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quinta-feira, 28 de abril de 2011

A QUESTÃO DOS GÊNEROS LITERÁRIOS NESTES ANOS INICIAIS DO SÉCULO XXI

A QUESTÃO DOS GÊNEROS LITERÁRIOS NESTES ANOS INICIAIS DO SÉCULO XXI

NEUZA MACHADO

Desde a antiguidade helênica até aos dias atuais, muito se especulou sobre os Gêneros Literários. O filósofo que se preocupou, em primeiro lugar, com o problema foi Platão, no Livro III de A República, no qual distinguiu as três grandes divisões dentro da poesia, como eram conhecidos os textos literários naquela época: a poesia mimética (ou dramática), a poesia não mimética (ou lírica) e a poesia mista (ou épica). Assim, foi a partir de Platão que se originou a atualmente chamada Problemática dos Gêneros Literários, também reconhecida, no auge do Renascimento, como uma questão a ser solucionada. De qualquer maneira, é importante que se saiba que Platão aboliu a divisão, divisão aquela que ele mesmo havia instituído, no seu Livro X, na mesma obra A República.

Se reconsiderarmos, com atenção, as idéias de Aristóteles, o segundo desta lista de pensadores sobre este tema tão reiterado, sobre este assunto tão controvertido, vamos perceber que ele foi, em verdade, o primeiro a fazer uma reflexão consciente e profunda sobre o assunto que, no momento, priorizamos. O seu livro Poética, ainda hoje, poderá servir-nos de bússola, para orientar-nos, quanto a compreensão das atuais delimitações dos Gêneros Literários, no âmbito da Literatura-Arte. Aristóteles, entre os muitos teóricos que se envolveram com o problema, foi o que mais nos legou subsídios para que pudéssemos hoje, nestes iniciais do século XXI, analisar e compreender tais distinções sobre os Gêneros Literários.

Assim dito, passo a explanar, agora, o papel da mimese no que tange ao reconhecimento das diversas categorias genéticas. A mimese (um conceito filosófico), para Aristóteles, se colocará como o fundamento de todas as artes (entretanto, no caso de nossa disciplina [Teoria Literária, pelo ponto de vista fenomenológico], esta se envolve única e exclusivamente com a Arte Literária), diferenciando-se a forma como cada uma assimila e demonstra esta dita mimese.

Na Literatura-Arte, é importante esclarecer, a mimese é apreendida através da palavra escrita. Na pintura-arte, as cores revelarão a mimese. Na música-arte, o ritmo e a harmonia se acoplarão e, através deles, a mimese poderá ser apreendida. Na arquitetura-arte, o vazio, que será, posteriormente, preenchido pelo Artista-Arquiteto, irá revelar, com grandeza, a mimese, que se colocará subentendida na forma arquitetônica. Na escultura-arte, o mesmo será revelado, pois a mimese estará subentendida na forma. Assim, é por intermédio da forma que a mimese se faz presente na escultura-arte. Na coreografia-arte (dança), percebe-se a mimese, intuída pelo coreógrafo, nos movimentos dos bailarinos.

E, mesmo na Literatura-Arte, em que a mimese do texto é revelada por intermédio da palavra escrita, há distinções. Há como observar a mimese em formas literárias diferentes. A essas formas diferentes do texto literário, denominamos Gêneros Literários. Assim, é possível, ainda hoje, distinguirmos o Gênero Épico do Gênero Lírico e do Gênero Dramático, a chamada tripartição genérica, reconhecida pelos antigos estudiosos da literatura, desde os gregos até ao Renascimento.

