolveram argumentações em prol de um terceiro gênero literário, o qual ficou conhecido como Gênero Lírico, ou seja, a Poesia Lírica.

Foi o classicismo francês que propagou os conceitos de gêneros literários, elaborados pelos antigos gregos e romanos (Platão, Aristóteles e Horácio). A partir dos pensadores franceses, da época do renascimento, cada gênero passou a ser classificado como “essência eterna, fixa e imutável”. Mas, com o passar do tempo, a poética disseminada pelos franceses sofreu questionamentos e não pode se colocar como verdade indestrutível. A partir daí se iniciaram as polêmicas em torno do assunto, o que conhecemos como Querela entre Antigos e Modernos, um debate grandioso que, até hoje, movimenta as diversas argumentações, os prós e os contras sobre esta questão ainda tão polemizada. Até hoje, os estudiosos da literatura se debatem nas diversas linhas teórico-críticas que compõem o nosso universo cultural. Os adeptos da crítica cientificista (formalismo, estruturalismo, semiologia da literatura, etc.) pregam ainda a imutabilidade dos gêneros. A chamada crítica fenomenológica aceita as idéias cientificistas com ressalvas. Esta decantada imutabilidade dos gêneros, para os fenomenólogos, poderá ser detectada apenas na forma explícita (o texto enquanto camada visível), mas, no que se refira às entrelinhas, estas poderão ser repensadas por intermédio do conhecimento de cada leitor. Assim, o conhecimento de cada leitor atuará, ao longo da leitura, promovendo incursões inéditas no invisível da obra literária. Estas incursões independem, atualmente, do reconhecimento da forma genérica. São incursões que se valem do que se encontra subentendido no texto-arte e, naturalmente, não se preocupam com o estudo analítico de base cientificista.

Assim, apenas como esclarecimento da ainda atual Problemática dos Gêneros Literários, os antigos pregavam a imutabilidade dos gêneros, e os modernos, a partir do renascimento, passaram a postular a mistura desses gêneros, incomodados que estavam com as regras e diretrizes no âmbito da literatura.

No final do século XVII e princípio do século XVIII, o classicismo francês, que promovia a tripartição, ainda foi respeitado por diversos estudiosos da literatura. As correntes neoclássicas (ou árcades) pautavam os seus entendimentos, sobre o literário, resguardados por tais idéias, mas, o século XVIII foi um século de muitas crises e de renovações inéditas de valores estéticos, e, tais valores foram vislumbrados também nas idéias sobre gêneros literários. Por estas razões, a polêmica continuou, demonstrando a perene necessidade de entendimento a respeito de uma questão que, pelo visto, se fará sempre presente nos Anais da História da Literatura Ocidental.

Lembremo-nos ainda que, foi no final do século XVIII (momento de transição do neo-classicismo para o romantismo) que o movimento alemão “Tempestade e Ímpeto” (Sturm und Drang) alcançou um grande prestígio, transformando todo o panorama da literatura ocidental. Esse movimento literário proclamou uma rebelião contra a idéia clássica de gêneros literários, salientando o papel do indivíduo criador e a autonomia da obra literária, e questionando, inclusive, o estabelecimento das tripartições. É importante realçar que, no século XVIII, ainda não se promovia a idéia de gênero ficcional, apesar da ficção ser conhecida desde o início do século XVII, por intermédio da obra de Cervantes. Assim, o problema se evidenciou com mais força à época do Neo-Romantismo, no final do século XVIII, mais precisamente, na Alemanha. Pela ótica dos neo-românticos, a criatividade do gênio ultrapassava os limites impostos na classificação dos gêneros literários. Com esta atitude, os neo-românticos substituíam as idéias tradicionais sobre gêneros literários pela firme convicção de que cada obra literária possuía sua própria autonomia no vasto âmbito da literatura.

No início do século XIX, com o advento do Romantismo, as novas idéias prenunciadas pelo Pré-Romantismo ganharam uma força extraordinária. Vitor Hugo, em 1827, no prefácio de sua obra Cromwell, estabeleceu as idéias vigentes sobre o assunto. Para Vitor Hugo, a verdade e a beleza estavam na síntese dos contrários, por isto, a obra deveria ser criada a partir de sua autonomia, passando a ser avaliada e entendida por meio das inovações formais híbridas e desconhecidas, como, por exemplo, o romance moderno, o qual, a partir do romantismo, passa a ser valorizado. Mesmo não tendo se perpetuado essas idéias inovadoras, foram conceitos de grande importância.

