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sexta-feira, 18 de junho de 2010

10.15 - A TEMÁTICA DA ÁGUA


10.15 - A TEMÁTICA DA ÁGUA

NEUZA MACHADO



Das duas margens do rio evola-se uma ímpar terceira margem, reflexo de outras águas metafóricas e infinitas. Esta terceira margem é uma margem refletida, é o reflexo de um mundo onde o impossível acontece.

O rio fundo e calado é um convite a uma morte especial. O Pai não se suicida, mas se deixa levar pelo rio; um vivo/morto, depositado em uma canoa/caixão, submetido aos devaneios da morte, às impressões e sentimentos do Ficcionista.

O rio é fundo e calado, é largo, de não se poder ver a forma da outra beira, é um rio silencioso.

“Sem alegria nem cuidado, nosso pai encalcou o chapéu e decidiu um adeus para a gente. Nem falou outras palavras, não pegou matula e trouxa, não fez a alguma recomendação” (“A terceira margem do rio”, Primeiras Estórias).

Ao entrar no rio silencioso, o pai torna-se um espectro; assume a solidão de uma vida estranha, impõe ao filho o sentimento de culpa e desassossego. O rio aqui realça-se como um tema de tristeza. O filho nunca pode entender como o Pai aguentava sol e aguaceiro, sem pojar em nenhuma das duas beiras. A solidão do pai gera uma imagem fantasmagórica, eternamente infeliz.

“(...) ele agora virara cabeludo, de unhas grandes, mal e magro, ficado preto de sol e dos pelos, com o aspecto de bicho, conforme quase nu, mesmo dispondo das peças de roupas que a gente de tempos em tempos fornecia” (“A terceira margem do rio”, Primeiras Estórias).

O Artista medita os mistérios produzidos pela água silenciosa e insondável; medita sobre o sentido da decomposição do Pai em sua morte cotidiana dentro do rio; medita o desejo de enganar a morte e alcançar o plano da eternidade.

O Pai se tornará eterno na dimensão das imagens profundas, no mundo poético/ficcional, porque o filho assim o deseja. A estória do Pai é a história do Artista Literário e de seu lugar de origem. O Pai é o Sertão, o Filho/narrador é o Artista. Na verdade, quem se afasta do Pai é o Filho. O Filho sai do Sertão, mas o Sertão não sai do Filho. Através dos rios imaginários, o sertão do passado e seus rios misteriosos se tornam presentes nas nostálgicas recordações do Filho. As poças de água da Cidade transformam-se em rios inventados. Suas cintilações e reflexos impõem devaneios, multiplicados ad infinitum pelo poder da mente criadora.

MACHADO, Neuza. Do Pensamento Contínuo à Transcendência Formal. Rio de Janeiro: NMachado / ISBN: 85-904306-1-8

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