Somente no início do século XVII, ainda sob o impacto da anterior transição da Idade Média para a Idade Moderna, com o surgimento de Dom Quixote, o Cavaleiro da Triste Figura, do espanhol Miguel de Cervantes, logrou-se reconhecer um novo Gênero Literário: o Ficcional (narrativa em prosa). Não o ficcional linear das adaptações em prosa de textos épicos, antigos e medievais, mas, o ficcional complexo, verticalizante, promovido pelos ficcionistas de renomes, posteriores a Cervantes, ou seja, os textos ficcionais-arte, conhecidos, desde o século XIX, como romances modernos, incluindo, também, alguns excepcionais contos, os quais não poderão desvincular-se daquilo a que chamamos Literatura-Arte.

Como se pode observar, as novelas, reconhecidamente lineares, de estrutura simples, não poderão ser avaliadas como Literatura-Arte. Se, por ventura, algum texto novelístico (ou pequena narrativa supostamente conceituada como novela) alcançou tal privilégio, poderemos repensá-lo, colocando-o como autêntico embrião de romance. É o caso, por exemplo, da pequena narrativa A Hora e Vez de Augusto Matraga, de Guimarães Rosa, conceituada por alguns especialistas de literatura como pequena novela, e que poderemos, sem sombra de dúvida, classificar como embrião de Grande Sertão: Veredas. Poderemos repensar, também, algumas narrativas (excepcionais) de Érico Veríssimo (que foram reconhecidas como novelas em um passado ainda muito próximo), colocando-as como representantes do romance do século XX. Basta-nos, por exemplo, passar os olhos em E o resto é silêncio, de autoria deste renomado escritor gaúcho, para imediatamente compreendermos o engano dos conceituados teóricos que avaliaram o grande escritor das reminiscências dos pampas como novelista.

Diante de tais enganos, torna-se clara a necessidade de renovarmos nossos conceitos teórico-críticos, principalmente pelo fato de que escritores como Jorge Amado terem sido mal apreciados pelos críticos dos anos setenta no Brasil. Só depois de o mesmo ser aplaudido na França, alguns críticos de cá começaram a prestigiá-lo. A maioria dos críticos brasileiros, dos anos sessenta aos anos oitenta, não estava preparada para compreender o fato de que o escritor baiano possuía sim muita criatividade ficcional. Uma ficção voltada para os valores da Bahia, é bem verdade, mas, também, propensa a alcançar o panteon da glória universal e ser aclamada pelos pósteros (os únicos que saberão com certeza avaliar o que seja realmente literatura-arte).

Enfim, retomando o assunto principal, foi Aristóteles que considerou os dois modos fundamentais da mimese na poesia, em outras palavras, o modo narrativo, o que atualmente se conhece como Gênero Épico, ou Epopéia, escrita em versos, ou Narrativa em versos, com seus fenômenos estilísticos tradicionais, e o modo dramático, ou Gênero Dramático, conhecido à época de Aristóteles, como Poesia Trágica e Poesia Cômica, uma vez que os Gêneros, na Antiguidade Clássica, grega e romana, e mesmo na Idade Média, eram escritos em versos. Lembremo-nos, caros leitores, que a prosa ficcional, enquanto Ficção-Arte, só se materializou a partir do século XVII (até prova em contrário), com o Dom Quixote, de Miguel de Cervantes, obra esta que deu início ao já conceituado Gênero Narrativo em Prosa (ou Gênero Ficcional, ou Romance Complexo da Era Moderna).

