ODISSÉIA MARIA GUERREIRA BRASILEIRA DO FINAL DO SÉCULO XX – 1998 / 1999
NEUZA MACHADO
VIGÉSIMO NONO CANTO - 2... mesmo adotando
e amando o Rio de Janeiro,
continuo mineira,
com muito prazer!,
relembro com amor o meu Estado de origem,
recordo com carinho
as bellas tardes fagueiras
da minha infância distante,
ai!, que saudades que tenho
da minha infância querida,
debaixo das laranjeiras
e mangueiras
e goiabeiras
e jabuticabeiras,
os deliciosos fruitos existentes
em Minas Gerais,
do meu saudoso quintal
e dos quintais dos vizinhos,
ai!, que saudades que tenho,
meu Amor!, meu Rapaz!;
no entanto, morar em Minas Gerais
nunca mais, nunca mais!,
Minas é um Reduto Ainda Muito Fechado
neste Final do Século XX, demais!;
Minas continua adotando
os Patriarcais Costumes Antigos Legais,
o mineiro altaneiro,
aquele que saiu de Minas Gerais
e conheceu a Liberdade de Viver e Amar,
jamais voltará para Minas Gerais,
se for Mulher, então, não voltará, com certeza!,
a Mulher em Minas não tem liberdade,
se lutar para ter liberdade, será mal-falada,
falarão da Mulher com desprezo e rancor,
a Mulher desobrigada é por lá criticada,
a Mulher deforçada, de Minas Gerais,
compreenderá o aqui manuscrito
e depois digitado,
os Costumes de Minas
são Patriarcais por demais,
a Mulher Mineira,
deste Vinte Final,
tem de ser recatada,
terá de ser retraída, acanhada,
não pode jamais conversar com o vizinho,
com o marido da vizinha, quero dizer,
senão, a vizinha baixará o porrete,
vai bater pra valer na vizinha irrequieta,
a Talzinha ousou conversar com seu marido-galinha,
e a Mulher liberada
não estava fazendo nada de mais, óh coitada!,
nem estava interessada no marido da comadre,
mesmo assim, ela será afastada da sociedade,
será marginalizada e malsinada,
porque simplesmente quis ter liberdade,
a liberdade de agir
sem prestar contas ao Mundo Rotundo;
falo com Você, Leitor de Formação Patriarcal
deste Século XX Final,
ou com o Leitor do Século XXI
do Futuro Sensacional,
Você que está lendo este Texto Enrolado,
mesmo se Você agora afirmar
e reafirmar o contrário;
nas Minas Gerais, meu Rapaz!,
neste Final de Século XX
e de Segundo Milênio,
eu afirmo e rejuro,
não há liberdade para a Mulher Mineira,
não Senhor, meu Amor;
mas, atenção!, por favor!,
há uma Facção de Mulher Mineira
deste Final do Vinte Patriarcal
arisca e manhosa,
ela sabe fingir com maestria,
sabe enganar as velhas fofoqueiras mineiras,
se não há liberdade, ela inventa a vida,
santamente ela põe chifres no seu marido-galinha,
e ai de quem lhe apontar o dedo, acusando-a,
ela é pura e é santa,
mas faz das suas às escondidas,
trama com os compadres no meio da roça
e et cœtera e tal;
de vez em quando,
vão nascendo uns filhos mui diferentes;
mas seu caçula, comadre Alqueminda,
é muito parecido com o compadre Jovinho,
você não acha, comadre, que há parecença?;
o que é isso, comadre Moirena?,
sou esposa fiel!,
meus filhos são todos do meu marido Anfitrião Bonitão,
compadre Jovinho é só o padrinho
de meu caçula Izé, com muito zelo e carinho,
o que é isso, comadre?, sou esposa fiel,
meus filhos são todos do mesmo pai,
não sou a sua filha Matirda Perdida,
o que é isso, comadre?, está me estranhando?,
meu caçula é filho do meu marido
Bastião Anfitrião Valentão;
mas, como eu ia dizendo,
a Mulher mineira é muito fiel,
até mesmo a Mulher da tal Facção,
