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quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

O PALÁCIO MANIXI



O PALÁCIO MANIXI

NEUZA MACHADO


Cada capítulo de O Amante das Amazonas é um close que aumenta e ilumina o espaço narrado, um close dilatado pelo olhar ficcional poetizado de um escritor-narrador repleto de matéria lírica. Nas páginas rogelianas, o chamado “simulacro pós-moderno” se agiganta, transformando o Palácio Manixi em um local digno de grandiosas filmagens cinematográficas. Não importa que a história se localize no passado histórico em confronto com um verossímil presente ficcional, o que vale é a representação da mesma no presente cronológico, para que seja reavaliada no futuro, quando a Floresta Misteriosa e seus míticos personagens não mais existirem. Os leitores do futuro se sentirão vazios com a perda, como hoje nos sentimos despejados de um passado de glórias, ao lermos as grandes obras literárias que nos foram legadas. Satisfazemo-nos (os leitores-eleitos reflexivos) com os preenchimentos prazerosos ou mentalizados desse vazio, com nossas incomodações culturais, com nossa ânsia de crescimento intelectual.

Mesmo que o autor afirme, em suas Entrevistas, que, desde as primeiras páginas, imitou os autores amazonenses da época do auge da borracha, os quais também foram imitadores de Euclides da Cunha, mesmo que diga que a sua obra, como um patchwork quilt (só para expressar-me como os autênticos e conceituados críticos brasileiros pós-modernos, os quais preferem reverenciar as expressões estrangeiras em detrimento de suas falas tupiniquins), explicita as suas dilatadas leituras teórico-filosóficas, posso afirmar que o todo de sua narrativa se vale da intencionalidade ficcional. A intencionalidade ficcional vai segurar e assegurar o diferente fio narrativo, transformando em novidade, em criação, o já instituído. A visão distendida de Rogel Samuel sobre o seu espaço romanesco é maior do que as informações que ele colheu nos livros (em suas leituras filosóficas ou ficcionais). É uma visão transcendental, particularíssima, que ele procura desmistificar, como se ele não tivesse o direito de reivindicar a autoria plena de seu texto ficcional. Ele “finge” saber menos do que os seus personagens (“o poeta é um fingidor”, já disse Fernando Pessoa), por isto a criação de dois narradores visíveis, fora os invisíveis que muito contribuíram. Por meio dessa aparente simulação, ele refez/refaz os aspectos e atitudes dos personagens perante a vida na Floresta, evitou/evita os juízos pré-concebidos dos leitores desatentos, mas o propósito de criação ficcional permaneceu/permanece direcionando o fio narrativo. Seus narradores expuseram/expõem (e vão continuar a expor) seus pontos de vista sobre a realidade da Grande Floresta, sobre aquele lendário universo que eles desejaram/desejam perpetuar, para apresentá-lo aos leitores do futuro. A criação ficcional é alguma coisa que independe de preço, porque a história do conflito entre as duas realidades – a social e a mítica – poderá ser reavaliada futuramente, quando os “verdadeiros” leitores de Rogel Samuel, desconhecedores dessas passadas durações grandiosas, começarem a interagir com as camadas ocultas de seu romance pós-moderno/pós-modernista. Enquanto não aparecem esses futuros leitores, naturalmente os leitores privilegiados, aproprio-me de minhas reflexões e passo a afirmar que, se há mais de um narrador atuando, isto prova a intencionalidade ficcional. E se suas faces são incomuns, reduplicadas, estas são próprias das autênticas narrativas ficcionais da pós-modernidade.


MACHADO, Neuza. O Fogo da Labareda da Serpente: Sobre O Amante das Amazonas de Rogel Samuel.

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