Horácio, escritor latino, preocupou-se também com a Questão dos Gêneros Literários. Em seu livro Epistula ad Pisones, uma espécie de manual para o reconhecimento da literatura, direcionado aos irmãos Pisões, oriundos de uma família tradicional de sua época, por intermédio de preceitos particulares, propicia uma renovação, avançadíssima para a época, na evolução da compreensão dos conceitos gregos de Gêneros Literários. Para Horácio, o que se conhece por Gênero Literário liga-se à questão da tradição formal, acrescida indubitavelmente por um certo tom, os quais revelariam (a tradição formal e o tom, oriundos da palavra escrita) o Gênero Literário de cada texto averiguado. Sendo assim, o iambo, um metro poético conhecido só pelos antigos gregos e romanos, desconhecido nas formas atuais da poesia, seja ela épica ou lírica, seria, para Horácio, o metro mais semelhante à linguagem coloquial, e por esta razão, foi o metro preferido dos dramaturgos antigos na elaboração da ação dramática (poesia trágica e poesia cômica). Submetido às suas assertivas, Horácio, não aceitou a mistura dos gêneros literários (mistura esta que só foi reconsiderada séculos depois, e, mesmo assim, não logrou tornar-se sacralizada). Para Horácio, o estilo próprio de cada modalidade genérica era algo inconfundível, e cada poeta adaptava-se aos seus assuntos, revelando ritmo, tom e metro adequados ao estilo de cada gênero literário. Para Horácio, os temas de cada poeta deveriam ter forma própria. Horácio não admitia hibridismo, quando o assunto era literatura. A literatura resguardava uma finalidade moral e uma finalidade didática, pois, em sua época, a literatura era vista como instrumento de educação, sim, mas, também, se revelava um instrumento de prazer indescritível, nos quais as regras exigiam respeito, derivadas que eram de modelos ideais.

Do final da Idade Média ao início da Era Moderna, depois do não muito explicado “momento das trevas” da Alta Idade Média, assinalou-se o ressurgimento da Poética de Aristóteles. O que Aristóteles considerou como bipartição, realçando apenas a poesia narrativa e a poesia dramática, supostamente deixando de lado a poesia lírica, uma vez que não se tem notícia de suas idéias sobre a poesia lírica (talvez, perdidas nos subterrâneos da História Literária), os renascentistas substituíram a divisão de Aristóteles pela chamada “tripartição dos gêneros literários”, ou seja, uma divisão da poesia em poesia épica, poesia lírica e poesia dramática. Havia a necessidade, à época do início da Era Moderna, de se desenvolver uma classificação consciente das obras anteriores e, principalmente, das que viriam a ser escritas, gradativamente. Essa decisão dos estudiosos quinhentistas só se fez visível porque, os mesmos, não tinham como classificar as Odes de Horácio e tampouco o Cancioneiro de Petrarca, os quais não se ajustavam naquilo que se conhecia como poesia épica e/ou poesia dramática. Por tais razões, uma vez que as idéias de Horácio já se faziam conhecidas pelos estudiosos do quinhentos, estes desenvolveram argumentações em prol de um terceiro gênero literário, o qual ficou conhecido como Gênero Lírico, ou seja, a Poesia Lírica.

Foi o classicismo francês que propagou os conceitos de gêneros literários, elaborados pelos antigos gregos e romanos (Platão, Aristóteles e Horácio). A partir dos pensadores franceses, da época do renascimento, cada gênero passou a ser classificado como “essência eterna, fixa e imutável”. Mas, com o passar do tempo, a poética disseminada pelos franceses sofreu questionamentos e não pode se colocar como verdade indestrutível. A partir daí se iniciaram as polêmicas em torno do assunto, o que conhecemos como Querela entre Antigos e Modernos, um debate grandioso que, até hoje, movimenta as diversas argumentações, os prós e os contras sobre esta questão ainda tão polemizada. Até hoje, os estudiosos da literatura se debatem nas diversas linhas teórico-críticas que compõem o nosso universo cultural. Os adeptos da crítica cientificista (formalismo, estruturalismo, semiologia da literatura, etc.) pregam ainda a imutabilidade dos gêneros. A chamada crítica fenomenológica aceita as idéias cientificistas com ressalvas. Esta decantada imutabilidade dos gêneros, para os fenomenólogos, poderá ser detectada apenas na forma explícita (o texto enquanto camada visível), mas, no que se refira às entrelinhas, estas poderão ser repensadas por intermédio do conhecimento de cada leitor. Assim, o conhecimento de cada leitor atuará, ao longo da leitura, promovendo incursões inéditas no invisível da obra literária. Estas incursões independem, atualmente, do reconhecimento da forma genérica. São incursões que se valem do que se encontra subentendido no texto-arte e, naturalmente, não se preocupam com o estudo analítico de base cientificista.

