Quer se comunicar com a gente? Entre em contato pelo e-mail neumac@oi.com.br. E aproveite para visitar nossos outros blogs, o "Neuza Machado 2", Caffe com Litteratura e o Neuza Machado - Letras, onde colocamos diversos estudos literários, ensaios e textos, escritos com o entusiasmo e o carinho de quem ama literatura.

terça-feira, 8 de junho de 2010

10.5 - A TEMÁTICA DA ÁGUA


10.5 - A TEMÁTICA DA ÁGUA

NEUZA MACHADO


O Ficcionista de "A terceira margem do rio" (Primeiras Estórias) remodela também o culto da árvore e o culto da morte, ambos intimamente ligados às culturas antigas.

“Os celtas usavam de diversos e estranhos meios em face dos despojos humanos para fazê-los desaparecer. Em um certo país, eles eram queimados e a árvore nativa fornecia a lenha da fogueira; em outro, o Todtenbaum (a árvore do morto), escavada pelo machado, servia de esquife ao seu proprietário. O esquife era enterrado, a menos que o entregassem à corrente do rio, encarregado do transportá-lo sabe Deus para onde! Enfim, em certos cantões havia um uso — uso terrível! — que consistia em expor o corpo à voracidade das aves de rapina; e o lugar dessa exposição lúgubre era o alto, o cimo dessa mesma árvore plantada no dia do nascimento do defunto e que desta vez, por exceção, não devia tombar junto com ele” (Bachelard).

O Artista Ficcional Sertanejo remodela o culto da árvore e da morte, para dar um fim criativo a sua aparentemente singela narrativa. Proprietário de um sobrenome suevo, está sempre voltado para o remoto, para o estranho. Graças a essa ligação com o primitivo, conhece os instintos do homem e, graças a sua ligação com o mundo moderno e a seu dom de criador, sabe também como revestir os mitos da infância do Mundo.

O culto da árvore, que acompanha a trajetória de vida do homem que a plantou até o instante de sua morte, está muito bem camuflado ao longo da narrativa, mas propenso a ser descoberto, se atentar-se para a simbologia da canoa. A canoa, segundo o relato do Filho, foi modelada em pau-de-vinhático, uma madeira resistente, para poder durar muitos anos dentro da água. O Pai escolheu a madeira de seu esquife com muito cuidado, pois sua intenção era um suicídio a longo prazo sob o patrocínio da água, intenção que visava castigar paulatinamente a culpada — a Mãe — de sua derrocada moral.

Percebe-se que a Mãe não respeitava sua autoridade de chefe da família. Pelo menos, é o que passa o relato do Filho: "Minha mãe, era quem regia no diário: minha irmã, meu irmão e eu". A madeira escolhida é a sua árvore, ou seja, o que ele desejou ser exteriormente ante a família, e não foi: um homem forte, rijo e respeitado. O apelo ao suicídio é sincero, mas o desenlace narrativo foge aos padrões normais, graças à força das imagens criadoras nascidas da solidão íntima do Filho-narrador, que carrega a culpa de toda a família. O Pai se abandona à água, em seu esquife-canoa, mas o Filho culpado não o abandona, acompanhando da terra firme o sofrimento sem-fim que o assinalou.

O Artista obriga a seu alter ego a vivenciar no íntimo a solidão do Pai. Ele, por sua vez, está vivenciando a sua fase de amassador e modelador da terra unida à água. Por isto, a narrativa, aparentemente linear, não se preocupa realmente com as formas instituídas que obrigariam o narrador a dar um fim vital à vida do Pai. Ele está iniciando um novo momento de muita intimidade com suas matérias eleitas.

MACHADO, Neuza. Do Pensamento Contínuo à Transcendência Formal. Rio de Janeiro: NMachado / ISBN: 85-904306-1-8

Nenhum comentário:

Postar um comentário