É certo que a questão continua incomodando os milhares de teóricos da literatura, no mundo todo, as cesuras nos gêneros literários continuarão, ad infinitum, mas, as contribuições pré-românticas ainda permanecerão acendendo a fogueira de diversos pontos de vista teórico-críticos que se entrecruzam em nosso cenário intelectual, promovendo numerosos debates sobre a existência ou não dos Gêneros Literários.

Foi a partir do início do século XIX, com o surgimento da estética romântica e com os novos argumentos de Victor Hugo, que nasceu o drama, um novo gênero, o qual amalgamava em um único texto — texto dramático — todos os gêneros conhecidos até então. O diferencial, nesse novo gênero do romantismo francês, era o fato de o mesmo apresentar uma dimensão temporal e uma dimensão psicológica do homem, desconhecidas até então por anteriores dramaturgos, os quais, em seus textos dramáticos, se submetiam apenas em registrar as duas realidades, em planos lineares já conhecidos, já conceituados, tais como o plano da realidade propriamente dita e o plano da realidade mágica (ou mítica). O grande trunfo da dramaturgia (incluindo o romance) daquele período estético foi reconhecer e valorizar as inovações formais, nomeando como valiosas as formas até então desmerecidas, tais como o drama, a tragicomédia e o romance. Por intermédio de uma doutrina multiforme e paradoxal, repleta de características diferenciadas, cujo único objetivo era se desvincular das idéias clássicas, o Romantismo, apesar das críticas depreciativas que o colocam como uma estética voltada simplesmente para a sentimentalização da realidade, legou-nos valores imperecíveis, tais como o reconhecimento de um gênero que não foi devidamente apreciado na ocasião de sua materialização no panorama cultural do século XVII: o Gênero Narrativo Ficcional, o que atualmente conhecemos como Romance Moderno.

Agora, passemos a repensar a questão dos gêneros literários pela ótica dos realistas. No final do século XIX, novamente, foi defendida a natureza substancial dos Gêneros Literários. Quem se preocupou com o problema foi Brunetière, apresentando o Gênero Literário, em toda a sua totalidade, como algo vivo, que nasce, se desenvolve, envelhece e morre, ou, por um outro ângulo, se transforma, gerando novos gêneros, de acordo que estava ele com as doutrinas positivista e naturalista. É importante que se diga que muitos teóricos se opuseram contra a já mencionada doutrina positivista/naturalista. Isto, porque os valores românticos ainda se faziam presentes, naquele final de século. Um estudioso da poesia chamado Croce combateu intensamente as idéias de Brunetière, não aceitando as assertivas positivistas e naturalistas preconizadas por ele. Para Croce, a poesia, aquela considerada como especial, só poderia se materializar por intermédio da intuição. Intuir poeticamente, pelo entendimento de Croce, tornava-se o meio mais sublime de alcançar a verdadeira forma da expressão. Por intermédio da intuição, o poeta lírico teria como exprimir seus sentimentos através da poesia. A obra poética, para o mesmo Croce, seria uma forma una e indivisível, distanciada das regras realistas que a queriam objetiva. Assim, foi o gênero lírico que ficou na berlinda dos debates, por ocasião do reinado dos realistas.

Em favor de Croce, pode-se dizer que o Gênero Lírico jamais poderá ser apartado de seu fenômeno estilístico fundamental, a sentimentalização, uma vez que, para que seja verdadeira, a poesia terá de se materializar através dos sentimentos unívocos do poeta, terá de sair das camadas profundas do espaço do não-dito, não importando, ao poeta, a forma convencionada em seu momento estético. Qualquer que seja a forma (quantidade de sílabas, extensões variadas nos versos, quantidade de estrofes, Canções ou Sonetos, etc.), o Gênero Lírico não perderá os seus valores essenciais, será para sempre o gênero preferido daqueles que sabem interagir com o plano do não-dito (plano amorfo) e de lá resgatar, trazendo para os seus versos, os murmúrios, os sons primordiais, os quais, posteriormente, graças à sensibilidade do Poeta, se tornarão conceituados. É interessante notar que o gênero lírico não se adequou às regras realistas. Na verdade, os poetas realistas (chamados no Brasil também de parnasianos) sentimentalizaram objetivamente a realidade, ou seja, não puderam excluir a sentimentalização, a interiorização, de seus escritos poéticos.

Em meados do século XX, os Conceitos Fundamentais da Poética, um livro de Emil Staiger, monopolizou os estudantes de letras no Brasil. As idéias do teórico alemão se tornarão conhecidas entre os nossos estudiosos, tornando-se uma espécie de bíblia para o reconhecimento dos Gêneros Literários. É bom que se diga que, até hoje, início do século XXI, tais idéias são disseminadas pelos professores de teoria literária, nas Universidades brasileiras. Tais idéias são repassadas aleatoriamente e, em verdade, poucos questionam se são aceitáveis ou não. Parece que atualmente, aqui, em nossa realidade cultural tupiniquim, pensar é algo cansativo. Melhor é aceitar como verdade tudo o que vem do estrangeiro, ou mesmo idéias que foram disseminadas há muito tempo e que já não fazem parte da realidade hodierna.