Assim, apenas como esclarecimento da ainda atual Problemática dos Gêneros Literários, os antigos pregavam a imutabilidade dos gêneros, e os modernos, a partir do renascimento, passaram a postular a mistura desses gêneros, incomodados que estavam com as regras e diretrizes no âmbito da literatura.

No final do século XVII e princípio do século XVIII, o classicismo francês, que promovia a tripartição, ainda foi respeitado por diversos estudiosos da literatura. As correntes neoclássicas (ou árcades) pautavam os seus entendimentos, sobre o literário, resguardados por tais idéias, mas, o século XVIII foi um século de muitas crises e de renovações inéditas de valores estéticos, e, tais valores foram vislumbrados também nas idéias sobre gêneros literários. Por estas razões, a polêmica continuou, demonstrando a perene necessidade de entendimento a respeito de uma questão que, pelo visto, se fará sempre presente nos Anais da História da Literatura Ocidental.

Lembremo-nos ainda que, foi no final do século XVIII (momento de transição do neo-classicismo para o romantismo) que o movimento alemão “Tempestade e Ímpeto” (Sturm und Drang) alcançou um grande prestígio, transformando todo o panorama da literatura ocidental. Esse movimento literário proclamou uma rebelião contra a idéia clássica de gêneros literários, salientando o papel do indivíduo criador e a autonomia da obra literária, e questionando, inclusive, o estabelecimento das tripartições. É importante realçar que, no século XVIII, ainda não se promovia a idéia de gênero ficcional, apesar da ficção ser conhecida desde o início do século XVII, por intermédio da obra de Cervantes. Assim, o problema se evidenciou com mais força à época do Neo-Romantismo, no final do século XVIII, mais precisamente, na Alemanha. Pela ótica dos neo-românticos, a criatividade do gênio ultrapassava os limites impostos na classificação dos gêneros literários. Com esta atitude, os neo-românticos substituíam as idéias tradicionais sobre gêneros literários pela firme convicção de que cada obra literária possuía sua própria autonomia no vasto âmbito da literatura.

No início do século XIX, com o advento do Romantismo, as novas idéias prenunciadas pelo Pré-Romantismo ganharam uma força extraordinária. Vitor Hugo, em 1827, no prefácio de sua obra Cromwell, estabeleceu as idéias vigentes sobre o assunto. Para Vitor Hugo, a verdade e a beleza estavam na síntese dos contrários, por isto, a obra deveria ser criada a partir de sua autonomia, passando a ser avaliada e entendida por meio das inovações formais híbridas e desconhecidas, como, por exemplo, o romance moderno, o qual, a partir do romantismo, passa a ser valorizado. Mesmo não tendo se perpetuado essas idéias inovadoras, foram conceitos de grande importância.

É certo que a questão continua incomodando os milhares de teóricos da literatura, no mundo todo, as cesuras nos gêneros literários continuarão, ad infinitum, mas, as contribuições pré-românticas ainda permanecerão acendendo a fogueira de diversos pontos de vista teórico-críticos que se entrecruzam em nosso cenário intelectual, promovendo numerosos debates sobre a existência ou não dos Gêneros Literários.