quando o compadre se assanha
um pouquinho mais, ela diz,
compadre, o meu marido evém-já,
o meu marido evém-já, compadre Jovinho,
cuidado, compadre, o meu marido evém-já,
meu compadre Zeuzão!;
e vai se inclinando pro compadre Zeuzinho,
no fim de nove meses nasce mais um Izézinho,
e ai de você se notar parecença!;
o que é isso, comadre?, lhe bato na cara,
meu Izézinho é filho legítimo
do meu marido Tirésio Bastião Enfatrião Bonitão,
ele sua na roça de sol a sol,
trabalha e trabalha de sol a sol,
o Izézinho Fatriãozinho, quando crescer,
vai ajudar o pai na lavoura,
labutar na roça e empunhar a enxada afiada,
ainda bem, comadre, tenho doze filhos fortudos,
todos homens taludos pra ajudar o pai,
é bem verdade!, o Nico é bem queimadinho,
quase pretinho,
e seu pai Tirésio Fatrião
é branco alourado de pêlo dourado,
o Tirésio, comadre, teve uma avó bem pretinha,
o Sinhô Português pegava a escrava de jeito;
de vez em quando,
nascia na sanzala um quase branquinho,
o Tirésio é louro, mas sua avó era escrava,
por isso o Tonico é meio queimado,
digo, um escurinho bem bonitinho,
o Joca, comadre, tem os olhos rasgados
quomodo um japonês ou chinês,
eu olhei muito, na época da gravidez,
pru filho japonês do compadre Hakirô,
por isso, comadre, o Joca tem cara de japonês,
o que é isto, comadre?, não seja encrenqueira,
não fale essas coisas,
elas vão me perder,
ainda bem e amém, tenho doze filhos fortudos
pra ajudar o pai na lavoura,
não fale essas coisas infames,
minha comadre Assuntinha,
o Tirésio é cego, mas é brabo também
e vai me matar,
se esta história esticar até aos ouvidos dele,
cale a boca, comadre, sou mulher fiel;
mas, como eu ia dizendo, a comadre boboca,
que também faz das suas,
volta pra casa amuada, coitada!,
não descobriu o segredo bem guardado
da comadre Minervinha Alequiméia Odisséia,
mãe de doze filhos hercúleos,
cada um de um pai;
e o reduto mineiro cada vez mais fechado,
continua lacrado!,
se eu estivesse ainda em Minas Gerais, meu Rapaz!,
não sei não!,
talvez, não teria hoje Liberdade no Mundo,
teria caído na boca do povo, uai!,
não aceito que me cortem a palavra!,
quero sempre o meu cavalo solto no pasto,
a liberdade é um bem valioso,
não tem preço nem mesmo endereço,
a liberdade é um bem conquistado com fervor,
teria caído na boca do povo, Senhor,
se tivesse ficado em Minas Gerais;
talvez amigada com um fazendeiro rico,
entre tapas e beijos na hora do amor,
e o amante gritando e exigindo obediência,
e eu me rebelando, rebelando, rebelando
e batendo também,
com certeza seria valente,
Mulher Brava e Rompante,
jamais me submetendo ao terror,
e ai do amante mandão com seus freios de amor;
ainda bem!,
as Parcas Bondosas do Século XX
teceram meu loooooongo destino!;
na hora do meu nascimento,
os deuses de Hammurabi Rei Babilônico
e o divino Itabirano Drummond
pronunciaram meu nome,
vá Circe Irinéia Odisséia Maria
do Novello Amassado ser torta na vida,
e eu rodei para o Rio de Janeiro,
na década de sessenta,
num avião transportador de cargas mineiras,
e o Rio de Janeiro me acolheu com amor,
viva o meu Rio de Janeiro!, Doutor!,
o meu Rio querido e acolhedor,
aqui vivo bem e sou dona de mim,
faço o que quero e sou livre
e viajo sempre que posso,
e leio os meus clássicos
e os horóscopos também,
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