Entretanto, o nosso semiólogo Anazildo Vasconcelos da Silva, graças às suas análises semiológicas, cientificistas, viu ali, nos textos de Staiger, uma falha, no tocante ao Gênero Épico. Para Emil Staiger, Aristóteles, em sua Poética, ao desenvolver assertivas sobre o Gênero Épico, construiu uma teoria que teria validade, para sempre, nos textos épicos dos séculos seguintes. Anazildo Vasconcelos, teórico brasileiro, viu a questão de uma forma diferente, e, nos anos oitenta, repassava as suas idéias aos alunos da pós-graduação em literatura. De acordo com Anazildo Vasconcelos (ler: SILVA, Anazildo Vasconcelos da. Semiotização Literária do Discurso. Rio de Janeiro: Elo, 1984, p. 9-10), Aristóteles foi, em verdade, um grande crítico de sua época. Aquelas idéias sobre o Gênero Épico estavam ligadas aos textos dos escritores épicos do momento literário antigo (momento literário da Grécia Antiga do século de Aristóteles, que seja bem entendido). Portanto, os textos épicos, posteriores a Aristóteles, deveriam ser repensados com estudos reformulados, sem com isto desmerecer os conceitos de Aristóteles, os quais estavam condizentes com o que se produzia em sua época no âmbito da Literatura Épica. As epopéias em versos, posteriores a Aristóteles, realmente, grafaram as marcas de seus momentos. A epopéia Os Lusíadas, de Luís de Camões, por mais que o seu autor português se fixasse nas normas da antiguidade clássica, nos legou para sempre os valores do século XVI, já com intervenções de outras matérias genéricas. A concepção literária renascentista (humanista), de acordo com Anazildo, contaminou o discurso épico daquele momento histórico.

A notável contribuição de Emil Staiger (e isto deve ser declarado) foi preferir as designações de estilo (estilo lírico, estilo épico, estilo dramático), adjetivando os Gêneros Literários, ao invés de os classificar na forma de substantivo (a lírica, a épica, o drama) porque, para Staiger, a forma adjetiva evitaria sérios erros interpretativos.

Atualmente, nas Faculdades de Letras brasileiras, estamos envolvidos por diversas idéias sobre os Gêneros Literários. Estamos vivendo o momento dos estudos voltados para a interdisciplinaridade. Cada linha teórico-crítica desse nosso hodierno universo cultural deseja que as suas idéias sejam as mais valiosas. Se o nosso momento mundial é o momento do Caos (dos desencontros sociais e existenciais), nada mais normal do que também o Caos cognitivo no que se refira aos estudos da literatura. Aliás, os textos pós-modernos (de ficcionistas e, também, dos poetas dos anos quarenta do século XX para cá) refletem no âmbito do Conhecimento este Caos que nos envolve. São textos de difícil compreensão, os quais merecem o reconhecimento de novíssimos posicionamentos teórico-críticos, ou mesmo a invenção de uma nova denominação genérica para eles. Enquanto esses posicionamentos não aparecem, vamos empurrando o nosso barco teórico brasileiro com as idéias estrangeiras do século anterior, mas, no que nos diz respeito, em especial, estamos em expectativa por novas definições.


(Texto registrado de Neuza Machado. Este texto pertence aos Apontamentos de Teoria Literária e Crítica Literária, um livro que está sendo elaborado pela autora e que será publicado em breve por sua editora particular, NMachado, editora da autora, registrada no ISBN – Rio de Janeiro)


(Neuza Machado: neumac@oi.com.br)


Neuza Machado é Doutora e Mestre em Ciência da Literatura / Teoria Literária pela Faculdade de Letras da UFRJ.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

1 - AS AVENTURAS DE DIANNA QUIXOTINNA VALENTE DOS MIL NOMES BRASILEIROS


1 - AS AVENTURAS DE DIANNA QUIXOTINA VALENTE DOS MIL NOMES BRASILEIROS

NEUZA MACHADO


No Interior de Sua Insólita
Carruagem Voadora
A Dianna Valente Quixotina De Mente
Conversava Com o Toinzão Bonitão,
Cujo Apelido no Passado Dourado
Cantado e Exaltado
Era Faetonte Helius Praláde Brilhante.