Foi a partir do início do século XIX, com o surgimento da estética romântica e com os novos argumentos de Victor Hugo, que nasceu o drama, um novo gênero, o qual amalgamava em um único texto — texto dramático — todos os gêneros conhecidos até então. O diferencial, nesse novo gênero do romantismo francês, era o fato de o mesmo apresentar uma dimensão temporal e uma dimensão psicológica do homem, desconhecidas até então por anteriores dramaturgos, os quais, em seus textos dramáticos, se submetiam apenas em registrar as duas realidades, em planos lineares já conhecidos, já conceituados, tais como o plano da realidade propriamente dita e o plano da realidade mágica (ou mítica). O grande trunfo da dramaturgia (incluindo o romance) daquele período estético foi reconhecer e valorizar as inovações formais, nomeando como valiosas as formas até então desmerecidas, tais como o drama, a tragicomédia e o romance. Por intermédio de uma doutrina multiforme e paradoxal, repleta de características diferenciadas, cujo único objetivo era se desvincular das idéias clássicas, o Romantismo, apesar das críticas depreciativas que o colocam como uma estética voltada simplesmente para a sentimentalização da realidade, legou-nos valores imperecíveis, tais como o reconhecimento de um gênero que não foi devidamente apreciado na ocasião de sua materialização no panorama cultural do século XVII: o Gênero Narrativo Ficcional, o que atualmente conhecemos como Romance Moderno.

Agora, passemos a repensar a questão dos gêneros literários pela ótica dos realistas. No final do século XIX, novamente, foi defendida a natureza substancial dos Gêneros Literários. Quem se preocupou com o problema foi Brunetière, apresentando o Gênero Literário, em toda a sua totalidade, como algo vivo, que nasce, se desenvolve, envelhece e morre, ou, por um outro ângulo, se transforma, gerando novos gêneros, de acordo que estava ele com as doutrinas positivista e naturalista. É importante que se diga que muitos teóricos se opuseram contra a já mencionada doutrina positivista/naturalista. Isto, porque os valores românticos ainda se faziam presentes, naquele final de século. Um estudioso da poesia chamado Croce combateu intensamente as idéias de Brunetière, não aceitando as assertivas positivistas e naturalistas preconizadas por ele. Para Croce, a poesia, aquela considerada como especial, só poderia se materializar por intermédio da intuição. Intuir poeticamente, pelo entendimento de Croce, tornava-se o meio mais sublime de alcançar a verdadeira forma da expressão. Por intermédio da intuição, o poeta lírico teria como exprimir seus sentimentos através da poesia. A obra poética, para o mesmo Croce, seria uma forma una e indivisível, distanciada das regras realistas que a queriam objetiva. Assim, foi o gênero lírico que ficou na berlinda dos debates, por ocasião do reinado dos realistas.

Em favor de Croce, pode-se dizer que o Gênero Lírico jamais poderá ser apartado de seu fenômeno estilístico fundamental, a sentimentalização, uma vez que, para que seja verdadeira, a poesia terá de se materializar através dos sentimentos unívocos do poeta, terá de sair das camadas profundas do espaço do não-dito, não importando, ao poeta, a forma convencionada em seu momento estético. Qualquer que seja a forma (quantidade de sílabas, extensões variadas nos versos, quantidade de estrofes, Canções ou Sonetos, etc.), o Gênero Lírico não perderá os seus valores essenciais, será para sempre o gênero preferido daqueles que sabem interagir com o plano do não-dito (plano amorfo) e de lá resgatar, trazendo para os seus versos, os murmúrios, os sons primordiais, os quais, posteriormente, graças à sensibilidade do Poeta, se tornarão conceituados. É interessante notar que o gênero lírico não se adequou às regras realistas. Na verdade, os poetas realistas (chamados no Brasil também de parnasianos) sentimentalizaram objetivamente a realidade, ou seja, não puderam excluir a sentimentalização, a interiorização, de seus escritos poéticos.

Em meados do século XX, os Conceitos Fundamentais da Poética, um livro de Emil Staiger, monopolizou os estudantes de letras no Brasil. As idéias do teórico alemão se tornarão conhecidas entre os nossos estudiosos, tornando-se uma espécie de bíblia para o reconhecimento dos Gêneros Literários. É bom que se diga que, até hoje, início do século XXI, tais idéias são disseminadas pelos professores de teoria literária, nas Universidades brasileiras. Tais idéias são repassadas aleatoriamente e, em verdade, poucos questionam se são aceitáveis ou não. Parece que atualmente, aqui, em nossa realidade cultural tupiniquim, pensar é algo cansativo. Melhor é aceitar como verdade tudo o que vem do estrangeiro, ou mesmo idéias que foram disseminadas há muito tempo e que já não fazem parte da realidade hodierna.

