CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE: UM PRÉ-ANUNCIADOR? “E AGORA, JOSÉ?”
NEUZA MACHADO
Este sempre atualíssimo poema de Carlos Drummond de Andrade, nesses nossos dias de crise monetária mundial, e em relação aos desmoronamentos sócio-políticos que estão a abalar os alicerces das abastadas e presunçosas elites, e levando ao sofrimento e à fome a maior parte da humanidade, poderá ser lido e interpretado com uma certa liberdade pelo leitor consciente. Os leitores-eleitos descobrirão que umas poucas elevadas cabeças – do Brasil e do Mundo –, ricamente orgulhosas de suas posses e poder, irão encaixar-se perfeitamente na “carapuça poético-reflexiva” de nosso genial escritor (uma vez que os verdadeiramente deserdados da sorte monetária estão, neste momento, a léguas de distância das leituras reflexivas).
Carlos Drummond de Andrade publicou este seu poema em meados do século XX (quando o mundo passava pela terrível Segunda Guerra Mundial, quando o Brasil se debatia nas garras violentas da miséria extrema – da maioria de sua população). Naquele momento, éramos todos – nós os brasileiros da segunda metade do século XX – o tristonho “José” desse poema.
E para que o poema de Carlos Drummond de Andrade continue neste século XXI a “incomodar” reflexivamente os atuais leitores brasileiros (principalmente, aqueles que ainda não leram a criação poética do referido escritor), transcrevo-o, com muito prazer (certa de que os Internautas-Leitores que me honram com suas visitas a este meu Blog saberão entender as mensagens que perpassam por suas entrelinhas).
Apreciem também, além da imprescindível leitura reflexiva, o poema “José”, de C. D. de Andrade, musicado e cantado por Paulo Diniz (singularíssimo cantor brasileiro atualmente pouco divulgado).
letras.terra.com.br/carlos-drummond-de-andrade/353799/
JOSÉ
Carlos Drummond de Andrade
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio – e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?
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