E a Dita Cuja Dizia:
- Quem Duvida de Que
Lá Para o Futuro Sem-Muro,
Quando Espocar In a Flashs,
Super Luminosos,
Essas Minhas Íntimas Aventuras
Por Certo Seguras,
O Neo-Sábio Que as Apreciar
E as Publicar em Papel Reciclado
Haverá de Colocar
Na Primeira Página das Mesmas:

"Por Um Breve Momento,
Tinha o Ígneo Faetonte,
O Filho de Apollo Brilhante,
Alastrado Pela Superfície
Do Globo Rotundo
Suas Doiradas Fogosas Melenas
E Somente os Metálicos Sons
Da Máquina do Mundo,
Com Seus Incômodos
E Dissonantes Ecos,
Estava a Cumprimentar
Com Dinamismo Adoidado
A Diária Visita da Aurora Ferrosa
Das Garras Dadivosas,
No Ato do Enrolo a Deixar
A Aconchegante e Entrançada
Rede de Dormir e Existir
Do Prestimoso Companheiro Marido
Apollo Querido,
Aquele Que Clareia os Fios da Teia
E os Espaços dos Sítios
Por Onde a Vibama Irá Passar
Com Seus Preciosos Dados
Das Antigas Histórias
Que Fazem Parte
Do Passado Exemplar
Das Entrelinhas do Falar Mineirês
Misturado com o Insolitíssimo
Internês-Brasilês-Português,
Aos Antigos Desvalidos Brasilanos
Do Já Antiguíssimo Passado
Do Brasil Varonil Se Mostrava,

Quando a Famigerada Astronauta
Sem Rota e Sem Pauta
Don’Ana Dianna Quixotina
Da Serra da Conceição,
Carangola, Minas Gerais, Brasil,
Deixando os Travesseiros Dormideiros
Do Charreteiro Toinzão
E Começou a Voar de Retranca
Pelo Prosopopaico Passado
Dos Gregos de Então,
E, Também,
Pelo Vei-Brasil Varonil,
Desejosa de Sonhar e Vislumbrar,
Para o Mesmo Brasil Cor-de-Anil,
No Próximo Século XXI,
Uma Neo-Realidade
Replecta de Luz
E Superior Dignidade
Além de Muita Fartura
Para o Brasileiro da Cruz.”

(Tais Aventuras Sonambúlicas
Que Serão Relatadas em Breve,
Foram Vividas no Passado Malsinado
De Meu Brasil Adorado,
Quando, Pobrezinho, se Posicionava
Como País de Terceiro Mundo,
Pobrinho!... Pobrinho!...
E os Seus Muitos Governantes
De Seculares Tempos Passados
Abaixavam Sua Cabeças Servis
E Diziam Amém
Aos Mandos e Desordens
Provindos do Além),

─ Por Último, a Sábia Sabida
Do Futuro Sem-Muro Distante
Imprimindo em Papel Reciclado
Minhas Aventuras de Dantes
Irá Escrever Comovida:

“E a Dianna Valente,
Mulher Queixo-Duro
E Muitíssimo De Mente,
Um Glorioso Brasil,
Nos Primeiros Annos Insanos
Do Terceiro Milênio,
Ela viu”.

E, Ainda Voando e Sonhando,
Do Antigo Passado
De El-Rei Dom Fernando
Ao Presente Contente
De Luís Presidente,
Ela Continuou a Falar
Com o Toinzão,
O Toinzão Bonitão,
Charreteiro Influente:

― Ditosos Annos Iniciais
Do Terceiro Milênio!
Oh! Século XXI Incomum,
Que Não Verei Completo,
Por Certo!,
Mas Que Estampará,
Para Poderosos Internautas
Bem Ocupados
Com o Valor da Leitura Segura
(O Século XXI, Bem Entendido!),
E, Por Certo, Apresentará,
Aos Mesmos Internautas
(Gerações e Gerações),
Estas Minhas Aventuras Tão Puras,
Todas Elas Façanhas
Dignas de Serem Colocadas
Em Urna Interplanetária,
Para Serem Lidas,
Quem Sabe?,
No Futuro
Com Certeza Sem-Muro,
Por Alienígenas do Grã-Espaço Sideral,
Quem Sabe?,
Também,
Esculpi-las em Ouro Brilhante,
Ou em Pinturas Obscuras,
No Entanto, Valiosas,
Gloriosas,
Para Que os do Futuro
Com Certeza Sem-Muro
Possam Lembrar-se
De Todas as Anteriores
Fases Tristinhas!
Sem Glórias!
Do Brasil Varonil
E Entenderem
(Os do Futuro Sem-Muro,
Evidentemente)
Que Foi Um Grande
Presidente Presente,
Sem Diploma de Doutor,
Mas Muito Eficiente,
Que Livrou o Brasil
De Uma Inglória
E Maldosa Corrente.