Entretanto, o nosso semiólogo Anazildo Vasconcelos da Silva, graças às suas análises semiológicas, cientificistas, viu ali, nos textos de Staiger, uma falha, no tocante ao Gênero Épico. Para Emil Staiger, Aristóteles, em sua Poética, ao desenvolver assertivas sobre o Gênero Épico, construiu uma teoria que teria validade, para sempre, nos textos épicos dos séculos seguintes. Anazildo Vasconcelos, teórico brasileiro, viu a questão de uma forma diferente, e, nos anos oitenta, repassava as suas idéias aos alunos da pós-graduação em literatura. De acordo com Anazildo Vasconcelos (ler: SILVA, Anazildo Vasconcelos da. Semiotização Literária do Discurso. Rio de Janeiro: Elo, 1984, p. 9-10), Aristóteles foi, em verdade, um grande crítico de sua época. Aquelas idéias sobre o Gênero Épico estavam ligadas aos textos dos escritores épicos do momento literário antigo (momento literário da Grécia Antiga do século de Aristóteles, que seja bem entendido). Portanto, os textos épicos, posteriores a Aristóteles, deveriam ser repensados com estudos reformulados, sem com isto desmerecer os conceitos de Aristóteles, os quais estavam condizentes com o que se produzia em sua época no âmbito da Literatura Épica. As epopéias em versos, posteriores a Aristóteles, realmente, grafaram as marcas de seus momentos. A epopéia Os Lusíadas, de Luís de Camões, por mais que o seu autor português se fixasse nas normas da antiguidade clássica, nos legou para sempre os valores do século XVI, já com intervenções de outras matérias genéricas. A concepção literária renascentista (humanista), de acordo com Anazildo, contaminou o discurso épico daquele momento histórico.

A notável contribuição de Emil Staiger (e isto deve ser declarado) foi preferir as designações de estilo (estilo lírico, estilo épico, estilo dramático), adjetivando os Gêneros Literários, ao invés de os classificar na forma de substantivo (a lírica, a épica, o drama) porque, para Staiger, a forma adjetiva evitaria sérios erros interpretativos.

Atualmente, nas Faculdades de Letras brasileiras, estamos envolvidos por diversas idéias sobre os Gêneros Literários. Estamos vivendo o momento dos estudos voltados para a interdisciplinaridade. Cada linha teórico-crítica desse nosso hodierno universo cultural deseja que as suas idéias sejam as mais valiosas. Se o nosso momento mundial é o momento do Caos (dos desencontros sociais e existenciais), nada mais normal do que também o Caos cognitivo no que se refira aos estudos da literatura. Aliás, os textos pós-modernos (de ficcionistas e, também, dos poetas dos anos quarenta do século XX para cá) refletem no âmbito do Conhecimento este Caos que nos envolve. São textos de difícil compreensão, os quais merecem o reconhecimento de novíssimos posicionamentos teórico-críticos, ou mesmo a invenção de uma nova denominação genérica para eles. Enquanto esses posicionamentos não aparecem, vamos empurrando o nosso barco teórico brasileiro com as idéias estrangeiras do século anterior, mas, no que nos diz respeito, em especial, estamos em expectativa por novas definições.


(Texto registrado de Neuza Machado. Este texto pertence aos Apontamentos de Teoria Literária e Crítica Literária, um livro que está sendo elaborado pela autora e que será publicado em breve por sua editora particular, NMachado, editora da autora, registrada no ISBN – Rio de Janeiro)


(Neuza Machado: neumac@oi.com.br)


Neuza Machado é Doutora e Mestre em Ciência da Literatura / Teoria Literária pela Faculdade de Letras da UFRJ.

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